Olho do Feiticeiro

12. O PSICÓLOGO

COMPROMISSOS PREVIAMENTE assumidos só permitiram a chegada do doutor Carl Janson, o psicólogo chamado para ser chefe da equipe, na noite de segunda-feira. Durante a viagem, o homem revisou o dossiê mandado pela Escola de Entre Rios sobre Enrique Surrien Morales Júnior, o gênio de Engenharia Mecânica e Aerodinâmica. O garoto tinha só dezessete anos, mas já havia muita coisa para contar sobre sua vida.

Enrique Morales, o pai, era advogado e delegado de polícia. Fora baleado na cabeça durante uma troca de tiros. Na época, Enrique Júnior tinha dois meses de idade.

Estela Surrien, a mãe, era também advogada e possuía situação financeira muito confortável. Não tivera outros relacionamentos após a morte do marido, mas o doutor Janson tinha dúvidas sobre essa informação. Havia fotos anexadas ao dossiê. Tratava-se de uma mulher muito bela, com olhos e cabelos intensamente negros, pele clara e personalidade tão marcante que transparecia até em fotografias.

Ou seja, oficialmente, Enrique Júnior não tivera padrastos. A mãe logo percebeu a inteligência incomum do filho e afastou-o do ensino formal, contratando preceptores para educá-lo. Era uma história que o doutor Janson vira muitas vezes; o resultado costumava ser jovens extensamente preparados, mas socialmente problemáticos. Ali, no entanto, havia uma variação inesperada. Estela Surrien afastara o filho do ensino formal, mas não da convivência com garotos da mesma idade. Enrique Júnior participava de acampamentos de férias, andava de bicicleta nas praças e praticava diversos esportes, incluindo-se os de equipe. Mas ninguém sabia sobre sua inteligência incomum. De acordo com Enrique, a mãe sempre o orientara a não se expor.

Enrique perdera a mãe há cinco anos, quando tinha doze, em um acidente aéreo terrível. O avião com centenas de passageiros caíra no mar durante uma tempestade. Não houvera sobreviventes.

Sem familiares, Enrique fora surpreendido com o testamento da mãe. Ela deixara determinado em qual instituição ele deveria viver até sua maioridade, que tipo de ensino deveria receber e de que forma seus bens seriam geridos. Mesmo ausente, Estela Surrien velava pelo filho.

A instituição escolhida compreendeu que havia recebido um menino gênio para tutelar e cumpriu as orientações do testamento. A ideia era que Enrique permanecesse na instituição até os dezesseis anos, quando alcançaria a primeira maioridade. No entanto, Enrique subverteu os planos de sua mãe. Aos treze anos, suas descobertas em Aerodinâmica já eram notícia mundial, e seus preceptores precisavam se esforçar para afastá-lo da Imprensa. Aos quatorze, Enrique descobriu a magia de rotores de helicóptero silenciosos e se tornou milionário. Aos quinze poderia requerer a maioridade provisória, desde que contasse com um responsável legal. O garoto escolheu uma de suas orientadoras no orfanato, Soraia de Valle, para essa função. Com a aprovação dos órgãos competentes, Soraia de Valle foi considerada responsável pelo jovem Enrique, e ele saiu do orfanato.

Então, mais uma variação.

Seria de se esperar que o rapaz de quinze anos, genial e milionário, decidisse aproveitar tudo o que a vida tinha a oferecer. Mas não. Enrique desapareceu das vistas da Imprensa e foi tratar de sua adorada Aerodinâmica com discrição. Não havia aparições públicas, farras, namoradas, nem mesmo fotos. Aos dezesseis, com a primeira maioridade, Enrique passou a responder por si mesmo, mas Soraia de Valle não foi dispensada. Donasô, como ele chamava Soraia, passou a ocupar o lugar de uma irmã mais velha.

Aos dezessete anos, chegou o momento da educação superior formal. Enrique não se interessou pelos Módulos Especiais, que eram as escolas formadoras de cientistas. Preferiu se dedicar à Engenharia e escolheu a Escola Superior de Entre Rios, a melhor da Terra na área de Exatas.

O dossiê da Escola Superior falava de um rapaz alegre, apreciador de esportes e motos, de convivência agradável, que fazia amigos com facilidade.