No dia seguinte, Gabriela e Amalie não paravam de conversar sobre ontem e o quão inusitado havia sido a canção em dupla. Vinicius admitiu que aquele evento teria sido, talvez, o mais improvável que já tinha presenciado em toda a sua vida.
Enquanto nós quatro andávamos pelo corredor, eu só conseguia olhar para os lábios de Gabriela e perceber que estes estavam muito ressecados.
— Ah, é este tempo terrível! — ela rebateu depois de eu perguntar sobre e, recuperar-se depois de uma pequena perda de equilíbrio.
É verdade, neste final de inverno meu nariz já tinha sangrado algumas vezes pela manhã. Mamãe teve de lavar os lençóis na hora, e mesmo assim sinais das manchas ainda apareciam no tecido.
Joana ultimamente vem saindo bastante com Jonathan — seu colega de trabalho, vulgo namorado ainda não confirmado. A ansiedade era nítida em seu rosto pelas manhãs, e a alegria às noites. Se ela estava feliz, eu também estava.
Eu estava feliz. Amalie estava feliz. Vinicius estava feliz. Gabriela estava... diferente.
Ainda no corredor eu prestava atenção em cada expressão facial dela; olhava atentamente para o gestos que fazia com as mãos enquanto falava e, eu comparava com antigamente através de minhas memórias. Alguma coisa estava diferente, mas eu não sabia o que era.
Quando aterrissamos no armário de Amalie, ambas começaram a falar de coisas que só elas pareciam entender. Vinicius e eu ficamos um pouco invisíveis, algo que acabou se tornando o momento perfeito para indagações aleatórias da minha mente paranoica.
— A Gabriela não parece diferente para você?
— Sim! — ele respondeu. Finalmente alguém que concordava comigo. — Ela parece mais alegre!
Não. Gabriela não parecia mais alegre. Será que era loucura e paranoia da minha cabeça? Talvez... eu devesse perguntar? Talvez... não fosse nada. Ela estava feliz, realmente. Poderia, de fato, ser isto.
— Hoje começa as inscrições para quem não faz parte do Clube de Esportes entrar para as cheerleaders! — Gabi disse excitada para todo o grupo.
— Ela não para de falar disso — Amalie admitiu, — eu ando ajudando ela nas coreografias!
— Anda? — perguntei. Desde quando as duas tinham virado melhores amigas?
Gabriela notou meu tom de voz na pergunta.
— Nick — ela disse rindo, — você está com ciúmes?
— Não acho nenhuma graça — confessei, segurando ainda mais forte os livros em meus braços.
Parte de mim estava irritado com ela, pois certamente Gabi estava passando por problemas dos quais não tinha interesse em compartilhar para o grupo, exceto Amalie, que agora parecia ser sua melhor amiga.
— Espera aí — ela começou a dizer, — você passou o ano todo sendo da mesma sala do Vinicius, enquanto eu estive sozinha por muito tempo na minha sala... agora que tenho finalmente alguém com quem eu possa estar próxima por mais tempo, você me julga?
— O ano inteiro? Acho que você esqueceu da parte que o Vinicius se afastou.
Vini engoliu um seco e pelo canto do olho percebi que ele e Amalie se olhavam sem saber muito o que fazer, nem muito para onde olhar.
— Por que você está bravo?
— Não é nada... deixa para lá, mas Gabi, você está bem?
— Eu estou ótima — Ela respirou fundo e olhou para o horário no celular. — Preciso ir para a sala de aula, tenho que continuar a lista de matemática... a entrega é para amanhã!
Ela se retirou sem nem mesmo chamar por Amalie, que ficou sem jeito, nos encarou por um instante e foi correndo atrás da amiga.
— Vini, preciso ir no banheiro.
— Quer que eu vá com você?
Eu ri.
— Não, eu acho que consigo mijar sem sua ajuda. Vai indo pra sala, preciso pensar um pouco.
E foi o que ele fez.
Enquanto andava pelo extenso corredor aparentemente infinito, notei Antoine vindo na direção contrária. Minha barriga apertou, mas mesmo assim continuei andando. Nos encaramos durante todo o trajeto. Seus olhos eram intimidadores, tanto que eu sentia minha alma se contraindo. Ele passou e continuei olhando para trás enquanto seguia em frente.
Pá! Alguém derrubou meu livros no chão.
— Olha por onde anda, bicha! — alertou Ethan.
Engoli seco. Olhei para o lado e ele já tinha desaparecido no meio da multidão.
Olhei para o chão, mais especificamente para os livros e sem passar muito tempo agachei para pega-los. Durante toda a cena, ninguém em volta pareceu prestar atenção ou se importar com o que havia acontecido... é, as pessoas só percebem o bem que elas poderiam ter feito somente após o mal ter acontecido. Peguei todo meu material e levantei, pronto para continuar minha ida ao banheiro. Era tudo, e apenas, o que eu queria.
Entrei e senti o mesmo parecido cheiro de banheiro masculino de sempre. Fiz o que tinha de fazer e diante o espelho enquanto lavava minhas mãos, eu transcorria meus dedos pelo roxo — agora um pouco menos roxo — do meu olho. Aquela era minha cicatriz de batalha.
Ethan... Ele sempre me olhou feio depois da festa do Clube de Teatro, mas nunca tinha feito algo como fez até então. Será que ele aproveitou meu olho roxo para tentar me intimidar?
Ele ainda tinha os amigos que o achavam incrível. Ele continuou sendo o aluno nota dez que todos idolatravam e tinham como representante de sala. Eu jamais conseguiria descobrir o porquê de todo aquele ódio por mim. Bem, eu teria mais dois anos para descobrir.
Saí do banheiro e fui para a sala de Química. Vinicius jogava em seu celular um jogo qualquer e quando o sinal tocou, esperamos por mais alguns minutos pelo professor que sempre chegava atrasado, chegar.
***
A hora do almoço chegou, e como sempre, o quarteto se esperou no final da escada principal para juntos irmos à fila das bandejas.
— Galera, as inscrições são agora — Gabi revelou, — não vou poder almoçar hoje com vocês.
— Eu vou com você.
— Nick, não precisa.
— Mas eu vou, você querendo ou não. Nem estou com fome mesmo.
Ela revirou os olhos, mas eu fingi não ter visto. Dissemos algo como "Até mais" para Vini e A e juntos fomos em direção ao ginásio, pois a inscrição aconteceria lá.
Enquanto andávamos, olhei para a calça jeans que Gabi usava. Eu sabia que ela tinha aquela calça desde o começo do ano, pois tinha uma costura específica da qual sempre notei a presença, entretanto, a calça parecia estar bem mais folgada.
Eu não podia negar que Gabriela havia emagrecido. Me preocupei quando ela havia dito que estava muito nervosa com provas e tudo mais, porém mesmo assim, muitas das peças ainda não se encaixavam.
— Gabi, você não está se alimentado bem, né?
— O quê? Claro que estou. Da onde você tirou isso?
— Gabriela Monteiro, beber água o dia inteiro no lugar das refeições pode até ser de hidratar, mas jamais se alimentar.
— Eu já disse que...
— ... anda muito nervosa com as provas e tudo mais. Jura mesmo que eu caio nessa? — Viramos o corredor, já era possível ver as portas duplas do ginásio. A cada passo, ficávamos mais perto. — Do mesmo jeito que você sabia quando eu mentia para ofuscar minha paixão pelo Vinicius, eu sei que essa sua história está muito mal contada. — Paramos diante as portas. — Por que você não está mais comendo, Gabriela?
— Nicholas, você deveria se preocupar com problemas reais, e além do mais...
— Você é um problema real, Gabriela.
— Não me interrompa, Nicholas. E além do mais, quem é você para falar que eu estou mentindo? Se durante a maior parte do ano foi você quem mais mentiu para sí mesmo?
— O quê? — Meus olhos lacrimejaram.
— Quem fala o que quer, Nicholas, ouve o que não quer. Agora com licença que eu preciso fazer a minha inscrição.
Ela se virou e abriu a porta, mas antes que entrasse, segurei seu braço por instinto, agora, com lágrimas para fora dos meus olhos.
— O que é você? — perguntei para que despertasse uma reflexão.
Sua expressão mudou, mas antes que ela dissesse qualquer coisa eu saí. O refeitório era meu objetivo.
Não olhei para trás.
O refeitório estava lotado, porém rapidamente encontrei a mesa onde Vini e Amalie sentavam-se.
— Pessoal, a Gabi está passando por problemas.
— Como assim? — Amalie perguntou, desistindo-se de levar um pedaço de batata fita à boca.
— Vocês não percebem o que está acontecendo? As garrafas de água nas refeições dela, as quedas de pressão, as roupas largas... ela não está comendo.
— Mas ela não comentou nada comigo — A admitiu.
— Ah claro, até porque esta é uma das coisas que super fazem parte dos objetivos dela... contar pros amigos que está parando de comer para emagrecer, só para que eles a impeçam.
— Por que ela faria isso, Nicholas? — Vinicius perguntou
Olhei para a mesa, procurando respostas... elas não vinham e nem pareciam ter interesse em aparecer.
— Eu não sei. Hoje, comentei com ela sobre isso antes que entrasse no ginásio, e ela foi muito grossa comigo. Parecia ser qualquer outra pessoa falando, menos Gabriela. Parar de comer afeta demais o humor e esta é mais uma prova do que estou dizendo.
— Mas ela mesma havia dito que estava estressada com as provas e trabalhos...
— Sim, e eu também... mas não paro de comer por isso.
— E o que sugere que façamos? — Amalie questionou.
Então Gabriela apareceu e sentou-se no assento vazio em nossa mesa.
Olhei para Vinicius e Amalie e meu olhar deixou mais claro para ambos que ninguém deveria tocar naquele assunto.
— Como foi a inscrição? — A perguntou, atuando melhor do que eu mesmo em muitas situações da minha vida.
— Rápida.
Gabi não olhava momento algum para mim, mas não porque não queria, e sim provavelmente porque não conseguia. Eu sei que aquela não era ela falando, e sim o resultado de algumas escolhas muito erradas que andava fazendo. Eu sabia que estava arrependida, assim como também tinha certeza de que um grande orgulho a impedia de desculpar-se.
No almoço, não tocamos mais no assunto sobre a alimentação de Gabriela. Não precisávamos, pois ela mesma provavelmente debatia com si mesma dentro de sua mente a respeito.
— As audições serão em duas semanas — explicou.
— Até lá temos ainda muito chão! — Vini rebateu.
— É... — Agora foi a vez de Amalie falar, — muita coisa ainda pode acontecer.
Gabi ficou confusa, mas não questionou sobre nada, já o restante da mesa, incluindo eu, parecia debater sobre o assunto entre nossas cabeças através de uma incrível e mágica telepatia.
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