Parte 2: Negro 9 - Entre quatro paredes

1.5K 59 15
                                    

As orquídeas da mesa de centro foram substituídas por um castiçal de prata e uma chama solitária. Ao redor dele, travessas de vidro ofereciam uma variedade de especialidades árabes que Marco havia preparado. O menu incluía capeletes ao molho de iogurte, quibe cru de salmão e salada fatouche, além de doces de um entreposto tradicional. O ar se impregnava de mel e ervas.

Quando o relógio marcou nove horas, ela chegou precedida por uma fragrância floral. Usava blusa acetinada de alças finas e saia preta, os sapatos de salto alto combinando com um par de brincos de pérola e uma gargantilha dourada. Marco não pôde se impedir de fitá-la com expressão de surpresa.

Era sempre assim. Na ausência dela, Marco esquecia-se de como era bonita. Seu olhar percorreu o corpo jovem, voltou ao rosto oval, fixou-se nas íris que despendiam centelhas e reacendiam o desejo dele. Marco oscilou na fronteira da volúpia e da inquietude. Era uma sensação tão estranha, que por um instante a saboreou tentando defini-la.

- Por que você está me olhando assim? Até parece que nunca me viu - ela disse sorrindo.

- Impressão sua.

Ela se aproximou com andar insinuante.

- Não está esquecendo nada? - Inclinou-se para ele. - E o meu beijo?

Seus lábios saudaram os de Marco enquanto suas mãos subiam pela camisa branca e pousavam de leve nos ombros dele. Depois ela se acomodou no sofá, cruzando as pernas enquanto estudava o ambiente com curiosidade. Franziu o cenho quando viu a comida e procurou algum indício do que estava por vir. Dessa vez, porém, nada ali deixava entrever as intenções de Marco.

- E então? O que temos para hoje? - ela quis saber. Suas pupilas se dilataram.

Marco encarou-a em silêncio. Aquela era sua última chance de desistir. Poderia simplesmente buscar a maleta de couro e improvisar um jogo qualquer. Havia ali todo tipo de brinquedo. Ela nem perceberia a mudança de planos.

Ele hesitou, relanceando a porta do quarto. Fez uma pausa e afinal disse:

- Primeiro vamos jantar.

Os dois sentaram-se de pernas cruzadas no chão, em torno da mesa de centro, bebendo arak ao som de música oriental.A melodia era uma noite de verão - guitarra e estrelas, harpa-alaúde e grilos, percussão e brisa na folhagem.Tu mera dil tu meri jaan... O artista paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan cantava a vida na forma de uma mulher, desejando que ela se sentasse à sua frente para poder fitá-la sempre e sempre. Seu coração, sua vida.

Enquanto isso ela sentava-se ali, provando a comida e lançando-lhe olhares furtivos. Até que não se conteve mais:

- O que você planejou afinal?

- Calma. Você não disse que gosta de surpresas? Seja paciente.

Ele esvaziou o copo e serviu mais arak para ambos. Ia levar a bebida aos lábios, quando mudou de ideia e deixou-a na mesa. Ela tomou um longo gole e empurrou o prato, as mãos na borda da mesa, os dedos tamborilando com um reflexo de esmalte dourado.

- Já estou satisfeita, obrigada.

Um sorriso.

E agora?

Foi o que o olhar dela perguntou e o dele não respondeu. O ar se fechou ao redor dos dois. Entreolharam-se. Marco fez menção de apanhar o copo de arak mas desistiu de novo e bebeu água. Pôs-se então de pé, estendeu a mão e ajudou a parceira a levantar. Puxou-a para si, conduzindo-a na cadência da música.

Ela se aninhou no peito dele e dançavam sem sair do lugar, de rosto colado. Marco fechou os olhos e tentou capturar o cheiro de mulher mascarado de jasmim. Resvalou os lábios na nuca exposta, beijando o declive do ombro, afastando a alça da blusa com os dentes para mordiscar a carne.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora