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As garras me prendem.
A sala do trono ficou desconfortavelmente quente depois do meu ataque confuso mais cedo. E agora, depois que todos já foram embora e sobrou apenas eu, Korian e seu pai, fico ainda mais amedrontada nos vários pensamentos que rolam sobre minha cabeça. O que ele quer comigo aqui? Aquela pequena explosão não foi e não significa nada, certo?
ㅡ Acredito que queira se explicar, Asterin. ㅡ O rei fala, a voz grave e ameaçadora. Estou ajoelhada no chão com as algemas invisíveis segurando meus braços e pés colados ao piso refletor.
Fico calada, absorvendo sua raiva e perguntando porque diabos ele me fez essa pergunta. Se ele não sabe o motivo daquilo, como eu deveria saber? Já estava bem perto de lhe perguntar porque aquilo tinha acontecido comigo para me fazer quase entrar em combustão.
ㅡ Estamos esperando, humana.
A voz de Korian mudou. Ele está tenso e mais reto na postura. Se sentiu ameaçado? Ele realmente acha que, depois de ter me dado um discurso sobre como os humanos são frescos e inúteis, vou pular em cima do seu pescoço como um lobo faminto?
Se tiver a oportunidade, claro que sim. Mas agora não há tempo.
ㅡ Bem, estava esperando que vocês me dissessem o que aconteceu lá.
Korian e seu pai estreitam os olhos em minha direção, o movimento tão parecido que fico mais uma vez embasbacada em como os dois são idênticos em várias coisas. Os braços cruzados, carranca eterna. Apenas umas das coisas que eles são absolutamente iguais.
E agora, o duplo olhar raivoso direcionados a mim me deixa ligeiramente assustada. Não porque tenho medo de olhar feio ㅡ cresci com Kennai e já sou acostumada com isso ㅡ, mas porque sei que fiz algo errado ㅡ que não sei o que é ㅡ e eles estão me culpando. Mesmo sem saber minha parte da história. A vítima. Me pergunto se eles escutavam as pessoas clamando por misericórdia enquanto sofriam a tortura de somente estar em suas terras e cercados por semideuses famintos de carne humana.
Ouviam o choro da mãe antes que ela morresse? Ou os gritos de um pai, o único provedor de sua casa? Ou até mesmo as crianças que por brincadeira passavam pela floresta e vinham bater aqui. Ouviam suas súplicas e as libertavam ou se faziam de surdos e continuavam o show?
Um estalo de dedos me tira do pensamento. O rei me encara com as sobrancelhas erguidas, obviamente captando meus pensamentos. Também ergo as sobrancelhas, desafiando-o mentalmente. Seu ofego chocado vem um segundo depois das coisas que mando para ele por meus pensamentos.
ㅡ Melhor não brincar com estas coisas, humana. ㅡ sua voz estala como um chicote, claro sinal de que quer me intimidar. O filho suspira e dá um passo à frente, cruzando os braços e passando os olhos por minha figura ajoelhada. Um pequeno sorrisinho brota no canto de sua boca.
ㅡ Asterin, se eu não estiver certo, perdoe meu egocentrismo. Mas tenho quase certeza absoluta que usa esse seu sarcasmo e tenta bancar a durona apenas para esconder o medo. Sabe, semideuses podem farejar. Sentimos o desespero emanando por cada poro seu desde que colocou os pés em meu castelo. Não tente nos esconder, humana, porque nada que tentar aqui vai adiantar.
Minha garganta fica seca. Podem farejar, como cachorros? Eu realmente deixei meu medo tão evidente que eles provavelmente poderiam sentir o cheiro do outro lado do castelo. E eu, tola, achando que estava escondendo bem meu desespero por estar cercada de inimigos. Burra, burra, burra.
Eu queria bater naquele sorriso convencido. Ele sabe que não vou lhe dar a satisfação de confessar meu medo, por mais que esteja explícito na minha cara. Porém o orgulho fala mais alto dentro de mim e por isso sufoco todas as confissões em um buraco onde ninguém pode alcançar. Nem mesmo eu.
Não mostre medo aos seus inimigos. Mostre confiança e um dia eles vão acreditar nela.
Era o que Lena dizia quando terminava de nos contar as histórias de terror horrendas que arrumava nos livros da biblioteca. Depois que descobriram nossos pequenos furtos de livros, passaram a nos proibir de entrar lá e aumentar a proteção daquela porta. E também a matar qualquer um que quisesse chegar perto da biblioteca, o que foi uma pena. Sentia falta da voz leve de Lena fazendo sons animalescos.
ㅡ Derivando novamente. Bem, acredito que podemos fazer algo com isto. ㅡ o rei fala, então move os dedos levemente.
Fico confusa no começo, me perguntando o que ele tinha feito. Mas depois, o desespero volta. A risada de Korian me assusta.
Ele prendeu minha mente. Agora, sempre que começo a pensar em outras coisas a não ser o aqui e agora, ele força minha cabeça a continuar presa no momento. Não foi a pior coisa que já me fizeram, mas não gostei de não poder pensar em qualquer outra coisa. Me senti violada.
Meus pensamentos são cortados mais uma vez. Não lembro nem no que iria pensar, mas ele conseguiu prever a mudança de pensamento antes mesmo que eu pudesse reagir e o cortou por completo.
Agora eu sou sua marionete. Mais uma vez. Completamente submissa aos seus caprichos. Ele poderia controlar minha cabeça e me fazer...
ㅡ Chega, Asterin! ㅡ o rei brada, batendo o punho no encosto de seu trono. Um dedo aponta para meu rosto logo em seguida. ㅡ Comprima estes seus pensamentos errantes e se concentre aqui. Acredito que não vai querer minhas garras espreitando em seu cérebro e arrancando cada coisa que possa te distrair, não é? Você nunca mais encontraria seus próprios pensamentos.
A raiva flui novamente para dentro de meu coração, espalhando-se rapidamente pelo corpo. Sinto-o ficar mais quente conforme encaro aqueles olhos verdes profundos e luto para ficar quieta contra as mãos que me seguram. O homem sentado ao trono não parece mais alguém poderoso e capaz de arrancar minha cabeça, se quiser; para mim, não passa de um mosquito irritante que só precisa de um tapa para cair morto.
Minha cabeça esquenta. Os pensamentos voam para longe. Meus olhos ficam ligeiramente vítreos quando aquele calor atinge meu cérebro e o envolve como uma camada de cobertores.
Paro de ouvir. Ou não quero; não faço ideia. O zumbido constante em meus ouvidos me impede de conectar os pensamentos e ouvir qualquer outra coisa. A sensação é a coisa mais diferente que já senti na vida, porém a confusão volta quando dentro do coração sinto que já havia tido esta mesma sensação antes. De como se estivesse queimando de dentro para fora.
Sinto meu corpo inerte no chão. Devo estar olhando para o teto pintado com os anjos e pessoas no fogo, mas não consigo captar nada. Nenhum detalhe.
Mais uma vez ouço gritos e vozes. Uma mão bate em meu rosto. Forte, mas não o suficiente para machucar.
Então percebo que essa pessoa que me bateu quer me acordar do transe em que eu mesma me enfiei. Me trancafiei dentro de mim mesma e do fogo que rola pelo meu corpo e criei uma barreira que repele a todos. Minha pele quente chia quando me movo. Devo ter queimado a todos quando me tocaram.
O fogo consome meus ossos, meu cérebro. Até que tudo o que sinto são as faíscas controlando meu corpo e levando-o à extremidades exorbitantes. Calor queima minhas veias, meu coração, queimando tudo o que encontra e fazendo de mim um poço de magia.
Meus olhos levemente voltam a tomar o foco de antes. Tomo consciência do teto dourado lançando sua luz sobre meu corpo esparramado no chão. As mãos que me prendiam agora estão soltas e frouxas, e me permitem mover levemente o braço para encostar na testa latejante.
Ofego quando sinto minha temperatura. Quase entrei em combustão mais uma vez. E na frente das mesmas pessoas. Só não estava com um vestido bonito e carregando uma bandeja. A dor de cabeça começa como um martelo batendo bem onde minha consciência pesa. Por Taryan, o que é isso?
ㅡ Aconteceu de novo. ㅡ Korian exclama, baixando a mão. Só quando consigo levantar um pouco a cabeça é que percebo meu corpo encharcado e o balde em sua mão. Eles jogaram água fria em mim para tentar acalmar o fogo. E, pelo visto, realmente foi isso que me acordou. Apesar de não ter sentido a água me tocando.
Meus dedos tremem descontrolavemente, a água quente ao meu redor nada ajudando para diminuir o nervosismo.
Olho para o anel que envolve meu dedo indicador direito, aquela pequena pedrinha azul brilhando levemente. A pessoa que me deu ㅡ a que eu nunca vi o rosto e nunca soube seu nome ㅡ me disse que quando ela estivesse brilhando, mesmo que um pouquinho, era porque o lugar onde eu estava era perigoso. Ela tem brilhado desde que os semideuses apareceram em meu vilarejo. E tem brilhando agora, quase me cegando. Por causa de mim mesma?
Pelo menos isto eles não tiraram de mim. A Garota Sem Nome me disse que isto era um presente especial, e que eu deveria usá-lo para sempre. E eu fiz o que me disse, e desde que saia da mansão com ele, me sentia mais protegida pois sabia quando algo ou alguém se aproximava. Sempre saía na vantagem, não importa o quão preparado o atacante esteja.
ㅡ Isso é raro, pai. ㅡ Korian diz, me observando apoiar as mãos molhadas no chão para tentar erguer o tronco. Fico chocada quando vejo a fuligem espalhada pelo chão e contornando perfeitamente o desenho do meu corpo inerte de antes. Mas deixo de me preocupar quando penso que este castelo está limpo demais; uma sujeirinha não fará diferença. ㅡ Ela conjura o fogo, mas é uma humana e quase se queimou viva. Como isso é possível? Talvez ela seja mesmo quem estamos procurando.
Quem eles estão procurando? A pergunta se forma em meus lábios, mas na verdade começo a tossir quando sinto a língua quente pesando na boca, incapaz de formar qualquer palavra.
O rei encosta no trono, me olhando abertamente. Estudando. Analisando. Traçando caminhos em seus pensamentos para tentar chegar na resposta. E penso que nenhuma delas vai fazer sentido para mim.
ㅡ Eu particularmente nunca havia visto um humano nascer com tais poderes. Mas ㅡ seu sorriso me faz estremecer, mesmo com o fogo ainda rolando sobre mim. ㅡ, acho que sei com quem podemos falar para resolver de vez este mistério sobre a Humana de Fogo.
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Humana de Fogo.
Por que sinto que esse é um nome que não me trará coisas boas? O peso dessa consciência é o que me faz ficar paralisada quando o rei proclama estas palavras para mim. Eu havia chegado aqui com o pensamento de que ficaria presa em um calabouço nojento pelo resto da vida, e agora isso? Já ganhei um apelido como se fosse amiga profunda de todos eles?
Korian revira os olhos para o pai quando ele fala isso. Pelo visto, gostou tanto do nome quanto eu.
ㅡ Pai, essa garota não conjura poderes. É uma humana. E uma das mais pobres, devo dizer. ㅡ Acrescenta isso com um sorriso sarcástico. Trinco os dentes para não falar nada que possa me queimar novamente. ㅡ Nenhum humano, desde a origem de Taryan, foi encontrado com tais poderes. E, se foi, morreu antes que alguém pudesse ter descoberto. Se ela for mesmo quem estamos procurando, não devemos jamais expô-la ao mundo.
O rei ainda me avalia. Seu dedo batuca no queixo repetidamente, como se estivesse analisando uma tela em branco e resolvendo o que pintar nela.
Lembro do pequeno conjunto de lápis de carvão coloridos que ganhei de Lena quando completei 8 anos. Lena tentou me ensinar a pintar a princípio, mas meus dedos não tinham muita coordenação ou paciência para seguir traços mais precisos com a tinta. Ela gastou de seu pouco salário para comprar um presente para mim, uma criança antissocial que gostava apenas de cuidar de flores.
E, desde que os ganhei, não parei mais de desenhar. E também, desde que comecei a sonhar com aqueles olhos azuis penetrantes, nunca parei de tentar desenhá-los. Não me cansava de tentar captar a essência daqueles perfeitos olhos. Mesmo assim, enchia cadernos e mais cadernos com os mesmos desenhos, porém tentava cria-los de maneiras diferentes para ver se de alguma forma eu conseguia reconhecê-los em alguém.
Eu conseguiria desenhar estes homens? Suas expressões pensativas, o poder saindo de seus dedos, a magia envolvendo a todos nós?
ㅡ Bem, humana. Aí está um pensamento que não pude ouvir. O que você fez? ㅡ O rei pergunta.
Pisco. Ele não pôde ouvir este pensamento? O que eu fiz?
ㅡ Com todo respeito, semideus majestoso ㅡ meu sorriso não alcança os olhos com o sarcasmo. ㅡ, por que continua a me perguntar estas coisas se nem você mesmo sabe responder?
ㅡ Quero saber se você é um semideus infiltrado em minha corte para matar a todos nós. Sabe, alguns semideuses são astutos e poderosos o suficiente para esconder seu cheiro e pensamentos de nós. E tão bons em fingir que podem fazer uma boa apresentação em minha sala do trono para que acreditemos.
Quase rio de sua cara estúpida.
ㅡ Garanto que não passo de uma humana inútil, como me disse. ㅡ Me movo no chão, fazendo uma careta quando dor percorre meu corpo. ㅡ Se fosse uma semideusa, certamente não escolheria este corpo para habitar.
Os ofegos que saem de meus lábios são quentes como fogo.
Korian ri quando termino. Olho para ele, tentando encontrar a graça no que falei e falhando miseravelmente. Continuo encarando-o com firmeza até que para as gargalhadas e se vira para seu pai sorridente.
ㅡ Semideusas não existem aqui, Asterin. Ou em qualquer outro lugar de Taryan. Mulheres não são capazes de governar um reino sozinhas, vamos dizer assim. Sempre necessitam da ajuda de seus homens, o que fez com que as autoridades femininas fossem completamente banidas de Taryan.
Ergo as sobrancelhas para o modo como ele falou. Como se as mulheres fossem na verdade apenas um fardo que os homens carregam. E como se fossem animais que engravidam de seus maridos e após ganhar o herdeiro, perdem completamente sua importância.
ㅡ Mulheres podem ser superiores aos homens, príncipe Korian.
ㅡ Mulheres são um fardo.
Sorrio de lado. Bem como eu pensei.
ㅡ Se acha mesmo que uma mulher não pode ter poderes superiores ao de um homem, por que quer encontrar uma imortal tão poderosa quanto Dalilah Menaris?
O rei fica ereto em seu trono, olhando-me chocado. Escondo o sorriso ao abaixar a cabeça. Digamos apenas que eles não são particularmente discretos quando passam conversando pelos corredores.
ㅡ Como uma humana sabe disso? ㅡ sinto o poder de Korian fluir pela sala, sinal de sua raiva. Eu o atingi. Bom.
ㅡ Sua boca grande não pode ser ignorada quando passa gritando pelo meu quarto, alteza.
ㅡ Gosta de xeretar, hein, Asterin? Bem, vamos tirar algum proveito disto. ㅡ Fico alarmada imediatamente quando seu sorriso se forma por completo e ele avança em minha direção; um predador pronto para o ataque. Não gosto do que vejo em seus olhos. ㅡ Já que gosta tanto de escutar conversa alheia, humana, vamos fazer disto útil. De agora em diante, você será a espiã oficial do Rei do Reino Floral.
Acho que minha boca cai aberta, mas não tenho certeza. O choque veio tão forte que precisei de uns segundos para meu cérebro consumir realmente as palavras que ele proferiu. Eu? Uma espiã?
Não que seja ruim em ouvir conversas; já fiz isso muitas vezes na mansão. Uma das coisas que me fizeram ser maravilhosa na técnica de chantagem, porque sempre sabia o que acontecia por dentro da mansão. E, não importava o que as pessoas diziam, eu sempre conseguia sair na melhor no meio da história.
ㅡ Eu? O que diabos quer dizer com isso? Está dizendo que eu, uma humana fraca e inutil como você mesmo disse, foi contratada pessoalmente pelo principe de Floral para ser sua espiã? Melhor procurar alguém mais qualificado para o cargo.
O rei parece, por fim, se livrar do choque. Conseguiu se livrar do transe bem mais rápido do que eu. Seu sorriso de lado não alcança os olhos quando me encara. Nesta posição, solto e relaxado no trono, ele parece bem mais jovem. Não o homem que me aprisionou neste lugar maldito.
Seu olhar me faz ter vontade de socar sua cara. Começo a sentir uma ligeira queimação na região dos pés e paraliso, rapidamente tentando me acalmar do que quer que seja que tenha me deixado com raiva mais uma vez. Acho que só olhar para esse cara é o suficiente para entrar em combustão.
ㅡ Hmmm, uma humana com poderes de um semideus. Muito interessante. ㅡ analisa meu corpo novamente, parando o olhar em meus pés. Sinto o cheiro de queimado que emana do meu corpo, e sou perfeitamente ciente da fumaça que sobe para o teto saindo das pernas agora. ㅡ Ela vai ter que aprender a controlar seu poder, no entanto. Coisa que ninguém vai saber, é claro. Vamos fazer uma declaração amanhã e passar ao vivo em todas as transmissões do reino. A Princesa do Fogo. Foi encontrada na fronteira da floresta com nosso reino e trazida de volta ao seu lar, depois de estar séculos desaparecida. Vamos mudar os títulos dos livros sobre nosso reino e acrescentar o desaparecimento da princesa na história. Isso deve bastar.
ㅡ Quanto trabalho. Podiam simplesmente me jogar na floresta e acabar com isto de uma vez.
Darion se inclina para a frente.
ㅡ Se quiséssemos fazer isso, humana, já teríamos feito. Não duvide. Mas, agora que todos presenciaram aquele pequeno show que fez na recepção do Dia da Consagração, creio que terão muito o que falar sobre nós caso te joguemos para aquelas criaturas horrendas. E temos mais planos para você do que imagina.
ㅡ Então eu sirvo de brinde para que vocês consigam o que querem?
Os dois sorriem.
ㅡ Esperta.
ㅡ E então, quando acabar meu serviço, aí sim vão me jogar para as cobras? ㅡ As mãos invisíveis me prendem novamente quando tento me erguer para falar ao mesmo nível que eles.
ㅡ A maior traição que cometeríamos seria te jogar em uma cela podre e suja do fundo de nossos calabouços. Mas isto está fora de hipótese. Estamos precisando de espiões que saibam se esconder nas sombras, e acredito que você passou sua vida inteira fazendo isso. Vai saber o que fazer. E se não fizer, seu irmão morre.
Franzo os lábios para conter a fúria e não admitir a verdade. Passei realmente todos esses anos me escondendo nas sombras, ouvindo conversas e ficando por dentro de tudo o que acontecia. Precisava fazer isso para me programar para qualquer perigo que espreitasse a mansão. Não para protegê-los, mas sim para fugir quando tivesse a chance única.
Porém, de alguma forma, Kennai sempre sabia de meus planos e sabia como e onde me interceptar. Parece que eu sempre colocava um rastreador em meu corpo que estivesse sendo monitorado por ele a todo tempo.
Ou ele poderia ser...
Não! Meus olhos voam para Darion, para seu sorriso malicioso, e ele assente.
Kennai não pode ser um semideus.
Bem, isso explicaria muita coisa. Como sempre ele sabia de meus planos de fuga, como sempre me perseguia pela floresta e sabia exatamente onde me encontrar, e outras coisas. Mas... Semideus?
ㅡ Kennai é o que chamamos de Inferiores. Não é um semideus, dada a sua cara de idiota de quem não entendeu. Ele tem poderes, porém são distintos daqueles que os semideuses possuem. Mais fracos, digamos assim. Mas ainda tem sua magia no corpo que podem usar para identificar certas coisas. No seu caso, Kennai era um espião de nosso reino infiltrado na família da mansão.
ㅡ Infiltrado? Para que? Me observar vinte e quatro horas e garantir que não me machuque até pagar a divida que fiz com aquele imortal maldito?
O rei ri da minha cara estúpida.
ㅡ Bem, sim. Não percebeu que Kennai chegou do treino do exército cinco semanas depois da promessa que fez a Hethan?
Realmente, agora posso pensar nisso. O modo como meus patrões ficaram chocados e ligeiramente confusos depois da chegada de Kennai, e como depois tudo ficou apenas flores e abraços. Achei aquilo tão suspeito que saía várias vezes para investigar, mas acabei desistindo depois que sempre o encontrava me esperando.
ㅡ Percebeu agora, hein, humana? Percebeu o quão estúpida foi ao longo dos anos, sempre achando que estava um passo à frente de nós quando na verdade esteva sempre dois passos atrás.
Trinco os dentes contra a raiva que toma conta de mim. Sei que fui estúpida ao tentar atacar Kennai várias e várias vezes, mas como iria saber que ele era um infiltrado? Não sou semideusa para adivinhar os pensamentos das pessoas.
ㅡ Bem, agora que terminamos o diálogo, vamos andando. Todos nós temos um grande anúncio a fazer esta noite.
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