-Está tudo bem ai, Katye? - indago.
-Aqui na agência está tudo normal. Mas sei que você gostaria de saber que o vice presidente marcou sua posse para amanhã, às duas horas da tarde.
-Tão rapido? O corpo da Malick mal esfriou!
-Você sabe que o país não pode ficar sem um presidente durante muito tempo...
Suspiro.
-Queria estar aí. Tenho coisa pra fazer...
-Tipo investigar? Pensei que tivesse esquecido essas paranóias.
-E esqueci. Não é disso que estou falando...
-Sei...
-Preciso desligar, já fiquei tempo demais aqui na mata. -murmuro, começando a caminhar de volta a clareira.
-Está se escondendo do caipira?
-Das mães irritantes. - respondo. -Por sorte, ontem passamos quase o dia e a noite toda longe delas. Tudo graças as habilidades invejaveis do caipira com um mapa. - debocho.
-Era pra mim entender alguma coisa?
-Quando chegar ai, te conto. - respondo, desligando o telefone.
Volto ao extenso gramado verde com a maior cara de paisagem possível, observando Aidan e Alfie jogando queimada à alguns metros com um grupo de jovens. Alisson brincava com Claire, a filha dos Medler, sobre o olhar atento de sua mãe, e Natalia observava tudo com uma cara de tédio, sentada próxima à nossa barraca.
-Odeio estar aqui. -murmura ela, assim que me vê chegar.
-Pensei que estivesse se divertindo... - digo, sentando na cadeira ao lado.
-Minhas amigas não vieram. Só as patricinhas chatas do colégio.
-Se serve de consolo, também não queria estar aqui.
-Isso é óbvio, você preferia estar trabalhando.
-Preferia estar com vocês em casa. - corrijo.
Ela cruza os braços, claramente achando que aquilo era uma mentira.
-Estou falando sério. - afirmo, e analiso suas feições.-Por que está tão estranha?
-Estranha?
-Irritada. - explico.
-Aidan me contou que está treinando com a Tia Katye.
-E isso te irrita?
-Por que só ele pode?!
-Porque ele precisa aprender a se defender.
-E eu não?
-Você sabe que é diferente.
-Ah, claro. Sei bem a diferença. - murmura sarcástica.
-O que está querendo dizer? Sei que está sendo sarcástica.
-Nada. - ela levanta, irritada.
-Onde vai?
-Dar uma volta!
(...)
-Finalmente em casa! - murmura Alfie abrindo a porta da frente. - Crianças, guardem suas coisas e coloquem as roupas sujas no cesto!
-Aidan, ajude Alisson com isso. - digo.
Em vez de responder, os três soltaram um grunhido frustado e subiram as escadas carregando suas mochilas. Nossa casa não era muito grande, era uma casa normal de uma familia normal. Muito o contrário das mansões dos nossos amigos. Não se enganem, nós temos dinheiro para comprar uma casa maior, mas assim que as crianças foram crescendo, Alfie descidiu mudar para uma casa menor. Segundo ele, isso ajudava a estar sempre de olho em todos, e ensinava o valor das coisas.
Subo as escadas atrás de Alfie, que fechou a porta do nosso quarto assim que entramos.
-Natalia está estranha. - murmura ele.
-Só está um pouco irritada porque Aidan está treinando e ela não.
-Acha que é coisa da idade?
-Talvez...também era um pouco revoltada na idade dela.
-Espero que tenha razão...-suspira, jogando a mochila sobre a cama.
-Vai trabalhar?
-Mais tarde. E você?
-Katye me chamou pra sair. Se importa em cuidar das crianças essa noite?
-Não, mas por que não leva a Natalia com você?
-April? Acha mesmo que ela vai querer?
-Não custa tentar... onde vocês pretendem ir?
-Você sabe...
-Naquele bar sujo?
-Lá tenho bebida de graça.
-E doença também!
Reviro os olhos.
-Você sabe que é tudo higiênizado.
-Nem tudo. Se for lá, não acho mais uma boa idéia chamar a Natalia.
-Você é quem sabe. Não quero brigar hoje... - selo nossos lábios. - Nos vemos mais tarde?
-Mais tarde que horas?
-Esta me controlando, caipira?
-Só quero saber o horário, caso as crianças perguntem. Você sabe qu...
-Já entendi, estava só pegando no seu pé. Volto cedo, antes da meia noite, isso eu garanto.
-Então é tarde...
-Pra velhinhos como você. Com certeza. -ironizo.
-É, mas você gosta desde velhinho. - sorri malicioso, me agarrando pela cintura.
-A porta não está trancada...- aviso.
-Podemos trancar?
-Nem pensar, Kansas. Tenho que ir...
Coloquei minhas mãos no seu peito, pronta para empurra-lo, mas fui surpreendida pela rapidez que seus lábios grudaram nos meus. Suas mãos seguraram minha cintura com mais força, prendendo-me ainda mais contra si. Suspirei pesadamente, sentindo sua respiração quente se direcionar junto com os seus lábios até o meu percoço, numa trilha de beijos molhados. Ele é rápido.
Buscando meu lado racional, me separei de Alfie e virei o rosto quando ele tentou iniciar outro beijo, sussurrando no seu ouvido.
-Ainda tenho que trabalhar... Kat...
-Cala a boca. - falou, me puxando pelo pescoço para mais um beijo.
Sorri de lado em meio ao beijo, e entre abri os lábios levemente, me rendendo aos poucos ao momento enquanto entrelaçava minhas pernas na sua cintura. Katye que espere.
-Papai? Mamãe? - indaga Alisson, batendo na porta. -Estou com fome!
Ri do desespero de Alfie, assim que ouviu a voz da filha ele desgrudou os nossos lábios e se virou em direção à porta ainda comigo no colo, sem saber o que fazer. Ela estava enconstada, mas Alisson poderia entrar se simplemente girasse a maçaneta.
-Droga...- sussurra.
Desci do seu colo sem muitos problemas, arrumando minhas roupas amassadas e descidindo tomar as rédeas da situação.
-Lis? Nós já vamos descer! - digo.
-Posso entrar? O papai está aí?
-O papai está... - olho para Alfie, rindo. - Tomando banho. Em alguns minutos ele vai descer, e preparar o jantar.
-Não quero comida!
Franzo a testa.
-Você disse que está com fome!
-Mas é uma fome diferente! Quero comer sorvete! Papai prometeu me levar!
Semicerro os olhos na direção de Alfie.
(...)
-Por que demorou tanto? - reclama Katye, assim que me viu sentar.
-"Oi" pra você também.-murmuro sarcástica. - Complicações no trabalho.
-Estava trabalhando até agora? - questiona desconfiada.
-Em parte, também estou aqui a trabalho, não é? Acha que só porque sou vice diretora não trabalho?
-Sim.
-Sim para a primeira pergunta, ou para a segunda?
-Tente descobrir. - sorri de lado.
-E então? - questiono, mudando de assunto. -Trouxe o que pedi?
-Claro. Trabalhar depois do expediente é a minha especialidade. - ironiza, jogando uma pasta sobre a mesa.
-Você leu?
-Um pouco. -admite. - O que Amadeo Abrotsi fez?
-Aqui diz que ele esta morando na Ucrânia, em Kiev. - analiso os documentos. -Fora isso, aqui não tem nada de relevante! - brando, fechando a pasta. -O que mais descobriu sobre ele? E quanto à esposa, Alisa Abrotsi?
-Só sei que o cara pediu demissão à cinco meses. Ele e a esposa sumiram. Fora isso, tudo o que descobri está na pasta. Por que esse cara é importante? Abrotsi nunca nem teve uma multa de trânsito. O sujeito está mais limpo do que o próprio céu.
-Valeu pela ajuda. - agradeço, mesmo aquilo não sendo quase nada.
Ela suspira, enquanto servia os copos de maneira frustada.
-É sempre assim, investigo, e só ganho um obrigada.
-Não é nada importante. - minto, bebendo um pouco do líquido. -E deveria estar feliz, não agradeço qualquer um.
-Ok...- suspira. - Sendo assim, meu expediente de trabalho acaba de ser encerrado, e que comesse a noite!
Katye ergueu o copo encenando um brinde imaginario que não correspondi, e bebeu o conteúdo numa só virada.
-Como anda o treinamento com Aidan? - indago.
-Vamos mesmo conversar sobre isso?
-Sim.
Suspira.
-O garoto é bom... mas...tem algo que me intriga...Você já descobriu os dons dos seus filhos? Ou mesmo se eles tem um dom?
Franzo a testa.
-Tenho algumas suspeitas...por que a pergunta?
-Nada, não acha que Aidan talvez tenha o dom da mentira? - sugere. - Não me mal interprete, ele aprende bem, mas para um dom da luta, provavelmente aprenderia mais do que "bem".
-Sim...já pensei nisso...inclusive, acho que Natalia talvez tenha o dom da luta. Mas Aidan tendo o dom da mentira? Impossível! Ele é tranparente, não consegue mentir nem para o médico.
-E se eles tiverem os dois?
-É dificil saber... April mente bem, mas sinceramente? Meu dom já está tão desenvolvido, que dificilmente sou enganada pelos meus filhos, então não consigo identificar exatamente quem teria esse dom.
-E quanto a Alisson?
-Ela é muito pequena ainda... é difícil saber.
-Você sabe que tem como resolver isso né...- murmura, servindo mais dois copos de vodka. - Um teste bastaria.
-Não quero submeter meus filhos à isso, você sabe que para ter resultados mais exatos, é necessário mais do que um simples exame de DNA. Além disso, de qualquer forma os dons uma hora ou outra, vão aparecer.
-Você é quem sabe... mas gostaria de treinar a Natalia também.
-Nem pensar.
-Por que?
-Por que marcou esse " encontro", Katye? - questiono, mudando de assunto.
-Pra entregar a pasta! - diz óbvia. -E por que mudou de assunto?
-Você poderia muito bem ter passado lá em casa. -continuo.
-É crime querer sair com a minha prima?
Reviros os olhos.
-Corta a enrolação. Só topei essa noite porque pensei ser algo realmente importante!
-E minha companhia não é? - murmura, fingindo se ofender.
-Kat, por sua causa estou perdendo um longa noite de...
-Oliver quer ter filhos! -solta.
Pauso com a boca aberta, franzindo a testa ao mesmo tempo que devolvia o copo que segurava de volta à mesa, tentando articular alguma frase coerente. Meu cerebro demorou alguns segundos pra reagir.
-É brincadeira, não é? Os dois concordaram em não ter filhos! Você mesma disse!
-Menti...eu não queria ter filhos...e convenci o Oliver que apenas nós dois bastava!
-E agora ele acha que não basta?
-Não é isso... mas você sabe o quanto Oliver gosta de criança, ele é apaixonado pela Alisson...
-É assim? Derrepente ele te pediu um filho? Sem mais nem menos?!
-Nós estavamos numa missão na Espanha, se passando por um casal apaixonado andando pela praça e...
-Direto ao ponto. - intervenho.
-Lá, havia uma feira de adoção. Como estavamos disfarçados, aceitamos o convite da organizadora para conhecer as crianças e... ele se apaixonou!
-Pela organizadora?- indago confusa.
-Não! Pelas crianças! -murmura, praticamente gritando.
-Ok...então vocês já descidiram? Vão adotar?
-Não!
-Então por que estamos discutindo sobre isso?! - murmuro indignada.
-É o sonho dele... e nossa relação não anda assim tão bem...
-Katye, uma criança não vai tapar o buraco no relacionamento de vocês!
-Não é isso que eu quero! Mas...olha, não estamos brigados nem nada do tipo. Só acho que nosso relacionamento está um pouco...Não sei...monótono...estamos precisando disso que você e o Alfie tem!
-E o que temos?- franzo a testa.
-A relação de vocês parece nunca ser monótona!
-Bom...as vezes a gente apimenta as coisa...
-Não é disso que estou falando, Natasha! - diz, fazendo cara de nojo. -Mas a relação de vocês melhorou depois dos filhos, né?
-Sim, e não.
-Como?- indaga confusa.
-Agora brigamos por outros motivos...bom... brigamos pelos antigos e pelos novos motivos... - explico. - Mas em geral, até que melhorou bastante...
-É disso que estou falando! Precisamos disso!
-De novos motivos pra brigar? - questiono.
-Bom... mas ou menos isso...
-Por que vocês não adotam um cachorro?
Ela franze a testa.
-Agora você está me insultando!
-Não é isso... só acho que você não pode adotar uma criança esperando que ela resolva todos os problemas da sua vida! É uma criança! - murmuro. - De quebra, ela vai trazer mais!
-Eu sei...também não quero ser mãe...essa coisa de peitos caidos...
-Eu amamentei três filhos e não tenho peitos caidos.
-Você é a irritante excessão. - revira os olhos.
Sorrio de lado.
-Mas já vi várias mães! E elas mudam totalmente!
-Katye? Qual é o seu problema? Você sabia que se adotar um filho não vai precisar amamentar, né? Você não vai ter leite pra isso!
-Não?
-Minha nossa! Em que planeta você vive? Nunca estudou biologia? Até eu sei disso!
-Estou nervosa!- justifica. - Não estou pensando direito!
-E então, me chamou aqui pra te confortar e dizer que tudo vai ficar bem? Sabe que não sou a mais indicada pra isso, né? Devia ter chamado a Sara.
-Eu sei... mas precisava de alguém sem essa coisa de sentimentos!
-Então não tenho sentimentos?!- semicerro os olhos.
Ela revira os olhos.
-Te chamei aqui pra ser o meu lado racional! - explica.
-Você já me viu com meus filhos, sabe muito bem como são as coisas... - Analiso melhor seu rosto perdido e assustado. -Você me chamou aqui pra te dizer que isso é uma boa idéia, né?
-Sei lá... Só acho que não pode ser tão ruim... se até você conseguiu!
Franzo a testa.
-"Até você"?!
-É! Quer dizer... você até que é uma boa mãe...
Semicerro os olhos.
-Espera, só disse que...
-Cala a boca que só está piorando. - suspiro. - Escuta, se você realmente quer isso, vai em frente. Como já te disse antes, ter filhos é uma baita dor de cabeça, mas também é a melhor coisa que pode te acontecer! Bom, pelo menos pra mim foi a melhor coisa! É fato que sua vida vai mudar, mas também é tudo questão de priorizar novas coisas.
-E se eu não gostar? Nunca devolveria uma criança, mas também não quero trata-la mal!
-Sinceramente? No começo não gostei, pelo menos não antes de ver o rostinho do Aidan. Não vou mentir, até hoje não me acostumei direito com essa coisa de ser mãe, mas também não consigo pensar numa vida sem meus filhos...
-Nossa...Você foi tão fofa... - sussurra.
Reviro os olhos
-Eu aqui fazendo o discurso motivador do ano, e você gravando tudo! - digo irritada, batendo na câmera do seu celular, escondido. - Está levando isso à sério?!
-Claro! Era só uma brincadeira...vou conversar com Oliver sobre isso. - respode séria.
-Não faça nada que se arrependa. Não estamos falando de escolher a arma errada. -aviso. - Ah, e se mostrar esse vídeo pra alguém! Se considere sem cabelo!
-Não, pode ficar tranquila. Esse vai pra minha lista quase vazia de " momentos fofos de Natasha Morgan". - provoca.