Marisa via a Doutora Spitzer nas noites de segunda, quarta e quinta. Na sexta não saía: ficava cismando. Que emoções eram essas que lhe davam tanto medo? Ela pensava na tela negra do inconsciente. Aí tentava se concentrar em suas emoções e só conseguia pensar numa tela branca, igual àquela pintura na antessala do consultório. Uma tela imaculadamente branca. Ou talvez (seguindo o raciocínio da Doutora Spitzer) fosse uma tela embranquecida pelo véu do medo: um quadrado branco que escondia por baixo o quadrado preto do inconsciente. Um quadrado branco enegrecido porque dissimulador. E que, assim, podia ser interpretado como um quadrado preto que mascarava o quadrado branco que mascarava o quadrado preto…
Marisa estava ficando com dor de cabeça de tanto pensar.
E nem tinha chegado nos círculos ainda.
Ela deitava no divã e falava da mãe, recordava o pai, sacava reminiscências empoeiradas das gavetas da memória. A Doutora Spitzer escrevia e escrevia no seu caderninho preto. Até que naquele final de junho Marisa teve um sonho catártico, verdadeiro divisor de águas em seu tratamento, que foi torrencialmente interpretado pela hábil psicanalista.
— É uma noite de lua cheia — relatou Marisa. — Estou seguindo um vagalume numa floresta. Chego numa casa branca às margens de um lago rodeado de pinheiros. As janelas estão vedadas por tábuas, mas a porta está destrancada. Eu entro... e logo me vejo num corredor escuro com muitas portas... Tento alcançar a primeira porta, só que o corredor vai se esticando, esticando...
Ela umedeceu os lábios ressequidos. Dentro do peito, o coração se encolhia ao reviver as cenas...
— De repente, a porta surge na minha frente e uma voz cavernosa me chama... Marisa! Fujo assustada para a segunda porta. Ela se escancara e eu entro num quarto com um tanque de cristal translúcido... A porta range atrás de mim e aparece um gato preto. Ele mia... e na mesma hora o tanque se parte em mil pedaços. No meio dos estilhaços, encontro um papelzinho com uma equação insólita... V1² = V2² ± 2 g.h - ∞... O papel cresce nas minhas mãos até se transformar numa porta corrediça...
Marisa interrompeu-se com um calafrio. Não gostava de relembrar aquela parte. A Doutora Spitzer murmurou que era interessante e, sem erguer os olhos do caderninho, instou que ela prosseguisse. Com um suspiro, Marisa obedeceu:
— Foi então que eu soube... Aquela era a fórmula para calcular a velocidade da queda do meu próprio corpo. Ouvi o professor de física me convocar com sua voz cavernosa: Marisa, o experimento vai começar! Entre já no elevador… A porta deslizou para o lado e eu... entrei...
— E depois?
A porta fechou-se de um golpe. Ali dentro estava frio e o ar era uma neblina. Como um Santo Graal envolto num halo de luar, um buquê de antúrios flutuava no meio do elevador. Ela estendeu o braço para pegá-lo e, tão logo suas mãos o tocaram, a luz tremulou. As sombras despregaram-se das paredes, cresceram até o teto e formaram um círculo. Marisa apertou freneticamente o botão para abrir a porta, até ele saltar do encaixe e rolar a seus pés… A escuridão ficou mais profunda. O terror a dominou, desesperou-se. De repente, Sérgio emergiu do anel de sombras. O primeiro impulso de Marisa foi recuar… Então mudou de ideia. Esquecida das sombras e do pavor, levantou os antúrios e deu com eles no ex-namorado.
Quando acordou, tinha destruído o buquê inteiro na cabeça de Sérgio.
A Doutora Spitzer quis saber mais sobre ele. Marisa contou que os dois se conheceram em uma festa e ele parecia perfeito: moreno e alto, expansivo, carinhoso, estudante de administração de empresas. Faziam planos de casar depois que ele se formasse, e a mãe dela o adorava. Até que Marisa o flagrou com a instrutora de mergulho. Foi uma das experiências mais horríveis da sua vida. Sérgio estava passando o fim de semana em um sítio, na despedida de solteiro de um amigo. Voltaria à noitinha no domingo.
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VERMELHO: Uma História de Amor
RomanceProfessor sedutor, tímida aluna: um jogo de gato e rato. O dado rola e muda tudo. Química da paixão. Bombons mágicos. Ao baile gótico, rápido! Esta é a história de amor da estudante de 18 anos Marisa e de seu professor, o brilhante Marco. Pincele t...