Crônicas de Penina - Livro 1...

By MatthewGreek

33.1K 2.4K 1.8K

AVENTURA/FANTASIA - O segredo que separa a realidade da imaginação é bem mais sensível do que todos imaginam... More

Prefácio
Mapa
Prólogo
1. As vontades do falecido
2. Uma visita reconfortante
3. Um caderno diferente
4. Barulhos estranhos
5. Um grande muro
6. Um Rei-Gato
7. Presos no buraco
8. De volta para uma reunião
9. Regalias e treino começam
10. O teste
11. Indisposição para lutar
12. Planos fora do pano
13. Suspeitas na Corte
14. Sob ataque
15. Coragem na batalha
16. A ajuda de um ancião
17. Um tremor misterioso
18. Novos rumos
19. Os preparativos da partida
20. Uma fuga turbulenta
21. Os mercenários de Malcon
22. A primeira parada
23. Confusão na Província
24. Os sinais do desequilíbrio
25. O clã NicBlood
26. Contato perturbador
27. Uma luta com sacrifício
29. A revoada de Morcegos-Albinos
30. O Conselho de Dulin
31. Conspiração em curso
32. A batalha pela montanha
33. A queda de Dulin
34. O caminho dos monstros
35. O plano do Mago
36. O confronto sobre a colina (Parte 1)
37. O confronto sobre a colina (Parte 2)
38. A garota que fez história
Epílogo
NOTA DO AUTOR

28. A espada de Yllen

171 17 10
By MatthewGreek

(Os escritos que seguem na imagem são do dialeto Avriet e são um tipo de carácteres usados para escrever nesta língua, chamados Tsûlees.)

São um a criação do autor e qualquer tentativa de plágio é crime!


ACIMA DOS PAREDÕES.

A caverna que encontramos era lúgubre e úmida. O terreno acidentado, acima daqueles penhascos, era cheio de colinas e rochas grandes que variavam, ora descendo, ora subindo para formarem em certos pontos aberturas ou fendas fundas cheias de água – outras nem sequer eram possíveis de saber se tinham uma profundidade confiável.

Antes disso, Dingow teve que bater as asas com dificuldade em meio ao temporal, como um potinho branco ganhando altitude entre o crescente penhasco, contornando as torrentes de água que caiam lá de cima, e já lá em cima, teve que pousar com um solavanco sobre uma rocha íngreme para que pudéssemos descer. Ali nós caminhamos por mais alguns metros e durante um bom tempo na direção que acreditávamos ser o leste. Os trovões nos assustavam o tempo todo e lutávamos também contra o vento, pois Dingow não aguentava sequer abrir as asas com as penas encharcadas. Então enfim nós chegamos numa rocha grande com uma abertura larga o suficiente para nos proteger sem inundar. Entramos nela exaustos e abalados e Dinter-Dim ainda chorava. Vi que Mabel também e eu, mesmo que estivesse tentando, não conseguia afastar da minha cabeça a imagem de Lila caindo sem vida. Ficamos ali por algum tempo, encostados nas paredes que escorriam água em silêncio até que o frio começou a bater e o tremor já era perceptível no bater dos nossos queixos.

– V-vamos m-morrer de hipotermia s-se não n-nos aquec-cermos – Mabel balbuciou, agarrada aos próprios cotovelos.

– Eu s-sei, mas n-não temos cob-bertores...

Dinter-Dim nada acrescentou ao que dissemos, permaneceu calado com sua própria dor. Ele tinha tirado o chapéu da cabeça careca e estava agarrado a ele, chorando em silêncio. Aquilo me deu pena, mas senti que era necessário para ele expor ao invés de guardar. Lila tinha sido muito corajosa e graças a sua coragem nos ajudou mais do que qualquer um poderia, afinal, agora só tínhamos um Flagelo em nosso encalço, o que soava bem menos assustador do que antes. Entretanto, pelo que eu pude ver, Dinter-Dim tinha a fada em muita estima e respeito e estava mesmo sentido sua perda, mas infelizmente não podíamos fazer mais nada.

Depois de um tempo em que Mabel e eu apenas o fitamos, ele murmurou entre as lágrimas:

– Ela sempre foi corajosa. Lembro-me de que quando me tornei druida de Cornélio, ela já servia Festos, o Místico, há décadas e já tinha ajudado o Mago em quase todos os grandes problemas que surgiram. Foi um exemplo de druida pelo tempo em que viveu. – Aquilo mais soou como um discurso em memória e honra à fada do que como um desabafo, o que acabou fazendo mais lágrimas escorrerem pelo rosto do bobo. – Lila viu o próprio povo ser exterminado sem nada poder fazer, e isso porque estava lutando para proteger um povo que nem sequer era o seu. As fadas eram seres extraordinários, mas... – Ele se levantou e ficou parado, olhando para o céu fora da caverna. Fez-se um silêncio em honra enquanto isso e depois, com a mão fechada, ele a encostou no peito e depois levantou-a acima de si, dizendo como um lema: – Vriâv-âz-âthâtz! Que a luz desta raça retorne ao Ato, do qual veio, e a memória permaneça entre nós até o fim. Mais uma raça de Luz foi extinta e outra vez o Âmru prevalece... – Ele suspirou com pesar. – Até quando o silêncio durará?

Feito isto – que supus ser uma despedida junta de um lamento "oficial" se referindo a sabe-se lá o que –, o bobo repôs na cabeça o chapéu de pontas, enxugou as lágrimas e se virou novamente para nós duas. Ficamos em silêncio e eu queria consolá-lo de alguma forma, pois sabia como era ruim perder alguém querido, mas preferi esperar ele dizer algo. Quando o fez, dali há alguns minutos, ainda estava fungando o nariz e tentando ser forte:

– O céu vai abrir logo, logo. As nuvens estão ficando menos densas, o frio de vocês já vai passar.

Isso era questionável, pois a chuva continuava forte, mas não retruquei, dado o tom inexpressivo com que ele disse aquilo. Talvez tivesse sido apenas um comentário e ele só quisesse desviar nossa atenção do ambiente tenso que tinha ficado.

Prosseguiu:

– Você precisa me contar tudo o que viu naquele sonho, Tine. E vamos deixar claro uma coisa: Malcon não pode fazer isso, certo? Não sabemos o quanto de acesso ele tem à sua memória, então não podemos correr o risco de perder as informações que temos para ele.

– É, eu s-sei, mas não cons-sigo c-controlar, ele s-simplesmente entra – eu disse, bambeando a cabeça de um lado para o outro, cheia de calafrios.

– Não – o bobo foi incisivo, e só então eu percebi que ele não estava com tanto frio como nós duas. Sua pele enrugada parecia ser mais resistente a isso. – Malcon pode até estar bastante versado em magias da mente, mas mesmo algo aparentemente tão simples, como invadir um sonho e se comunicar através disso, não é tão fácil assim.

– Pois é – Mabel comentou logo em seguida. – Le-lembro que tinham n-nos dito que e-era preciso sua mente ou s-seu corpo esta-tar fragilizada pra i-isso.

– É, mas nenhum dos dois estão – afirmei, mas na verdade eu desconfiava que estivesse. O corpo. A ferida. Era ela. Provavelmente estava me deixando fraca e Malcon se aproveitou disto, entretanto eu não estava sentindo absolutamente nada naquela região, nem dores, nem tontura e nem nenhum sintoma que aparentasse tal fraqueza.

– Bem, o motivo não importa nesse momento – Dinter-Dim interveio, desviando o assunto enquanto eu ainda pensava nele. Graças a Deus! – Agora, mais do que nunca, Malcon não pode voltar a ter acesso, está me entendendo, Tine? Sabemos que Elcana está nos arredores de Dulin e se o espúrio também souber, pode ser o fim das nossas esperanças. Ele não vai pensar duas vezes em caçá-lo e, diferente de nós, vai ser para matá-lo.

Fizemos uma pausa depois do terror que o bobo nos colocou, embora, de fato, soubéssemos que ele tinha razão, mas Dinter-Dim também precisava saber de algo mais...

Quando vi que nenhum dos dois falaria mais nada, resolvi contar, mesmo que meio receosa de fazê-lo:

– Eu não t-tenho certeza se co-consegui esconder dele o que eu s-sabia até ontem... acho q-que ele as-sabe...

– A respeito de quê?

– Do que Balik nos d-disse na Olho-Rubro. Ele me pressionou e eu t-tentei resistir, mas acho que no final aca-cabei pensando...

Dinter-Dim fechou os olhos em sinal de lamento, mas não restava nada a se fazer, então ele me encarou e disse:

– Não tem problema, nós ainda temos tempo e as informações de Balik eram antigas, Malcon vai levar tempo para achar rastros de Elcana em Dur que o levem a Dulin.

Ele disse aquilo mais como um conforto do que como algo em que acreditava, como se tentasse convencer a si mesmo, afinal, eram boatos tão incerto quanto os que tivemos antes deles. Eu, depois disto, meneei a cabeça negativamente, também frustrando essa prerrogativa, e acrescentei:

– Eu vi como e-estão as coisas, Dinter-Dim. Não te-temos tanto tempo assim. T-tudo está um caos, a Cidade-Forte está a b-beira de um colapso, a muralha vai f-fender logo e nada mais estará entre Ma-Malcon e o M-Muro da Realidade.

Ele respirou profundamente diante de tais notícias, cada vez mais pesado, e fechou os olhos talvez procurando forças. Depois de uns segundos, respondeu tentando ser firme e convicto:

– Então nós teremos que estar, Tine. Nós estaremos entre Malcon e o Muro. Nós. E ficaremos até o fim! – Ele suspirou e olhou para fora da caverna. – Uma coisa Lila me fez perceber hoje: essa guerra vai nos custar tudo que temos, e tudo o que temos é nossa maior arma, então usaremos até o fim.

Aquilo, sem dúvida, soou encorajador e me fez assentir para o bobo, mesmo que ele não estivesse me olhando. Então, depois disso nada mais dissemos. O clima entre nós três ainda estava pesado pelo luto e seria preciso algo que não fosse outro problema para nos animar. Infelizmente não tínhamos isso, então ficamos quietos sem muitas opções, esperando a chuva passar. Mabel e eu nos aproximamos uma da outra e tentamos nos aquecer, embora as roupas molhadas não ajudassem. Dinter-Dim ficou num canto, pensativo com seus sininhos, e nada mais que a chuva lá fora parecia se movimentar.

Ali estávamos seguros pelo tempo necessário.

Mas não muitas horas depois a chuva começou a dar sinais de enfraquecer e assim as nuvens negras foram clareando até que a cortina de gotas deu lugar a uma garoa fraca, que depois de talvez mais uma hora deu lugar ao sol ameno com seu toque quentinho. Assim nós três saímos da caverna para nos aquecer e, alguns minutos depois, já estávamos bem melhores, sem tremer ou bater os dentes de frio. Dingow também saiu para o sol, como todos os pelos e as penas ouriçados, e enquanto secava, conseguiu caçar algumas cobras que rastejavam nas poças por ali por perto.

– Certo, agora vamos traçar planos – Dinter-Dim disse quando voltou a calçar os sapatinhos que tinha exposto numa pedra a fim de secar. Ele subiu numa rocha alta e estreitou os olhos como se procurasse algo ao longe. – Deixe-me ver, hum... Deixe-me ver... O céu ainda está cheio de nuvens por aqui... – ele balbuciou enquanto girava. – Não dá pra ver muito bem, mas... Ah! Ali está, logo mais a leste! Dulin fica naquela direção.

Ele apontou e eu olhei e vi muito ao longe, bastante borrado, um pico pequeno do que pareciam uma enorme montanha a quilômetros dali. Era diferente daquelas em que estávamos e das outras que eu já tinha visto até então porque era alta e poderia nem ser chamada de montanha, pois tinha o pico além das nuvens mesmo vista de tão longe.

– Temos que chegar lá em dois dias, no máximo – ele acrescentou. – Se fosse a cavalo, esse prazo seria loucura, mas voando conseguiremos.

– E teremos alguma parada até lá?

– Bem, eu acho que no fim desses cânions – ele apontou na mesma direção – tem mais um ducado dos NicBlood, mas depois dele, apenas Aileen ficará entre nós e a montanha de Dulin, e mesmo assim Aileen já fica quase lá.

– Poxa, mas nós estamos sem provisões, você sabe né? – Mabel informou, preocupada e em tom de aviso.

– Eu sei, nós podemos...

– Esperem! – interrompi. – Catterick me entregou algo. Pode ser comida.

Corri até a entrada da caverna, onde eu havia deixado o pacote pesado que o chefe do clã tinha me dado e do qual eu só lembrei naquele instante. O bobo e Mabel me acompanharam e ficaram observando sobre meus ombros enquanto eu desenrolava o tecido de couro preso com cordinhas. A princípio tive esperanças de que seria mantimentos como comidas, roupas e talvez até ferramentas para nos ajudar a montar tendas ou coisas assim, considerando o peso que o embrulho tinha, mas não era nada disso. Quando puxei o couro, vi que eram armas, e pareciam armas da melhor qualidade, novas e polidas. Arregalei meus olhos admirados e não cheguei a olhar para Dinter-Dim nem Mabel, mas podia apostar que eles também fizeram o mesmo.

Bem em cima tinha um machado de duplo corte, porte médio, cabo escuro e diversas linhas que se cruzavam desenhadas no metal. Abaixo dele, uma lâmina grande de um punhal de ponta fina, aparentemente bem amolado, refletiu a luz do sol em nossos rostos. Depois estava um arco e duas – apenas duas – grandes flechas bonitas, com pontas afiadas de prata brilhosas e penas nas extremidades opostas, bem entalhadas na madeira resistente.

Diante disso, a única pergunta que ousou sair de mim foi:

– Por que Catterick nos daria armas assim? Não são as nossas. – E passando para Dinter-Dim o machado e para Mabel o punhal, acrescentei: – Acham que ele errou de pacote?

Quando me virei, eles olhavam para as armas um tanto confusos, mas depois que trocaram olhadelas um com o outro, sacudiram a cabeça em negativa e trocaram as armas, o que os deixou bem mais contentes, pois de fato Dinter-Dim manusearia muito mais facilmente um punhal do que um machado.

Mabel, depois disto, me respondeu:

– Vai ver essas são melhores que as que tínhamos, não acha? – Ela admirava os detalhes na lâmina do seu machado com um sorrisinho de canto.

– Nada disso – o bobo retrucou. – As que tínhamos eram armas reais da Corte, não tem como essas serem melhores.

– Bem, a não ser que queira voltar lá pra pegar, essas vão ser as melhores que temos daqui em diante – Mabel disse e ele cedeu.

– Isso é verdade. Um punhal é melhor que nada.

Quando o consenso entre eles pareceu estabelecido, eu me voltei novamente para o pacote e tomei o arco e as flechas nas mãos, afinal, de nós três eu era a única que tinha aprendido com Ernet a usá-lo. Contudo, ao fazer isso, percebi que em baixo havia outro embrulho num pano mais fino e discreto. Estranhei porque não parecia volumoso, por isso o abri sem cerimônias e, quando contemplei o conteúdo, até duvidei do que meus olhos viram. Era uma bela espada, sua lâmina era espelhada e escura, tão negra como a noite, e tinha inscrições em símbolos parecidos com runas, mas sem dúvida não eram runas. Ela brilhava refletindo luz, como se tivesse sido polida por anos, e era adornado com um cabo prateado com detalhes em arabescos, parecidos com os do machado que agora pertencia a Mabel.

Por amor aos quatro clãs! – Dinter-Dim exclamou atrás de mim, fascinado quando a viu também. – Isso é uma espada de Yllen! Uma espada de Yllen, Tine! Não acredito nisso...

– Espada de quê? – Mabel retorquiu, confusa.

– De Yllen – o bobo repetiu sem se importar muito. Enquanto isso, eu me levantei erguendo-a com facilidade diante de mim e contemplando meu reflexo ser projetado na lâmina negra. Ambos me seguiram: Mabel e o bobo, que não parava de falar: – Yllen é um material encontrado na decomposição dos ossos de dragões. É muito resistente e não pesa quase nada. – E quando ele disse isso, eu realmente notei que parecia que eu estava segurando uma simples ferramenta de jardinagem, tão maneira a espada era. – Essas armas eram usadas pelos Magos antigos, implacáveis na guerra. Lideraram os pacificadores de Penina. Elas foram produzidas com alta magia e não existe mais nenhuma delas hoje em dia porque só os Magos conseguiam extrair o Yllen e os dragões sumiram de Penina há anos. Era sabido que os Mestres de Dulin guardavam algumas nas Câmaras, com muita segurança, mas não passava de contos. A maioria das espadas se perderam nas guerras de séculos atrás e, mesmo assim, isso já estava quase virando uma lenda. – Ele fez uma pausa e acrescentou: – Tine, você está segurando um dos artefatos mais raros de Penina.

Eu nada respondi, mas talvez isso tenha me deixado mais empolgada ainda. Apenas sorri e então ergui a espada bem alto e depois fiz o movimento de um corte no ar, como Ernet tinha me ensinado. Ela era diferente das espadas com as quais eu tinha treinado: era muito melhor.

– Ela não pesa quase nada – eu disse, sem conseguir deixar de sorrir. – Parece frágil, mas sinto que... – Fiz um movimento de girar, passando ela por trás da minha cabeça e encerrando o golpe com uma investida de sua ponta contra o ar. – Ela me passa segurança – conclui, sem parar de sorrir.

– Esperem... Por que Catterick nos daria algo assim tão raro? – Mabel questionou e isso seria o óbvio a se fazermos caso Dinter-Dim e eu não estivéssemos tão distraídos com a arma. Só então nós paramos e pensamos.

– Vai ver que ele nem sabia que a espada estava no pacote – Dinter-Dim sugeriu primeiramente.

Mas então, diante do comentário dele, algo me perpassou pela lembrança e a resposta me veio quase instantaneamente.

– Talvez Catterick nem soubesse da espada. Talvez nem a espada e nem o pacote fossem dele – afirmei, estalando o dedo. – Pode ser que Dâna tenha mandado Catterick nos dar. – Fiz uma pausa. – Faz sentido, não faz?

Os dois me fitaram de cenhos crispados e céticos.

– Tine, sinto muito, mas a pergunta só muda de pessoa – Mabel argumentou. – Se for assim, então por que Dâna nos daria a espada?

Contudo, eu a interrompi antes que ela terminasse:

– Mabel, pense comigo: Dinter-Dim acabou de dizer que os Mestres de Dulin ainda guardam algumas dessas espadas, mesmo que isso sejam só contos. Mesmo assim, nós sabemos que Dâna e Celina roubaram as Câmaras de Dulin há alguns anos atrás e fugiram de lá com artefatos valiosos, o que me leva a crer que muito provavelmente...

Dinter-Dim entendeu meu raciocínio e completou:

Elas pegaram uma dessas espadas! É isso. Dâna deve ter guardado essa aí e agora nos deu.

– Faz sentido – comemorei. – Era por isso ela queria tanto que viéssemos primeiro para o clã NicBlood antes de irmos pra qualquer outro lugar.

O bobo acenou.

– Ótimo – Mabel entendeu e pareceu mais feliz com isso –, então agora poderemos viajar seguros e armados, só precisamos encontrar provisões.

– É – eu concordei, embora agora estivesse admirando as inscrições na lâmina, feitas com pequenos traços finos. Pareciam dizer algo, então não pude deixar de perguntar: – O que é isso, Dinter-Dim? Não são as runas germânicas que conheço, nem parecem hieróglifos também. Querem dizer alguma coisa?

– Bem, runas e hieróglifos eu não sei o que são, mas isso aí é Avriet escrito. Os símbolos são chamados de têkzênos no Avriet e de tsûlees na língua dos povos d'além do Errante.

Fiz uma pausa para processar a informação. Havia mesmo outras línguas em Penina?

– Essa forma de escrita parece ser bem arcaica – exclamei, não com desdém, mas admirada e interessada por ver o dialeto que eu tanto tinha ouvido Dinter-Dim falar de forma escrita.

– Foram entregues aos Magos por uma raça há muito tempo extinta. Eles eram chamados de Elafins, era um povo sábio que possuía a magia bem como os Magos, mas a sede de superioridade dos Filhos do Pó os levou a ruína. Tudo que temos hoje sobre os Elafins são histórias e, bem, o Avriet como prova de que eles realmente existiram.

– E o que diz aqui? – perguntei.

– Deixe-me ler – ele puxou a lâmina, se esticando para vê-la e eu baixei a espada à sua altura. Depois de alguns segundos avaliando, concluiu: – Aqui diz algo como "A mais antiga de todas, tem o poder de controlar, das chamas à armadura que a ela se apresentar." – Ele fez uma pausa como se não entendesse. – Estranho. Deve ser alguma dedicatória de quem a forjou. Isso era comum no passado.

Eu dei de ombro porque se ele não tinha entendido nada, muito menos eu. O importante agora é que tínhamos como nos defender e isso me deixava bem mais segura.

Mabel, então, nos chamou:

– Bem, eu acho melhor nós irmos, que tal?

E assim nos apressamos em arrumar nossas coisas. Dinter-Dim prendeu seu canivete no cós, Mabel pendurou seu machado nas costas e eu, além do arco e das duas flechas, também pus a mais nova espada no cinto sob minha capa. Nunca pensei que ficaria feliz por carregar uma espada, mas Ernet com certeza ficaria se me visse com aquela.

Então saímos andando sobre o terreno acidentado, pulando pedras e contornando rochas, poças de água e gramas lamacentas, isso porque Dingow ainda não estava completamente enxuto e queríamos poupá-lo de mais esforços, afinal, voaríamos muito quando saíssemos dali.

Em um certo ponto da altura em que estávamos, foi possível ver partes de um dos ducados dos NicBlood entre as montanhas altas, mas ele estava muito abaixo de nós, borrado entre a neblina que ainda cobria alguns penhascos. Não demorou para o sol abrir completamente e alguns pássaros passarem voando sobre nossas cabeças. Eu acredito que já estávamos com mais da metade da tarde quando finalmente alcançamos o penhasco final do cânion. A paisagem dali era deslumbrante, pois do alto eu pude ver colinas – algumas cobertas por garoas finas – lagos irregulares – talvez mais cheios por conta do temporal anormal – e córregos que escorriam das partes mais altas das montanhas, espumantes e barulhentos.

Descemos por um declive de pedras verdes, cobertas de musgo, e este seguia rente à montanha até que os paredões se tornavam apenas ondulações que nos permitiam ter acesso ao solo baixo novamente. Dali eu vi as próximas montanhas para as quais iríamos tão longínquas que pareciam apenas pequenas colinas e, ao procurar o pico de Dulin, já não o via mais.

Droga, droga, droga! – Dinter-Dim resmungou alto e com raiva atrás de nós, depois de um longo tempo em silêncio. Olhamos para ele assustadas. – Malditos sejam aquele Flagelos! Malditos sejam todos eles! Droga! – repetiu.

– O que foi? – Mabel perguntou primeiro do que eu.

– Não vamos conseguir provisões no ducado porque todo o nosso dinheiro ficou para trás.

– Ah, meu Deus! – ela lamentou, olhando para cima e fazendo careta com os ombros arqueados. – Tava bom demais pra ser verdade. E agora?

Chateado, o bobo tirou o chapéu e o lançou no chão, praguejando novamente contra os Flagelos. Os sininhos dourados, presos às pontas, tilintaram quando bateram na rocha mais próxima, então me veio uma ideia...

– Dinter-Dim, de que são feitos esses seus sininhos?

– São feitos de... – Ele bem que começou, mas então me olhou desconfiado. – Espera. Não! Nem pensar, não vai não.

– Sim, eles são de ouro – eu deduzi, mesmo que ele meneasse o contrário. – Podemos trocá-los por alimentos. Vamos, Dinter-Dim, você não tem opção ou então morreremos de fome.

Isso é um absurdo! Deve ter outro jeito. – Ele correu e pegou o chapéu de novo, repondo-o na cabeça com todo ciúme do mundo. – Esses sinos são mágicos, sabia? Não são simplesmente de ouro, Cornélio os fez e me deu antes de ir para o outro lado do Muro. Não vou vendê-los por... por comida! Eu pareceria ingrato – ele concluiu aquilo com absurdo.

– Eu não estou pedindo que você venda todos os seus sinos. Se eles são mesmo mágicos, vão valer bastante e talvez um ou dois já sirva.

– É, Dinter-Dim – Mabel tentou intervir, sorrindo um pouco pelo jeito birrento com que ele defendeu o próprio chapéu. – Por favor, precisamos comer.

Ele ficou calado, pensando de braços cruzados e sem nos olhar. Torci para que ele acabasse cedendo, porque caso contrário, minha segunda opção seria obrigá-lo a dá-los sob ordens da quais eu sabia que ele não poderia quebrar, afinal, ele ainda era meu druida. Mas por fim ele cedeu:

– Tudo bem, mas não mais que dois, certo? As propriedades mágicas deles podem ser perigosas nas mãos erradas.

– Certo – comemorei e então continuamos a descer o cume daquele morro para contornarmos a montanha em direção ao ducado que vimos lá de cima.

Ao chegarmos nele, quase muitas horas depois, observei que a organização das casas naquele ducado, e o modo de vida, não eram quase nada diferentes de onde tínhamos vindo, embora a população ali fosse bem menor – quase a mesma de uma vila cercada de plantações e fazendas de gado. Acabamos descobrindo também que o temporal ali tinha inundado boa parte das casas e muitas pessoas estavam tirando suas coisas de dentro delas. Não tinha restado plantação nenhuma e os bichos corriam soltos pelas ruas. O prejuízo só não foi maior graças a primeira colheita que eles já tinham feito antes do festival de Nirva.

Mesmo assim, foi umpouco triste vê-los tão desolados, porém, mesmo diante da confusão – da qual jáestávamos conscientes de que não era só ali, mas em muitos outros lugaresPenina a fora, fossem por quaisquer outras catástrofes –, fomos rápidos emconseguir o que queríamos em troca dos sininhos mágicos de Dinter-Dim, pois oscomerciantes estavam vendendo suas coisas a preços baixíssimos. Depois disso,partimos quando já era quase final de tarde e o sol já estava se descendo epintando tudo de um tom alaranjado no céu.

Continue Reading

You'll Also Like

1.4K 294 17
Você fará parte dessa história, mas antes... Qual desses reinos será o seu: Reino da Água? Da Terra? Talvez o do Fogo? Ou até mesmo o Reino do Ar. Tu...
58.9K 6.3K 15
Marinette é apaixonada por Adrien assim como Chat Noir é apaixonado por Ladybug. Mas após um acontecimento, esse ciclo de paixão é quebrado, dando lu...
212K 20.5K 20
Em meio às obrigações de Ladybug e, agora, de guardiã dos miraculous, o que Marinette menos esperava naquele momento era receber uma visita de Chat N...
95.9K 9K 49
#Antes de começarem a ler aviso que essa é a continuação de " Eu Também Mudei" ... Então para quem não leu sugiro que leia a outra primeiro para ente...