A ƑILHA ƊO ƑOƓO - A MALƊIƇ̧Ã...

De HadassaOlv

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♦️ Eleita uma das "MELHORES HISTÓRIAS DE 2020" pelo perfil dos AmbassadorsPT ♦️ ▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼ Até... Mais

✥ㅡ CINZAS DAS CHAMAS ㅡ✥
✥ㅡ DESAFIOS ARRUINADOS ㅡ✥
✥ㅡ SONHOS QUEBRADOS ㅡ✥
✥ㅡ PESADELOS ㅡ✥
✥ㅡ MEDO FURIOSO ㅡ✥
✥ㅡ PROMESSAS ㅡ✥
✥ㅡ DIA ESCURO ㅡ✥
✥ㅡ A PRIMAVERA ㅡ✥
✥ㅡ ESCOLHAS ㅡ✥
✥ㅡ A KANAE ㅡ✥
✥ㅡ FÚRIA DE FOGO ㅡ✥
✥ㅡ LIGAÇÕES ㅡ✥
✥ㅡ O TREINAMENTO ㅡ✥
✥ㅡ O SONHO ㅡ✥
✥ㅡ A BRUXA ㅡ✥
✥ㅡ DESCOBERTAS ㅡ✥
✥ㅡ PENSAMENTOS ROUBADOS ㅡ✥
✥ㅡ A MISSÃO ㅡ✥
✥ㅡ FALHAS ㅡ✥
✥ㅡ O ATAQUE ㅡ✥
✥ㅡ A BARREIRA ㅡ✥
✥ㅡ O TRATADO ㅡ✥
✥ㅡ A VISÃO ㅡ✥
✥ㅡ O PARCEIRO ㅡ✥
✥ㅡ TREINOS ㅡ✥
✥ㅡ O LIVRO ㅡ✥
✥ㅡ O JANTAR ㅡ✥
✥ㅡ DESTRUIÇÃO ㅡ✥
✥ㅡ Capítulo Extra ㅡ✥
✥ㅡ A PISTA ㅡ✥
✥ㅡ O ESCONDERIJO ㅡ✥
✥ㅡ Capítulo Extra 2 ㅡ✥
✥ㅡ ARMADILHA ㅡ✥
✥ㅡ AMEAÇA SOMBRIA ㅡ✥
✥ㅡ INVISÍVEL ㅡ✥
✥ㅡ RUNAS SAGRADAS ㅡ✥
✥ㅡ O POÇO ㅡ✥
✥ㅡ O HOMEM ㅡ✥
✥ㅡ A MALDIÇÃO ㅡ✥
✥ㅡ REVELAÇÃO ㅡ✥
✥ㅡ UM PASSO ㅡ✥
✥ㅡ O CAMINHO ㅡ✥
✥ㅡ CORAÇÃO ABERTO ㅡ✥
✥ㅡ O PLANO ㅡ✥
✥ㅡ A AURAㅡ✥
✥ㅡ AS FERAS ㅡ✥
✥ㅡ A TEMPESTADE ㅡ✥
✥ㅡ O TEMPLO ㅡ✥
✥ㅡ O TRAÇO ㅡ✥
✥ㅡ SEM VOLTA ㅡ✥
✥ㅡ A FILHA ㅡ✥
✥ㅡ A CHAVE ㅡ✥
✥ㅡ A VERDADE ㅡ✥
✥ㅡ MENTIRAS ㅡ✥
✥ㅡ O TRAIDOR ㅡ✥
✥ㅡ A FÊNIX ㅡ✥
✥ㅡ EPÍLOGO ㅡ✥
Agradecimentos + Aviso

✥ㅡ PRISÃO SILENCIOSA ㅡ✥

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De HadassaOlv

✥ · ✥ · ✥

   A realidade parece mudar em questões de milésimos.

   Há apenas um mísero segundo, estava chamando minha magia para fortalecer a barreira que Korian segurava ao nosso redor. O fogo consumia minhas veias, mas de alguma forma não conseguia conjurá-lo por completo. Algo estava me barrando, como um enorme escudo rebatendo meu ataque.

   E agora... Korian foi atingido.

   Um grito silencioso escapa da minha boca quando vejo-o cair no chão, o braço atingido inerte ao seu lado. A barreira sumiu, e agora estamos todos cercados de inimigos.

   Encaro Lena, que parece em choque. Os guardas tentam a todo vapor reerguer as barreiras, principalmente depois que ouviram Korian soltar um gemido doloroso e sofrido.

   Uma flecha atinge de raspão minha coxa, me fazendo estremecer e rolar para o outro lado. Para Korian, que tem os olhos fechados fortemente e suor já se espalhando por seu corpo inteiro. Não sei como, mas sua pele adotou um tom esverdeado nada normal.

   Ele tenta erguer o braço erguido, mas não consegue. Um chiado de magia sai de sua mão, mas não se concretiza. O mesmo escudo que me prende também o segura para que não ataque quem quer que queira nos matar agora.

   Uma flecha passa zumbindo por meu ouvido, me fazendo encolher contra Korian.

   Chacoalho seu corpo, tentando fazê-lo abrir os olhos. Mas ele não consegue. A flecha ainda continua perfeitamente enfiada em seu braço, e se nela realmente existe o veneno que ele mencionou, o estrago deve estar sendo bem grave. Até mesmo minha coxa lateja dolorosamente desde que a lâmina passou raspando minha carne.

   ㅡ Asterin! ㅡ Lena grita, e nem tenho tempo de ficar surpresa quando vejo a magia rodopiando para fora de seus dedos quando tenta ajudar os guardas. ㅡ Use seu poder. Proteja-o! Se o pegarem, estamos mortos!

   E não estaremos de qualquer maneira?

   Tento transmitir para Lena que não consigo. Ainda não possuo tal controle contra meu próprio poder ao ponto de obrigá-lo a se tornar uma grande barreira ao nosso redor.

   Mas Korian me disse que, se não aprendesse a controlar, ele me controlaria. E me queimaria viva.

   Olho para o rosto dele, ficando ligeiramente apavorada ao ver a cor sumindo de seus lábios e sua respiração ficando cada vez menos superficial.

   Minhas mãos tremem tanto que mal consigo impedir de balançar a flecha enfiada no corpo dele quando agarro seu cabo, puxando-o suavemente de sua pele dourada.

   Ao nosso redor, Lena e os guardas criam barreiras improvisadas e fracas que, ao menos, nos protegem do ataque.

   Korian geme quando puxo a flecha mais um pouco, mas não acorda. Seus olhos vidrados e verdes-opaco rolam atrás de suas pálpebras fechadas, e seu corpo convulsiona levemente. Ele está morrendo. Sofrendo. Por Taryan, o que eu devo fazer?

    Uma nova chuva de flechas despontam das árvores, diretamente miradas para nós. Olho para cima, para o céu, mirando aquela imensa vastidão de luz azul e as nuvens cruzando sua beleza, silenciosamente implorando que alguém nos ajude.

   Um grito forte irrompe de minha boca quando uma flecha envenenada me acerta em cheio no tornozelo direito.

   Tombo no chão como uma rocha, soltando a flecha presa em Korian. Ele geme mais uma vez, o rosto contorcendo em agonia.

   Uma queimação grave se espalha por minha perna, seguindo a outra rapidamente e subindo até alcançar meu peito e rosto. Sinto como se um fogo imenso e poderoso queimasse minhas entranhas por dentro, arrancando todas as esperanças de que eu consiga me salvar. O veneno me atinge em cheio, agonizando meus membros em dores violentas. A grama parece perfurar minha pele quando rolo sobre ela, agarrando minha própria barriga em um esforço sem sentido de tentar arrancar aquilo de mim.

   Dor cruza meu peito quando o veneno parece chegar em meu coração, agarrando-o e torcendo em suas mãos poderosas até esmagá-lo ao nada.

   Mas as flechas pararam.

   Korian está imóvel ao meu lado. Não consigo levantar a cabeça tempo suficiente para verificar se está respirando. Minha própria respiração é curta e ofegante.

   Vejo uma sombra escura aparecendo por entre as árvores, se movendo silenciosamente em nossa direção. Suas vestes totalmente pretas ㅡ contrastando com seu cabelo igualmente escuro e feições que parecem ter sido marcadas em pedra ㅡ se destacam ao redor da folhagem esverdeada, contribuindo para o sentimento de medo e insuficiência que cobre meu corpo.

   O homem se aproxima, os passos perfeitamente calculados. Cercando. Inibindo poderes.

   Sinto a aura de magia passando de seu corpo para o meu, deixando marcas. Cicatrizes. Ele não sorri ou demonstra qualquer emoção. Mas apenas aquele olhar de morte, promessas e desafios é o suficiente para me fazer estremecer.

   Fecho os olhos e solto um grito estrangulado quando outra onda de dor esmaga meu corpo. Ele parece estar perfeitamente calmo enquanto levanta a mão e lentamente a gira no ar, arrastando a flecha por minha perna.

   Gritos se derramam de mim, um mais forte do que o outro conforme esse homem penetra e retira a flecha em um jogo maquiavélico. E continua andando. Se aproximando. O poder escuro e proibido ao seu redor me fazendo chorar em cima da grama, o que só piora quando vejo Lena igualmente ferida se contorcendo em agonia no chão. Os guardas de Korian estão na mesma situação.

   O homem, por fim, chega até nós. Sua magnitude poderosa se ergue sobre meu corpo em uma explosão de sombras e escuridão. Sem qualquer emoção, ele deixa a mão pender ao lado do corpo, soltando também o peso da flecha enfiada em minha perna. Ele avalia Korian pensativamente, a cabeça inclinada para o lado.

   ㅡ Parece que peguei você em sua própria armadilha, Korian. ㅡ ronrona o homem sombrio, que abre um pequeno sorriso.

   Korian parece paralisado por um momento, mas logo tentar fazer um ligeiro movimento para o lado. Tentando fugir dele, percebo. Ele também tem medo do homem misterioso? Minha cabeça pende na grama, exausta, enquanto absorvo a realidade nada animadora.

   ㅡ Você não vai vencer, Dakar. ㅡ Lena grita, e quando ergo a cabeça o suficiente para vê-la, encontro uma flecha atravessada em sua barriga. Enfiada até a metade. ㅡ Ela não vai desistir tão fácil, e todos nós lutaremos para que você jamais tome seus poderes.

   Uma risada rouca sai da boca dele no momento em que meus olhos se arregalam. Ele é Dakar?
 
   ㅡ Uma ameaça perigosa para quem tem sua vida na palma da mão, Inferior. ㅡ Ele responde, a voz envolta em perigo mal disfarçado.

   ㅡ Asterin ㅡ Lena chama, a voz fraca e ofegante. Encontro seus olhos, sentindo seu abraço invisível quando ela sorri levemente. ㅡ Não dê a ele o que ele quer, minha querida. Nunca. Seja forte, sim? Eu sempre soube quem era você e quem se tornaria. E agora chegou a hora de mostrar ao mundo a rainha poderosa que é você.

   ㅡ Rainha? ㅡ repito, vendo um sorriso satisfeito surgir no rosto dele enquanto Lena balança a cabeça afirmativamente. ㅡ O que é isso, Lena? Que rainha é essa?

   ㅡ Uma humana tão tola assim. Não me surpreende que jamais tenha percebido. ㅡ Dakar diz, um sorriso mau em seu rosto petrificado.

   ㅡ Percebido o quê?
 
   Minha voz sai fraca e com um grito de dor no final, pois Dakar usou sua magia poderosa para enfiar ainda mais a flecha em minha perna. Sangue jorra do ferimento, caindo na grama abaixo de mim. Dakar desce em um joelho ao meu lado, propositalmente apoiando o seu peso no braço ferido de Korian, que grita de dor.

   A mão do homem agarra meu rosto, virando-o para ele. Suas sobrancelhas se erguem com o que quer que esteja vendo em mim.

   ㅡ Bem, bem. Eu irei me divertir com esta aqui. ㅡ Ele estala os dedos, e um casal que eu não vi até agora surgem por detrás dele. ㅡ Levem os dois. Deixe a mulher e os guardas inúteis. Vão morrer de qualquer forma.

   Dakar se levanta, a graciosidade perigosa de seus movimentos despertando meus sentidos.

   Quando ele se vai, sumindo no ar de uma forma altamente mágica, o casal se aproxima.

   Meus olhos se arregalam quando os reconheço.

   Deamir e Malina. O mesmo casal que eu observava há semanas atrás conversando no bar. O mesmo homem que me aprisionou ao chão com seu poder até o momento em que Korian nos encontrou e fez com que os dois sumissem misteriosamente.

   O rosto do homem demonstra apenas uma pequena emoção. Um dos lados de sua boca repuxou em repulsa quando me viu contorcendo no chão. Mas a mulher...

   Ela silenciosamente chora.

   Seus olhos intensos e azuis brilham com as lágrimas que os enchem, tentando fortemente suprir a emoção enquanto, com delicadeza, segura minha perna com força enquanto Deamir e abaixa ao meu lado.

   Tenho apenas dois segundos de preocupação antes que ele agarre o cabo da flecha e a retire por completo, arrancando um grito abafado de mim.

   As lágrimas escorrem pelo meu rosto, furiosas. Malina ainda segura minhas pernas quietas enquanto Deamir, com a mandíbula trincada, retira um lenço do bolso e estala os dedos, fazendo um balde com água surgir ao seu lado.

   ㅡ Não. ㅡ solto um gemido quando o vejo encharcar o pano dentro do balde.

   Ele olha para meu rosto uma vez, franzindo a testa, mas apoia o papel diretamente no buraco exposto em minha perna.

   Um grito irrompe de minha boca, forte como um trovão.

   Meu corpo contorce sem sentido, dobrando para os lados, contidos apenas pelas mãos fortes e ao mesmo tempo delicadas de Malina.

   Lágrimas silenciosas descem pelo rosto dela, me fazendo ficar muito confusa. Por Taryan, quem são eles? Por que todo esse sofrimento ao me verem chorar?
 
   Fico inerte, o corpo fraco demais para conseguir reagir ao ataque daquele pano.

   Deamir pressiona a ferida profunda com força, os dedos fortes se movendo sobre minha perna, limpando todo o ferimento. Por fim, quando acaba com a tortura com água, aplica uma pomada esverdeada bem em cima da ferida e enrola outro pano seco ao redor, dando um nó forte. Para estancar o sangue.

   Solto um gemido fraco quando Malina solta minha perna e se move para meu rosto, segurando-o e virando-o em sua direção. Quando olha para trás, na direção em que Dakar sumiu, sussurra rapidamente para mim:
 
   ㅡ Escute bem, minha rainha. Só poderei dizer isso uma vez. Chame o fogo quando estiver em perigo. Ele vai ajudar você.

   E se cala, sorrindo levemente. Um olhar fraco para Deamir me mostra sua expressão fria, mas em um pequeno movimento de sua cabeça, percebo que faz uma reverência para mim. Uma reverência? Por que ela me chamou de minha rainha?

   Tento falar, emitir qualquer som, mas apenas um chiado sai quando ela agarra meu pescoço por trás e me puxa sentada.

   A ânsia vem tão forte e rápida que mal tenho tempo de virar a cabeça antes de despejar o almoço inteiro na grama verde e limpa.

   Malina tira meus cabelos do rosto, a dor perfurando minha perna quando acidentalmente a ferida encosta na terra.

   Quando o vômito cessa, viro a cabeça para Korian, vendo que ele despertou momentaneamente e tem os olhos vidrados fixos em mim. Ele murmura alguma coisa, o braço jorrando sangue, mas logo volta a deixar a cabeça cair. Desacordado novamente.

   Malina me ergue, os braços abraçando minha cintura e me puxando para cima com confiança.

   ㅡ Se não pularmos para o esconderijo agora mesmo, Dakar não nos deixará entrar. ㅡ Deamir diz, girando quando a mulher concorda.

   Tento olhar para trás quando Malina segue os dois homens à frente, tentando apenas ter um vislumbre de Lena.

   Ela está ajoelhada ㅡ quase caindo no chão ㅡ quando encontro seus olhos. Um sorriso calmo está em seus lábios, me dando uma segurança que antes não existia. Com a mão que não pressiona o ferimento, ela fecha o punho e o bate em seu peito. E seus lábios murmuram a mesma palavra que Malina disse há alguns momentos.

   Minha rainha.

✥ · ✥ · ✥

   Fomos trancafiados em uma cela imunda.

   Conto os dias através da mudança de luz que vem de um pequeno buraco alto na parede oposta da que possui as grades. Faço isso o dia inteiro, todos os dias.

   Luz clareia. Manhã. Luz some. Noite.

   A exaustão pesa em meus ombros como uma enorme mochila pesada, me deixando tão fraca que nem mesmo consigo conjurar meu poder para derreter essas algemas. Na cela ao lado, divididas apenas por um pequeno quadrado aberto que me permite ter pequenas conversas, está Korian. Ele passou a viagem inteira desacordado, mesmo quando tivemos que pular sobre ravinas e sobrevoar um bom pedaço de Taryan. A dor me esfaqueava tão forte que mal conseguia manter meus olhos abertos durante o trajeto.

   Malina e Deamir nada falaram enquanto nos deixavam deitados em nossas respectivas selas, construídas há varios quilômetros abaixo da terra. Porém, em certo momento durante a viagem, enfiaram um saco preto em nossas cabeças, deixando um espaço apenas para que não morrêssemos sufocados. De toda forma, não sei onde viemos parar. Muito menos Korian, que parece estar pior a cada dia.

   A prisão está silenciosa. Sem guardas, sem monitoramento. Pelo menos eu acho que não. Conhecendo essas pessoas, devem estar usando magia para nos prenderem aqui.

   Korian parece ter despertado de sua coma que acontece todos os dias. Primeiro ele vomita, depois desmaia novamente, e depois acorda. E faz tudo isso de novo. Agora, porém, ele parece estar ao menos um pouco melhor. Depois que Dakar sentiu a morte chegando para Korian, mandou duas mulheres com pequenos medicamentos em frascos para curar o príncipe preso ao meu lado. Desde então, não há mais vômitos.

   Ele, no entanto, parece estar cada vez mais acostumado com a ideia da morte. Por isso, várias vezes ao dia, mesmo que ele não me escute, começo a cantar com a voz grossa e rouca de quem passou o dia sem beber água. A linda canção de ninar que Lena me ensinou há tantos anos cai bem agora. Sinto que posso acalmar mais alguém. Até a mim mesma. Assim, não há tantos pesadelos.

   Korian está acordado e calado nesse momento. Ouço sua respiração ofegante e dolorida enquanto massageio suavemente ao redor do pano enrolado em meu tornozelo. A ferida não infeccionou, mas a dor não abrandou.

   Mesmo que tenham se passado dezesseis longos dias.

   ㅡ Como você acha que é depois da morte? ㅡ pergunto baixinho para Korian, já que o senti silenciosamente se movendo pela sua cela minúscula até se encostar na parede que nos divide, obviamente precisando de uma conversa.

   Ele passa uns instantes sem responder. Mas quando o faz, sua voz soa cascuda.

   ㅡ Acho que eu não quero morrer agora para descobrir. Alguns dizem que é um paraíso após a morte, mas eu duvido.

   ㅡ Você já desejou?

   É uma pergunta cuidadosa que eu jamais ousei perguntar. Mas Korian não parece se importar quando responde:

   ㅡ Não. Eu particularmente gosto de viver. É algo bastante difícil de se fazer, eu sei, mas é bom. Mesmo assim, enquanto eu estiver vivo, posso cuidar das minhas pessoas.

   ㅡ Suas pessoas?

   ㅡ Meu povo. Eles merecem viver eternamente, e como seu soberano, estou disposto a dar minha vida para que isso aconteça. Sabe, desde que Taryan existiu, muitas cidades dentro dos reinos foram devastadas e outras ali foram construídas. A magia mudou conforme os anos passavam; se tornando mais poderosa. Nisso os governadores usaram seus poderes para criar uma onda de extermínio que matou milhares de pessoas. E destruiu o único lugar onde elas poderiam se sentir realmente seguras.

   ㅡ Sua casa.

   ㅡ Sim. ㅡ Ele tosse uma vez. ㅡ De alguma forma, e eu não sei como, meu reino jamais foi invadido. Fanillen existe desde que as divisões foram criadas, e cada soberano antepassado foi marcado por sua sabedoria em jamais permitir que as armadas de Dakar penetrassem nossas proteções.

   ㅡ Você acha que estamos no Reino Drysand, não é? ㅡ pergunto, já sabendo a resposta.

   ㅡ Eu não acho. Eu sei que estamos. Tenho sentido o cheiro da morte desde que pisei nessa cela. Nenhum outro reino possui isso.

   ㅡ Entendo. Se Dakar ou... qualquer outro soberano de Taryan quisessem lutar contra Fanillen... venceriam?

   Posso imaginá-lo dando de ombros.

   ㅡ Não faço a menor ideia. Ele é astuto. Sabe dar suas jogadas muito bem.

    ㅡ Você também é, mas mesmo assim caiu em sua armadilha.

   Um soco poderoso se choca contra a parede que nos divide. Fecho os olhos, já imaginando que ele faria isso.

   ㅡ Ele nos aprisionou. Sim, foi uma armadilha, e você me avisou sobre isso, e eu não ouvi. Coloquei meu povo em perigo. Coloquei você em perigo. E não é como se...

   ㅡ O que disse? ㅡ pergunto, pensando ter ouvido errado. ㅡ Você me colocou em perigo? Eu que implorei para vir, não lembra?

   ㅡ Sim, mas eu devia ter proibido. Agora todos nós estamos envolvidos nessa merda.

   Abraço os joelhos, acariciando o pano esfolado e sujo envolvendo meu tornozelo enquanto penso nas próximas palavras que podem tirar Korian daquele pesadelo.

   ㅡ Com o que você sonha todas as noites? ㅡ pergunto, baixinho.

   Ele não responde imediatamente.

   Sua voz está carregada de uma emoção que eu jamais imaginaria ouvir.

   ㅡ Que estou preso exatamente como agora. Você é uma humana, mas tem poderes. E deve ter percebido que não consegue senti-lo quando estamos aqui dentro.

   Balanço a cabeça, respondendo rapidamente quando lembro que ele não pode me ver.

   ㅡ Sim, eu percebi. São as algemas?

   ㅡ Sim. É um feitiço bastante complexo que te dá a sensação de ser um Nada.

   ㅡ Um Nada? O que é isso?
 
   ㅡ É ser alguém que nasceu sem quaisquer poderes. Porém, não são humanos. Possuem as mesmas características de um deus, menos na parte dos poderes. É como eles querem que nos sintamos. Expostos, vulneráveis e fracos. Dakar tem um exército de bruxas apenas para que elas façam esse tipo de coisa.

   ㅡ Exército? As bruxas de Amelin também fazem parte?

   ㅡ Não. São o único clã que jamais entrou para o reino de Dakar.

   Balanço a cabeça, emitindo um grunhido de concordância. A voz de Korian ficou mais pesada conforme o tempo ia passando, e nessa última frase percebi que ele estava prestes a deslizar para o sono profundo.

   Observo o pequeno buraco acima de mim, vendo a luz lentamente se apagar. Anoitecendo.

   ㅡ Asterin? ㅡ a voz dele corta o silêncio.

   Fecho os olhos.

   ㅡ Sim?

   ㅡ Eu conheço a música que você canta todas as noites. Eu te escuto todos os dias. Minha mãe cantava para mim quando era pequeno e tinha pesadelos.

   ㅡ Sua mãe? ㅡ minha testa franze quando lembro de Lena. Ela cantava essa canção de ninar para mim todas as noites depois que comecei a acordar gritando e agarrando a garganta de quem se aproximava de mim.

   Korian parece mais leve e relaxado quando diz:

   ㅡ Sim. Minha mãe. Depois de ter sido aprisionada, assim como eu estou. A voz dela era suave e baixa, parecida com a sua. É isso que está me impedindo de... enlouquecer.

   Um pequeno sorriso brota em meu rosto, e em meu peito um brilho de alegria começa a surgir.

   ㅡ Oh, não acredito. O tão poderoso semideus de Taryan está dizendo que se diverte às custas de uma humana? Isso é tão deprimente.

   A alegria se estabelece quando ouço a risada rouca e fraca de Korian.

   ㅡ Realmente. Meus pais devem estar se revirando nos túmulos.

   Uma risadinha irrompe de mim, me deixando cada vez mais determinada a acabar com aquela melancolia em sua voz.

   ㅡ Isso não é tão ruim, considerando que você está sob os efeitos de um veneno poderoso como diz ser.

   ㅡ É poderoso. O mais poderoso. Causa alucinações, o que deve explicar o porquê estou implorando para uma humana inútil cantar uma música de ninar para mim.

   Nós dois rimos, a dor esfaqueando meu lado com o esforço.

   ㅡ Eu ficaria mais do que feliz em te ninar, príncipe. Permita-me lhe causar uma dor de cabeça maior do que já está.

   ㅡ Vá em frente. Me surpreenda.

   Sorrindo, começo a cantarolar baixinho. Aos poucos, a música nos envolve e meu corpo começa a relaxar levemente. Consigo até esquecer do piso úmido e escorregadio que me abriga, e os perigos onde nos encontramos. Ao cantar, sou levada para um espaço onde tudo é apenas dissolvido em amor e carinho.

   Fecho os olhos, abrindo-os novamente quando a voz baixa e sonolenta de Korian junta-se à minha, sem perder a emoção da letra. Nós dois murmuramos a canção inteira, ambos lutando contra o sono. Por fim, ao acabar a música, começo a adormecer. Mas não antes de ouvir Korian sussurrando:
 
   ㅡ Eu não estou alucinando.

✥ · ✥ · ✥

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