Agora viveremos apenas de fanfics, mas sempre se lembrem que Lutávio estará sempre vivo nos nossos corações
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Otávio já tinha terminado todos os livros que ele tinha, e mesmo assim ele precisava de mais. Ele adquirira essa adicção pela leitura ainda muito cedo, no orfanato. Só os livros lhe faziam esquecer da horrível vida que tinha, era o único mundo para onde podia escapar de si mesmo e dos seus sofrimentos e de tudo que lhe rodeava. Só a ficção lhe ajudava a encarar sua realidade. Era como em cada página ele pudesse fugir dos seus fantasmas, e não precisasse encarar as pessoas que tanto odiava. Hoje era diferente: os livros eram seus amigos, os únicos nos quais ele podia confiar, e que ele poderia ser ele mesmo.
O major vasculhava a biblioteca de Brandão, sabendo que não teria nenhum livro interessante, mas esperando algo que lhe tirasse do tédio, e ouviu alguém bater na porta do gabinete e logo adentrar ao aposento.
-Já disse que não estou disponível para visitas de civis, soldado. – disse Otávio, sem olhar para o destinatário.
-Uma pena, pois a civil já está aqui. – Otávio olhou para voz feminina e viu Lídia, muito pomposa e com um sorriso travesso no rosto.
-Senhorita Lídia. – cumprimentou Otávio, virando-se para ela e coçando seu queixo. – Devo lembrar-lhe que a dias atrás eu mesmo disse para sua mãe que não poderia vir aqui, por ordens minhas. Se vier aqui não poderemos manter essa história, e seremos vistos como mentirosos. Isso não deve ser bom para uma moça que está a beira do altar.
-Não se preocupe com minha reputação, major, pois sei cuidar dela bem. – Lídia se sentiu na cadeira mesmo sem ser convidada, e Otávio segurava o riso. Essa moça era com certeza uma peça rara. – Vim conversar com o senhor.
E sem avisar, ela se levantou da cadeira subitamente, de maneira teatral, entrelaçando seus dedos e andando em passos largos pela sala, como se estivesse a ponto de soltar um grande segredo. Otávio se encostou na sua mesa e colocou a mão no queixo, esperando pela novela que Lídia lhe recitaria.
-Eu quero lhe contar uma história, algo que nem meu querido Randolfo sabe. – Lídia virou-se mais uma vez para Otávio e balançou a cabeça, como se fosse necessário. – Mas acredito que o senhor gostará da história.
-Certo. Então diga-me. – disse Otávio.
-Eu tinha uma grande amiga nos meus tempos de escola. – disse Lídia, no outro extremo da sala. – Ela se chamava Mariko. Ela era oriental e era muito inteligente, estávamos sempre juntas. – Lídia sorriu ao relembrar da moça. – Muito gentil e prestativa. E então, a alguns anos atrás, ela teve que ir embora. Seus pais mudariam de cidade e ela teria que ir junto. Eu fiquei devastada.
Otávio teria ficado com pena de Lídia se nesse momento ela não tivesse levantado o braço e colocado afrente de sua testa, tentando demonstrar tristeza e desamparo.
-Quando ela foi embora, ela me deixou uma carta, que eu li apenas uma vez antes de joga-la na lareira. Ninguém nunca poderia ler aquilo, mas eu lembro cada palavra até hoje. – Lídia se aproximou da mesa e colocou suas mãos ali, encarando Otávio.
-E o que dizia na carta? – Otávio tentava demonstrar interesse, mas era impossível diante da trama tão rasa que era a separação de duas amigas.
-Ela me disse que sempre me amou...como mulher. – disse Lídia, entoando a última parte lentamente, para que o major entendesse o que ela tentara dizer.
Ali estava! E então Otávio virou os olhos para Lídia, dando atenção para sua história.
-Mariko era apaixonada por você? – Otávio sussurrou a pergunta, pois sabia que um questionamento desse tipo não podia ser feito em voz alta.
-Sim. Foi uma carta extensa, onde ela falou todo o sofrimento que passou por anos, e que certa vez que ela dormiu em minha casa e passou a noite me admirando. – Lídia tentava manter a compostura, mas o fato de ter tido uma pessoa do mesmo sexo apaixonada por ela talvez lhe desse certo orgulho, pois Lídia reprimia um sorriso e tinha uma postura altiva e confiante.
-E o que aconteceu com ela? Nunca mais soube notícias? – perguntou Otávio, não refreando a curiosidade.
-Pouco depois da minha festa de noivado com Randolfo ela me mandou uma carta. Sem endereço e sem remetente, mas eu sabia que era ela. – Lídia tirou um pequeno bilhete da sua bolsinha rosa e passou para Otávio. Dava para se ver as mãos do major tremendo de empolgação.
"Lídia Benedito,
Soube do seu noivado com um militar, fico muito contente por você, minha querida amiga. Mesmo nunca tendo sido correspondida, te estimo o melhor e que tenha uma vida próspera e feliz.
Prefiro não dizer onde estou, mas saiba que estou feliz. Conheci a pouco tempo também o grande amor da minha vida. Ela se chama Amélia, faz bolos e quitutes (tão gostosos quanto os de sua mãe) e vende alguns numa pequena padaria da cidade. Dissemos a todos da cidade que somos primas e moramos na mesma casa. Não podemos sair de casa de mãos dadas nem nos beijarmos com as janelas abertas, mas não posso reclamar. Amo e sou muito amada.
Quero agradecer por ter me propiciado descobrir quem eu era de verdade. Espero que o amor te encontre como eu o encontrei."
Otávio tocou naquele pedaço de papel como se ele fosse um tesouro. Uma vida fora descrita ali, e dava para sentir que quem escrevera aquilo estava plenamente feliz, e que exalava paixão. O major pigarreou antes de entregar a carta para Lídia, fazendo-se de confuso.
-Não entendi por que está compartilhando esse momento comigo. – disse Otávio.
-Porque você tem que abrir os olhos, major. – Lídia estalou os dedos em frente a Otávio, fazendo-o piscar os olhos, em surpresa. – Eu encontrei meu amor Randolfinho, Mariko encontrou o dela, que pode ser mal visto pelas pessoas, mas quem liga? – Lídia cruzou os braços e olhou diretamente nos olhos de Otávio. – Se você se permitir amar, vai aceitar o amor como Mariko aceitou.
-Eu sinceramente não estou entendendo o que você quer dizer, Srta Lídia, mas peço que ateie fogo nessa carta como fez com a primeira. – Otávio disse, tentando não se mostrar abalado. – É o mais prudente.
-Não preciso dela. Fique com a carta, será mais útil para você do que para mim.
E sem mais nada falar, Lídia saiu da sala, espanando a calda do seu vestido, deixando um major entre chocado e encabulado. Mesmo sem achar sensato, Otávio pegou a carta de Mariko e guardou-a dentro do livro de Sherlock Holmes.
À noite, Luccino não conseguia dormir de jeito nenhum, ele bolava pela cama, como se tentasse espantar um espírito ruim que o rondava, mas nada adiantava. Era dentro de si que estava a inquietação, aquela serpente que balançava seu gizo a cada instante em que o rapaz se permitia pensar em outras coisas, uma corda que o puxava todos os dias para um sentimento que ele não aceitava ter.
Após muito teimar, Luccino decidiu parar de tentar dormir. Ele iria beber um copo de água, molhar seu rosto, e rezaria várias Ave Marias até cair no sono. O soldado até se sentia mal em colocar Deus no meio, mas ele precisava dormir e fingir por mais um dia esquecer dos sonhos que tinha todas as noites. Sonhos que envolviam carícias abaixo da cintura e suas mãos fortes e grandes tocando um peitoral desnudo e peludo.
O italiano desceu as escadas com cuidado, para não acordar ninguém, e se dirigiu a cozinha. Bebeu água lentamente, pensando em tudo que teria para fazer amanhã, e que essas horas em vigília lhe causariam problemas pela manhã. Após dois copos, ele continuou sua caminhada pelo escuro e silencioso corredor, indo em direção ao banheiro. Um pouco de água no rosto e na nuca lhe ajudariam a acalmar-se e logo estaria em sua cama, dormindo feito um anjo.
E ao entrar no banheiro, ouviu o barulho de chuveiro ligado. Estranho, porque ele viu, ao sair do dormitório, que todos estavam lá, e dormiam igual pedra. Ninguém tinha o costume de acordar no meio da noite, ainda mais para tomar banho, a água devia estar geladíssima. Isso intrigou Luccino, e foi o que lhe fez olhar através da coluna mais próxima para ver com quem dividia a insônia.
O homem estava de costas, dava para sentir dali o quão fria estava aquela água, e ela batia com força no corpo do homem. Ele passava as mãos nos cabelos e se ensaboava sem pressa, afinal não havia problema demorar no banho. Luccino nunca tinha notado que as costas dele eram cheias de cicatrizes, e como parecia macia ao toque e ao mesmo tempo dura a sua musculatura. Ao levantar mais o maxilar, o homem tinha mais uma vez aquela expressão de paz, algo que ele não tinha coragem de mostrar para ninguém. O rosto do soldado ferveu ao focalizar nas nádegas, firmes, alvas e redondas. Ele nunca tinha visto alguém nu; seu coração acelerou, seus lábios tremiam e suas partes íntimas começaram a dar sinais de vida. Seu corpo o desejava, isso estava mais do que claro.
E Luccino fez o que devia ser feito: na ponta dos pés, ele deu meia volta e foi indo em direção a porta do banheiro.
-Não há razões para fugir, Pricelli. Eu já lhe vi. – Otávio disse, em alto e bom som.