Capítulo Um - Parte I

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Quando Amélia abriu seus olhos, notou se encontrava numa sala na qual ela não tinha ideia de como chegara. Tudo era muito claro, luminoso e alvo, como se estivesse dentro de uma caixa vazia e branca. Seu olhar correu em volta à procura de uma saída. Antes que o desespero tomasse espaço, pelo canto do olho ela avistou uma pequena silhueta. No fundo da sala, seus olhos pousaram sobre uma garotinha que estava de costas, encarando a longa e interminável parede lisa. Ela tinha uma pele quase cadavérica, tão pálida que se misturava na tonalidade nevada da parede, sozinha ela cochichava...

Amélia acordou com um soluço de susto. Com o movimento brusco, uma vertigem assombrou sua cabeça.

Onde estava?

O olhar ainda turvo se recusava focar em algo.

Esfregou os olhos, na esperança de enxergar melhor e encontrou um teto baixo de madeira velha, corroída pelo tempo. Levantou-se rapidamente, sobressaltada, sem calcular a distância da madeira e da cama, e no segundo seguinte ouviu-se o baque contra a parte baixa do teto.

– Maldição – rosnou cobrindo a testa com a mão.

Já despertada, olhou confusa para aquilo que se repousava. Um colchão de pano surrado cheio de palhas douradas, entretanto a manta que a cobria era doce, uma lã pura de azul safira tal como aquelas que vinham do Leste. Suas pernas caíram à borda da cama e os pés encontraram o assoalho frio do chão. Outra vertigem surgiu, mas Amélia pensou que essa viera graças à pancada na cabeça. Se debruçou sobre seu colo com o mal-estar, questionando se era outro sonho, porque não estava na sua cama nem no seu quarto, estava num caixote velho de feno, talvez numa cabana.

Um murmúrio saltou no ar, algo como uma cantiga. Ela reergueu-se ligeiramente e avistou repentinamente uma mulher, que cortava legumes em cima de uma bancada de costas para ela. Não pudera ver seu rosto apenas os longos e escorridos cabelos loiros esbranquiçados, duas mechas se estendiam presas na nuca por uma presilha azul também safira.

– Quem é você? – Questionou assustada, tentou se levantar e notou não ter firmeza nos pés, ao reparar neles viu ataduras que cobriam feridas na pele avermelhada, como se estivessem em carne viva.

– Boa tarde, bela adormecida – a mulher disse numa voz harmoniosa quando os olhares se cruzaram por cima de seu ombro. Em seu rosto ela já havia marcas de idade. Sobre os ombros carregava uma echarpe azul, vibrante, que destacava o seu olhar, o mesmo que fitava Amélia com certa alegria. Ela girou nos calcanhares mostrando uma tigela de madeira e na outra mão uma faca afiada.

Amélia sentiu suas pernas vacilarem vendo-a seguir na sua direção. O alivio veio na mesma intensidade quando a senhora parou no meio do caminho, diante de uma braseira, onde um caldeirão esquentava. Ali, depositou cenouras picadas dentro da mistura fervente.

A faca foi arremessada com certa delicadeza para a direção do balcão provocando um ruído metálico. Em seguida com a mão livre, a mulher apanhou a grande colher no caldeirão mexendo o conteúdo.

Era uma bruxa?

Amélia percebeu que ao pé da cama encontrava-se um recipiente de madeira, onde viu um pano encardido com manchas vermelhas. Era sangue. E não precisava de esforços para saber que era dela.

– Acácia Mirella Vilhelm. Mas você poderá me chamar de Cirelli.

– Era você que me observava ontem – concluiu a jovem. Cirelli lançou um olhar condizente, sem nada a acrescentar. – Você me assustou.

– Notei pelo modo que desmaiou.

– Estava demasiada cansada – Amélia replicou sem jeito. Cirelli continuava a mexer na grande colher de pau no caldeirão.

Ceres - Você sabe quem é o Inimigo [LIVRO 1 - COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora