✥ㅡ O HOMEM ㅡ✥

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   Não sonhei. Parecia ser impossível.

   Todas as noites, ao retornar da biblioteca, implorava a quem quer que fosse o responsável por liberar nossas lembranças para me permitir sonhar com o homem de olhos azuis. Afinal, se eu realmente conseguisse, daria certo para meus outros desejos.

   Mas nada acontecia. Minhas noites de sono eram povoadas por pesadelos sem parar, e mesmo que minha mente se tornasse consciente deles e eu quisesse abrir os olhos, não conseguia. Meu corpo paralisava, um frio arrepiante se espalhava por cada membro até que eu estivesse à beira do pânico desesperada para sair daquele sofrimento.

   Korian parecia não ter ciência destes pesadelos, por mais que possa ler minha mente até quando estou dormindo. Mas não perco seus olhares especulativos conforme estudamos cada vez mais os símbolos e o que poderia ser seus significados.

   Yura não parece melhor. Desde que me dissera em seu sonho para não confiar nele, tem estado saindo e entrando na inconsciência diversas vezes ao dia. As chicotadas que ela levou há algumas semanas finalmente sararam, mas nada pode curar sua própria mente. Ela grita em horror todas as noites como se estivesse sendo assassinada. Os guardas, provavelmente acostumados com suas reações aos sonhos, sequer se movem de seu posto quando me veem arrastando o corpo até a pequena mulher loira a fim de consolá-la.

   As atitudes suspeitas de Yura deveriam me deixar desconfiada, mas por que não me sinto assim? Cada palavra, sejam elas ditas quando a mulher está acordada ou delirando em febre, me fazem pensar duas vezes antes de dar qualquer passo na direção daquela biblioteca. Nunca perco a energia sombria que me envolve quando chegamos perto de lá. Algo muito errado é escondido neste castelo, muito mais poderoso do que Dakar e provavelmente capaz de acabar com todos nós.

   As algemas me sufocam. Desde que Dakar percebeu que estávamos cada vez mais longe de descobrir o significado dos símbolos, tem ordenado que nos mandem comida apenas uma vez ao dia. Se isso for chamado de comida. Yura não acordava para comer, e quando eu tentava forçá-la mesmo através da inconsciência, ela acordava gritando e chutando para todos os lados. Isso me fazia pensar no que exatamente Dakar a submeteu para que ela fosse deixada dessa forma.

   Korian não falou durante dois dias. Dois longos dias onde tudo que nos preenchia era o silêncio e a tensão. Odiava admitir, mas ao passar tanto tempo pensando no que deveria lhe falar, percebi a falta que suas piadas sem sentido me faziam. Eram uma forma de escapar, provavelmente. Lembrar que ainda existe uma chance de diversão mesmo ao enxergar apenas o caos ao nosso redor. Ainda há esperança. Mas agora, no silêncio, é como se tudo o que restasse da esperança fosse um eco fraco quase se calando.

   Me encolho na cadeira da biblioteca, não perdendo o olhar de Korian direcionado a mim.

   Este vai ser mais um longo dia.

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   Cada músculo do meu corpo dói, mas me forço a arrastar os pés até o lago longe da fronteira da cidade. Faço uma careta para o corte em minha coxa, logo acima do joelho. Kennai decidiu mais uma vez se divertir às minhas custas e correu atrás de mim junto com seus amigos e um enorme cachorro de aparência assustadora. Sabendo muito bem do meu medo, é claro que eu corri. Ao passar pela barreira, porém, ele gritou meu nome com uma ameaça. Mas não me seguiu. Era mole demais para sair de perto de seus pais.

   Acabei passando por um lugar desconhecido cheio de arbustos com frutinhas coloridas. Colhi algumas para comer no caminho até o lago. Sequer me importava por estar mancando mais fortemente do que o normal. Mesmo com a dor esfaqueando meu pé a cada passo, me manti firme até chegar ao lago.

A ƑILHA ƊO ƑOƓO - A MALƊIƇ̧ÃO ƊO SOLSƬÍƇIOWhere stories live. Discover now