Parte 1: Branco 14 - Carnival

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De novo o aperto na garganta, travo no peito, lágrimas nos olhos. Marisa vagou desnorteada pelas ruas. Tudo vazio, as ruas, as horas, seu coração. Sua cabeça espiralando. Marco. Era a primeira vez que sentia uma ligação tão forte com alguém. Tão forte que doía. Tão forte que às vezes dava medo. Ele a compreendia no afago, no olhar, na palavra que sabia o que existia por trás do riso e da tristeza — ele importava. Não os outros que agora habitavam seu passado em quartinhos de despejo trancados com a chave da indiferença. Não eram tantos, de qualquer modo.

Louis, o colega mais velho de cabelos cor de areia que lhe tirara a virgindade quando tinha dezesseis anos. Os dois namoravam fazia um tempo e estavam ouvindo música no quarto dele (Revolution dos Beatles) numa tarde em que os pais haviam saído. Ela lembrava — as cortinas fechadas, o aquário iluminado com peixes vermelhos e prateados perto da janela, a sensação estranha de ter sua intimidade tocada por outra pessoa. Mas Louis era um bloco impenetrável: na verdade, só tinha olhos para si mesmo. Meses mais tarde, quando partiu para estudar marketing na França, não deixou muita saudade.

Depois foi Sérgio. Tão moreno e alto e bonito, tão vistoso e oco quanto uma embalagem de presente vazia. Juras de amor e planos para um futuro mais radiante do que o próprio sol. A felicidade eterna durou nove meses, o tempo de uma gestação e de ele trocá-la por sua instrutora de mergulho. Marisa ficou arrasada e, a partir daí, nunca mais quis se envolver com ninguém. Então surgiu Marco e ela baixou a guarda. Havia presumido que a relação dos dois significava algo para ele, mas pelo visto estava enganada. E o que significava meu amor? Ele provavelmente dizia isso para qualquer uma, a moça da loja, a gerente do banco…

Àquele pensamento, um soluço brotou lá do fundo e as lágrimas correram livremente pelos olhos dela. Eu fui só um brinquedo para Marco.

E Camila… A falsidade dele suscitou-lhe uma onda de náusea, pois Marisa sentia-se duplamente traída. Buscou na lembrança algum indício das mentiras de Marco — encontrou vários, pois a memória fabricava suas próprias falsidades. Marisa ficou dividida entre a esperança de estar errada e a suspeita cada vez mais forte de que ele lhe escondia algo. Só se conhecia mesmo uma pessoa numa situação extrema, quando ela era forçada a mostrar sua verdadeira natureza. Marco finalmente se revelara. Pior, nem sequer tivera a hombridade de zelar pela segurança dela, deixando que andasse sozinha pela noite.

Como se adivinhasse seu pensamento, o celular vibrou com uma chamada de Marco. Ela não atendeu. Outra ligação dele, seguida de uma mensagem: onde você está? Marisa ignorou ambas. Agora era tarde demais. Para usar as palavras de Marco, o mal já estava feito. Naquele exato momento, o que ela precisava era resolver uma questão prática: não podia voltar para casa porque a mãe achava que estava com Valentina; e nem podia aparecer às duas horas da manhã na casa da amiga.

Precisava encontrar um hotel para passar a noite. Olhou em torno e apressou o passo — na verdade, precisava primeiro encontrar um lugar seguro para pesquisar hotéis pelo celular. Relanceava os carros enquanto avançava pela calçada, na esperança de tomar um táxi, mas os poucos que viu estavam ocupados. Ao divisar um bar aberto, seu olhar se iluminou para logo apagar-se diante do interior sujo povoado de bêbados.

Nisso, reconheceu o ruído do motor às suas costas e, muito empertigada, continuou a andar. Fixando os olhos adiante, enxugou as lágrimas com um gesto furtivo.

— Mari!

Marco emparelhou com ela, e Marisa foi caminhando cada vez mais rápido. Dobrou uma esquina e ele a seguiu na contramão com a Ducati preta rente ao meio-fio.

— Mari, para com isso. Me desculpa, vamos conversar.

— Não tem o que conversar. Você deixou clara a sua posição — ela disse sem se deter.

VERMELHO: Uma História de AmorWhere stories live. Discover now