Será que ela pode me ouvir?

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O alvoroço na sala de aula era grande, a turma toda estava muito empolgada com a escolha do modelo do que seria o nosso moletom de terceiro ano do ensino médio. Pra falar a verdade eu nunca entendi muito bem a necessidade dessas coisas, mas até que estava sendo divertido ver todos aquelas estampas e cores e ver todo mundo praticamente se matando pra decidir qual deles seria o consenso de todos.

— Hei Alice, já decidiu qual estilo irá escolher? — Camila, minha melhor amiga perguntou, me olhando em expectativa.

— Não sei, talvez o vermelho. — respondi sem a mesma empolgação que ela. Quando ela estava pronta pra retrucar qualquer coisa levamos um susto com o grito da dona Rosana, nossa professora de português e regente da classe.

— Gente, será que é muito difícil prestar atenção em mim só por um segundo? Eu sei que estão todos animados demais pra escolherem o moletom de vocês e eu sou a maior apoiadora de vocês nisso, tanto que eu cedi praticamente toda a minha aula pra que pudessem conversar sobre o assunto, mas agora fazem 5 minutos que estou tentando falar com vocês e ninguém me ouve. Assim fica complicado, né?

Agora todos os meus colegas estavam sentados em seus lugares com os olhos atentos na professora.

— Bom, antes de finalizar a aula eu gostaria de passar um trabalho que valerá 1 ponto na média final do bimestre pra todos que me entregarem até a sexta-feira que antecede o dia das mães.

Como assim? Será que em pleno terceiro ano do ensino médio nós teremos que fazer aquelas homenagens do dia das mães? Droga, não é que eu ache errado que homenageiem as mães, é só que isso não dá pra mim. Eu sinceramente não sei como fazer qualquer  coisa relacionada a isso sem que eu fique mal por dias. Consigo ver o olhar de Camila em mim, certamente ela está pensando no meu desespero.

— Espera, nós  vamos ter que fazer aquelas coisas que fazíamos no primário pro dia das mães? Professora, não vai dizer que vamos ter que fazer um cartãozinho ou um desenho pra mamãe? — Pedro diz o que provavelmente era o pensamento da maioria ali.

— Não exatamente dessa forma, mas acho que entenderam a minha proposta. Na sexta-feira da semana do dia das mães terá o dia de homenagens na escola e eu gostaria que vocês preparassem algo para dizerem pra mãe de cada um, pode ser um poema, um discurso, qualquer coisa. Quem não quiser expor pra todos o que escreveu tudo bem, o importante é abrirem o coração e dizerem o que sentem pela mãe de vocês, então quem não quiser falar no dia da homenagem pode apenas me entregar o trabalho por escrito.

— Não é obrigatório fazer, certo? — Eu pergunto sentindo o meu rosto esquentar.

— Não, só não ganha o ponto extra. Mas eu realmente gostaria muito que vocês fizessem, eu sei que vocês devem estar achando tudo isso uma grande bobagem, eu também já fui adolescente e eu sei como é essa fase. E é exatamente por isso que eu quero tentar fazer com que exponham um pouco  dos sentimentos pela mãe ou qualquer pessoa que exerça esse papel na vida de cada um aqui. Ao menos tentem. — o sinal toca, fazendo com que todos começassem a sair praticamente correndo da sala de aula, inclusive eu. Quando já estava no corredor ainda conseguia ouvir a professora falando que devíamos tentar escrever algo, que nossas mães mereciam o esforço, e eu só sentia vontade de gritar que aquilo era sem sentido pra mim, porque a minha mãe não estaria lá naquela sexta-feira, que a minha mãe jamais poderia ler o que eu escrevesse ou ouvir qualquer coisa que eu tivesse pra dizer a ela.

Sinto as lágrimas querendo inundar o meu rosto enquanto eu me encaminhava até o ponto de ônibus perto do colégio

Depois de alguns minutos chego no ponto de ônibus e me sento no banquinho que havia ali. Tiro minha mochila e decido pegar o meu caderno, quanto antes eu começasse aquilo mais cedo eu me livraria desse mar de sentimentos doloridos que me atingiam agora.

Pego o meu caderno e uma caneta, rasgo um pedaço de papel e começo a escrever as primeiras coisas que veem na minha mente ao pensar na minha mãe.

Olha, eu nem sei como começar isso, mas acho que vou fazer como se você realmente pudesse me ouvir ou ler qualquer coisa que eu possa escrever aqui. Imaginar que você pode saber o que quero te dizer me alivia um pouco e acredito que fará com que isso flua melhor.

Oi Mãe, minha rainha, meu amor, meu tudo. Como eu sinto a tua falta, falta de você me acordando com um abraço tão apertado que quase me sufocava, do seus beijos no meu rosto, do seu colo. Sinto saudade de quando eu me deitava abraçada com você. Eu sempre acabava dormindo, mesmo quando eu não queria, porque eu achava que já estava grande demais pra dormir na cama da mamãe. Mas você sabia que se conseguisse me fazer deitar com você, acabaria conseguindo dormir comigo, porque a senhora sabia que os seus braços eram os únicos que me fariam dormir, mesmo contra a minha vontade. Eu te amo além da vida, como doe não ter mais a minha melhor amiga, a melhor conselheira aqui comigo. Espero anciosamente pelo dia que eu irei te reencontrar lá em cima. Então, nunca te direi adeus, e sim até um dia. Te amo até o céu.

Tá, parei com o drama, eu sei que a senhora não gostaria que eu tomasse o seu posto como a mais dramática da familha.

Eu te amo mãe, você foi o melhor presente que a vida me deu, apesar de toda dor que eu sinto agora eu me sinto grata por ter tido a honra de ter te conhecido e por ter a senhora como minha mãe.

Sabe, você era espírita e acreditava que temos mais vidas depois dessa, eu nunca acreditei muito nisso, mas hoje eu desejo do fundo do meu coração que isso possa ser verdade, porque uma vida de 16 anos com você não foi o suficiente pra mim. Eu preciso de mais vidas tendo o seu colo pra me acolher. Eu preciso de mais vidas sentindo o seu amor.

Eu ainda não sei o que é ser mãe, mas descobri com a minha mãe que é o amor mais puro e incondicional que vamos ter durante toda a nossa existência. Quando eu for mãe e souber exatamente como é sentir esse amor, eu espero ser 1 por cento da mãe maravilhosa que você foi pra mim, de sua filha que te ama muito: Alice.

Vejo o meu ônibus se aproximando, então guardei o meu caderno na mochila, coloquei-a nas costas e fui entrando no automóvel assim que ele parou na minha frente. Antes que as portas se fechassem ainda pude sentir uma brisa leve em meu rosto. Acabei dando um sorriso ao constatar que se alguma forma alguém lá de cima talvez, só talvez, pudesse ouvir o que eu tinha pra dizer, ou saber o que eu estava sentindo. Ainda não sei se acredito que lá do céu a minha mãezinha pode me ver ou ouvir, mas ao sentir essa brisa em meu rosto e uma estranha paz em meu coração eu tive a certeza de que alguém estava comigo. Quem sabe Deus, que eu tinha deixado de acreditar quando tudo aconteceu era quem estava acalentado a minha dor agora.

Por: Vitória Pereira

Contos para se emocionar: porque amor de mãe é infinitoWhere stories live. Discover now