Duas mães

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#PRATODOSVEREM 👁️| capa de cor cinza com sombreamento preto

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#PRATODOSVEREM 👁️| capa de cor cinza com sombreamento preto. À esquerda, duas mulheres, uma mais nova e outra mais velha estão encostadas uma à outra. Estão abraçadas. No canto inferior direito, há lápides de cemitério e árvores quase sem folhas; conto escrito por Nathy Campos

Todos podem nascer, mas nem todos são privilegiados de morrer com sua mãe ao lado pelo menos era isso o que Adela acreditava, um riso fraco estava em seus lábios enquanto aguardava. A jovem costumava dizer que havia sido abençoada, na verdade mais do que isso ela tinha sido uma das escolhidas, não tinha uma mãe, mas sim duas! Sim, ela tinha duas mães.

Duas mulheres que a criaram desde o nascimento, uma agora com setenta e oito anos e outra com quarenta e nove, como ela queria que as circunstancias fossem outras, como ela desejava que pudesse apreciar tomar mais um chazinho com sua "mãe de açúcar" ou ter mais uma discussão com sua mãe "neurótica".

Sente a lágrima escorrer por seus olhos, mas ela sabia que não tinha aquele tempo seu pulmão já não tinha mais força, já não conseguia nem ao menos segurar a mão da mulher de olhos fundos e avermelhados que permaneceu ao seu lado dia após dia enquanto se deteriorava.

Também não conseguia mais abrir sua boca para dizer para a senhora de cabeços grisalhos que segurava o terço beijando minha testa o quanto ela o amava, talvez se existisse uma nova vida Adela pudesse reencontra-las, afinal dizem que almas destinadas a se amarem sempre se reencontram e ela sabia que o amor dela nunca havia sido de um homem e sim havia pertencido aquelas duas mulheres.

Sabia que em um breve momento veria a vida se esvair, deveria estar preparada, mas o filme sempre retornava, era como se pudesse sentir o cheiro do bolo de fubá da mamãe de açúcar, era como se revivesse cada minuto bom que viveu em Florianópolis quando tinha cinco anos com suas mães. Foram sete dias mágicos, seu primeiro contato com o mar, seu primeiro contato com a areia, elas estavam lá, as duas seguravam sua mão não permitiam que nada de mal acontecesse com ela, como poderiam? Sempre repetiam que Adela era o maior bem que possuíam e elas não mentiam.

A dor era sufocante, o câncer a matava dia após dia, Eleonor quando ouviu o diagnóstico da neta sentiu o seu mundo ruir, viu uma jovem saudável de vinte e três anos se transformar em garota com menos de quarenta quilos, o desespero que ela e Alice viveram foram os piores que podiam imaginar. Nunca havia passado pela mente das duas perder Adela para uma doença como o câncer muito menos em um período de tempo tão curto, quando os médicos ligaram dizendo que Adela não passaria daquela noite seu coração parou, amou aquela menina como amou sua filha, ela era sua filha e ninguém lhe negaria aquilo.

Havia criado Adela quando sua filha a deixou na infância, o vício nas drogas havia levado sua filha por três anos e sua neta tinha sido o seu maior presento, era tudo o que mais amava na vida, quando Alice retornou pedindo ajuda para tratar o vício e ter a chance de ter uma família não pode recusar, foram anos de reabilitação, mas teve sua filha de volta e agora a via perdendo sua fortaleza.

Alice sabia que o câncer um dia levaria de sua vida, mas esperou até aquele momento por um milagre, queria gritar, queria bater em alguém, queria jogar suas crenças para o alto não estava preparada para deixa-la partir e nunca estaria, queria que em um passe de mágica sua filha olhasse para ela com aquele olhos castanhos claros e brilhantes e sorrisse de forma terna lhe dizendo "mãe eu estou curada", mas lhe agoniava saber que aquilo nunca aconteceria, porque estava condenada.

A dor de ter sido falha, de ter a abandonado quando nasceu e por três anos de sua vida para viver uma vida em meio as drogas e prostituição corroía sua alma, mas sua filha quando cresceu e entendeu a perdoou ou pelo menos foi compreensiva o suficiente para não a julgar, era um vício que ela lutou anos para sair e Adela em sua infância viu muitas de suas crises de abstinência e recaída.

Aperta a mão de sua mãe ao lado a mulher que tinha ali secando as lágrimas fazendo carinho no cabelo de sua filha tinha sido forte o suficiente para cuidar dela quando tinha suas overdoses pelas recaídas e de sua filha quando precisava de carinho. Não era injusto quando Adela a chamava de mãe, sabia que ela tinha conquistado aquele direito por cuidar de cada febre enquanto ela esteve embaixo da ponte vendendo o próprio corpo para conseguir uma pedra de crack.

Não conseguia evitar chorar, a primeira vez que viajaram juntas as três para Florianópolis nunca tinha visto a filha tão feliz quanto naquele dia, sua mãe estava radiante em ter suas "duas filhas" juntas. Alice engolia o desespero, seu vício tinha retirado dela boa parte das memórias boas, mas Adela nunca a julgou, pelo contrário tentou a ajudar e sua mãe sempre a acompanhando nas reuniões de narcóticos anônimos, era irônico ver que sua filha assumiu o papel que era dela, assumiu um papel de mãe.

Eleonor olhava para a filha, mas logo desvia-se para a jovem via a respiração da neta ficar cada vez mais lenta seus olhos já não tinham o mesmo brilho, o desespero era mais forte do que qualquer coisa, coloca seu rosto cansado da idade contra a testa da menina que sorri ao sentir sua amada mãe de açúcar ali. O coração de Eleonor estava partido, ela sabia que não seria capaz de suportar a perda de Adela, daquela criança que criou desde a saída da maternidade que mesmo com as dificuldades nunca deixou faltar nada para ela.

Como poderia esquecer? Como poderia perder a melhor professora que teve? A sua paciência quando a ensinou ler as primeiras palavras, sua neta a ajudou aprender escrever quando ela nunca teve a oportunidade de pisar em uma escola, a lembrança das duas chorando quando ela terminou a leitura do primeiro livro infantil ainda era viva em sua memória. Suas lágrimas caiam e Adela não era diferente, sua mente ainda não estava no mais repleto vazio e seus olhos deixavam escorrer a água salgada, segurando a mão de Alice já sem tanta força.

Sua hora estava chegando, ela sentia isso, fechando os olhos, ela apenas agradecia por ter tido a oportunidade de ter tido duas mães: uma avó que foi sua mãe desde que saiu do hospital e uma mãe que se redimiu de seus erros e tentou acertar seus erros até o último momento em que ela viveu e no fim conseguiu. Ela amava a ambas, Adela sabia que o ser humano era falho por natureza, não podia guardar rancor de Alice e levaria com ela todo cuidado carinho e cuidado que a dedicou nos últimos dias de vida e as lembranças dos nos momentos bons que passaram juntas.

Sua mãe Eleonor? Queria poder falar para ela o quanto a amava e que nem mesmo a morte seria capaz de quebrar aquele amor, nunca esqueceria seus doces, seus bolos, as noites que sua avó foi dormir sem comer para que ela não passasse fome. Ela a amava e seria capaz de dar sua vida por aquela mulher, mas não teria a chance de retribuir nada do que lhe foi feito o destino tinha sido traiçoeiro e tirou dela a chance de dar para sua família uma vida melhor, mas queria acreditar que havia um propósito.

A respiração de Adela começa a ser dificultada, Alice se desespera saindo do quarto atrás do médico, Eleonor segura a mão da neta beijando seu rosto, olhando por uma última vez seus olhos abertos e uma tentativa de sorriso como se dissesse para a avó que ficaria bem, afinal a dor estava chegando ao fim.

Sim a morte era certa, mas o desespero das duas mães também, Eleonor não conseguia acreditar que tinha enterrado a pessoa que mais amou na vida o abatimento era visível, Alice abraçava a mãe, agora eram apenas elas encarando a lápide de Adela sua foto era de uma jovem de vinte e três anos sorridente. Fechando os olhos sentiam a chuva cair a representação perfeita dos sentimentos delas, Eleanor ainda ouvia sua voz infantil "mamãe de açúcar eu te amo, promete nunca me abandonar", "me deixa dormir com a senhora ta chovendo", a senhora não aguenta caindo de joelhos chorando, Alice se ajoelha ao lado da mãe a abraçando pelos ombros, o mundo das duas mãe tinha acabado.

Por: Natalia

Contos para se emocionar: porque amor de mãe é infinitoOnde histórias criam vida. Descubra agora