Boa tarde, Zeus ✓

By sofianeglia

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" - "Entenda os seus medos, mas jamais deixe que eles sufoquem os seus sonhos." - O que isso têm a ver... More

intro + sinopse
0. prólogo
1. cite seu livro favorito
2. lute por uma reação
3. cite o que escreves
4. lute para entender
5. cite o amor
6. lute por atenção
7. cite a faculdade
8. lute para que esqueçam
9. cite sua importância
10. lute para ser importante
11. cite a amizade
12. lute para ser só isso
13. cite o que se passa
14. lute por uma tarde inteira - pt. 1
14. lute por uma tarde inteira - pt. 2
14. lute por uma tarde inteira - pt.3
15. cite que não quer mais brigas - pt. 1
15. cite que não quer mais brigas - pt.2
17. cite o que dói mais
18. lute para que não doa
19. cite os sentimentos
20. por ela vale a pena lutar
nota final
OLÍMPIOS REESCRITO!

16. lute para não brigar

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By sofianeglia


16. lute para não brigar

     Aquiles tinha comprado uma TV nova e alguns móveis que ele não precisava, e tudo aquilo parecia ter sido comprado pra ele ter onde colocar lixo.

    Quando eu entrei na sua casa era só isso que eu enxergava: garrafas em cima das mesas, em cima do móvel onde a TV ficava, roupas dele misturadas com de mulheres pelo chão e até mesmo pratos de comida no chão. Sendo que a porta estava aberta não ficaria surpreso se alguém tivesse entrado e roubado alguma coisa.

     O cara estava dormindo no sofá e toda aquela bagunça era demais pra só eu ver. Pegando meu celular eu mandei uma mensagem para Apolo com uma foto do caos que aquele apartamento estava, pedindo pra ele ir lá também, e sem ver a sua resposta fui até o banheiro para pegar o cesto das roupas sujas. 

     Jogando o cesto, que era de tecido, em cima dele no sofá, não tinha o perigo de quebrar o objeto e acordava meu amigo de um jeito bem funcional. 

     — Por.ra! Que merda é essa? — Ele disse, se levantando e tirando o cesto de cima dele e eu estava sem paciência para aquela infantilidade.

     De braços cruzados, olhei Aquiles com o que imaginava ser o sentimento que Iara tinha ao olhar pra ele, mas não tão parecido. Ainda tinha uma simpatia por ele, por mais que ele fosse muitas vezes o pior exemplo de amigo que eu tinha. Ela não tinha isso por ele, e provavelmente nem por mim.

     — Recolhe as roupas, eu recolho o lixo. 

     Virando as costas para ele, fui até a cozinha para encontrar mais louça sem lavar e mais garrafas de cerveja. Me questionei se tinha acontecido alguma festa ali, e eu tinha certeza que ele ia usar aquela desculpa pra todos os restos de bebida na casa...mas era só uma desculpa, ele tinha aumentado mais ainda a bebedeira e isso só mostrava que Apolo não tinha conversado com ele, mas preferi não lembrar do que tinha dito ao meu outro amigo em relação ao irmão. 

      Me lembrava muito de outra pessoa e o mesmo discurso que eu tinha usado. 

      Balançando a cabeça, abri uma das gavetas da cozinha e peguei um saco de lixo grande, começando a juntar todas aquelas merdas. Cada garrafa que eu colocava, o barulho de vidro contra vidro fazia Aquiles reclamar. Estava com dor de cabeça ele dizia, enquanto se arrastava pra juntar as roupas dele e chutar as das mulheres para um canto. Olhava tudo aquilo com mais estranheza que eu e fazia com que eu quisesse sacudir a sua cabeça, só pra ver se, ao mexer o cérebro, o fuzil de noção acendia de volta.

      Terminando de limpar a cozinha e recolher todas as garrafas, inclusive as que estavam empilhadas em um canto, fechei o primeiro saco de lixo e peguei outro, indo para o resto do apartamento. Aquiles tinha jogado as roupas de qualquer jeito no cesto e estava prestes a sentar de novo no sofá quando Apolo entrou pela porta que ainda estava aberta. Ele não foi falar com o irmão, não tinha rosto irritado nem nada, tão acostumado quanto eu com o jeito de Aquiles. 

     Ele veio e pegou um saco de lixo e foi juntar as coisas que provavelmente estava no quarto. Foi aí que Aquiles se levantou e foi ajudar, não deixando Apolo entrar no quarto dele, só no outro que era o seu antigo e atualmente de hóspedes. 

     Foi rápido com os três juntando as coisas e logo a entrada da casa estava com quatro sacos de lixo cheios de garrafas de cerveja e latinhas, além de papelões de pizza que tinham sido desenterrados dos quartos.

     Mas, claro, nunca parecia ter fim, mesmo depois de juntar todas as tralhas que Aquiles deixava, então eu voltei para a cozinha e comecei a lavar a louça enquanto os outros dois sentaram na mesa, Aquiles reclamando ainda sobre dores no corpo, "principalmente no abdômen", e Apolo mexendo no celular.

      A água estava gelada quando eu comecei a lavar tudo aquilo, começando com os copos. Minhas juntas já estavam saradas, minha mão não tinha nenhuma mancha de sangue desde uma semana antes, ou até mesmo um pouco mais. Tinha perdido a conta dos dias, além de todas as outras coisas como a minha mente. 

    Só sabia que naquele dia, algumas horas dali, estaria com sangue nas mãos de novo e se eu deixasse aquele único sentimento de raiva aumentar, diria que o meu peito estaria com um buraco de bala. 

      — Posso saber qual o motivo de vocês estarem aqui? — Aquiles começou. — Porque, agora que tudo já está organizado, eu posso começar a preparar pra festa do final de semana e vocês estão convidados somente a se retirar. 

      Sua voz parecia cansada e ele sabia cobrir o fato de sua fala estar ainda um pouco arrastada, mas tudo aquilo só fazia eu confirmar cada vez mais que eu estava perdendo a minha mente. 

      — Não precisa falar como se fosse a Iara... — Comentei antes de perceber o que estava fazendo e ainda que estava sorrindo só de pensar em todas as vezes que ela falou séria e sem emoções comigo, com palavras complicadas e pomposas demais, e o momento exato onde ela gozou pra mim, se livrando de toda a seriedade. 

       O silêncio foi maior depois do meu comentário e eu só conseguia focar na água que eu usava pra enxaguar os pratos antes de colocar eles no escorredor de metal. 

       — É muito estranho ele comentar sobre ela. — Apolo disse, mas não estava falando comigo. 

       — Né? Que bizarro... Sabe, ele nem tem saído com as gurias que eu arranjo pra ele. E olha que elas são insistentes.

       — Ele não sair não significa nada, Aquiles. — Apolo disse, me defendendo, e eu queria acreditar no que ele estava falando. 

       — Significa sim! — Aquiles retrucou, mas logo reclamou de dor quando sua voz aumentou um pouco. 

        Fechando a torneira por um pouco, me virei com as mãos molhadas ainda no balcão da pia. Eu não conseguia rir com aquilo tudo e estava odiando falar sobre Iara, o que fazia eu odiar mais ainda que não era pelos mesmos motivos que antes. 

      — Vocês tão viajando. — Falei, negando com a cabeça e voltando para os pratos e talheres, tentando mostrar que não importava nem um pouco com a situação, mas Aquiles sabia que quando eu não me importava de verdade eu nem respondia, o que fez ele começar tudo de novo. 

       — Isso é muito estranho. Vocês tem saído? Eles têm saído? — Perguntou primeiro para mim e depois pro irmão. Eu forcei a resposta que eu tinha pra dentro da garganta e deixei Apolo responder. Se fosse Aimée estaria mais ferrado. 

       — Amada comentou sobre eles terem almoçado ou alguma coisa assim, mas acho que é porque causa dos gêmeos. 

       Com a resposta dele, fiquei tranquilo apenas por alguns segundos. 

      — Tu saiu com ela? — Aquiles perguntou, a sua voz mais perto. Olhando para trás ele estava na porta da cozinha, apoiado e com olhos quase fechados, me encarando. 

       Ainda estava sem uma camiseta e agora eu conseguia ver que tinha chupões por todo o seu peito. Às vezes ele não mentia sobre ter se dado bem...

      — Não saí. 

       — Tu saiu! — Ele berrou, apontando pra mim, o que fez eu largar todos os talheres cheios de espuma na pia, fazendo barulho e mostrando a raiva que eu tava sentindo por todo aquele papo. 

       — Qual o problema de vocês? Por que tão incomodando com isso? 

      Minha pergunta foi feita enquanto eu fechava a torneira e virada, me apoiando no balcão. Eu olhava pra eles tentando esconder o quanto estava curioso pelos motivos deles. Será que eu estava demonstrando o que estava sentindo, mesmo sem saber o que que era aquilo? 

      — Vocês vírgula, o Aquiles. Eu só achei estranho...

      — Bem, já que o meu irmão é um idiota, eu admito que to incomodando mesmo. Primeiro porque eu já vi o jeito que ela te olha, certo que ela gosta de ti. Segundo que é muito estranho logo tu falar sobre ela. Se ela te curte e vocês almoçaram... Tá rolando alguma coisa. 

      Ele me examinava enquanto falava, só pra ver se eu tinha alguma reação. Mexendo a cabeça saí da mira dos olhos dele e voltei para enxaguar o que faltava da louça, respirando fundo pra não continuar aquele assunto, porque nenhum dos dois me ajudaria se eu decidisse contar.

      Aquiles sem saber o que era gostar só de uma pessoa e Apolo achando que tudo significava amor só porque ele tinha encontrado a parceira de vida dele, sempre foram horríveis em dar algum conselho. Nenhum deles sabia pelo que eu passei, o que fiz ela passar, ninguém ali sabia como ela era de verdade ou como eu tinha me sentido naquela última conversa que a gente teve. 

      — Iara é uma guria que gosta de drama, ela é a merda de uma escritora. — Comecei, e por mais que usasse certas palavras e uma voz diferente, não deixava de ser verdade. Ela gostava de drama, e eu me questionava se era por isso, no final, que ela tinha se interessado por mim. 

     Não ia ter a coragem de perguntar, do mesmo jeito que não tive coragem de responder ela quando me questionou se eu tinha começado a tentar ela por causa do seu namorado. 

     — Tu pode ser bem dramático às vezes. — Foi a resposta dele. 

     — Ela é um tipo diferente de drama. — E de mulher. 

     — Drama é drama. 

     — Tu tá vendo coisa onde não tem, cara. — Respondi, terminando tudo na cozinha e saindo o mais rápido dali que consegui, pegando minha mochila e sentando na mesa. De dentro dela, peguei o meu celular pra ver se tinha recebido alguma mensagem, mas não tinha nada, nem das crianças. 

      Aquiles veio até a mesa e sentou de novo, esfregando o rosto. — Eu acho que não seria nada mal transar com ela, pelo menos. — Deu de ombros. — Tu já viu aquela bunda? 

      Aquele comentário tinha sido demais até pra ele, e eu sabia que era porque ele queria ver alguma resposta de mim e eu tinha dado exatamente o que ele queria. Meus olhos foram até o rosto dele, eu senti meu pulmão aumentando a velocidade da minha respiração e tudo o que eu queria era socar a cara do meu próprio amigo por ele falar assim sobre Iara. 

      Nenhuma mulher das que ele ficava ele tratava desse jeito, qual era o problema dele? 

      Me levantando, peguei minhas coisas e decidi que ficar ali não era uma boa ideia.

      — Vocês que fiquem. — Disse, antes de bater a porta que ainda estava aberta. Ele não tinha nenhuma noção e se fosse pra continuar aquilo durante a nossa tarde preferia sair mesmo. 

     Indo pelas escadas, saí do prédio deles e simplesmente comecei a caminhar pelo bairro, tentando esfriar a minha cabeça e tentar esquecer por um segundo o que que estava acontecendo. 

      Porque pra mim não era só pensar em todas aquelas merdas, era tentar achar uma resposta pro que eu tava sentindo sem saber onde começar. Eu sabia lutar, e era isso, não tinha nascido pra ir pesquisar motivos ou entender o que fazia as pessoas sentirem. O que os outros faziam na vida dos outros. 

    Dando a volta na esquina, ajeitei minha mochila e peguei meu celular pra ver se tinha alguma mensagem. Eu não precisava analisar tudo aquilo pra saber que era porque eu queria uma mensagem dela. Alguma coisa que fizesse eu não dar o braço a torcer. Alguma coisa que fizesse eu ir visitar aquele apartamento todo arrumadinho que, pela primeira vez, tinha sido mais casa pra mim do que a minha própria casa. 

     Aquele pensamento fez eu balançar a cabeça de novo, tentando limpar o meu cérebro de ideias daquele tipo. 

      E, olhando de novo o celular, acabei conseguindo algo o qual me ocupar.



     — Vamos. — O capanga disse quando eu demorei pra sair do carro. Eles tinham me mandado uma mensagem de um número privado dizendo pra eu esperar eles onde eu estava, o que não era nenhuma novidade. Alli rastreava o celular de todos os seus lutadores.

     Saindo do carro, esbarrei com o ombro no capanga que não reagiu muito bem, me chamando de "filho da p.uta" e vindo pra cima de mim, mas Alli já estava esperando com os seus outros colegas e com uma limpada da garganta dele o cara ficou parado com a mão no ar. E eu ali, esperando pelo soco, pra ver se a dor finalmente me tirava daquele estado, pra lutar. 

     Sem emoção, virei pra Alli e acenei como um oi. Ele tinha dois subordinados dele em cada lado e mais outros três estavam atrás de mim, só esperando que fim aquela conversa ia dar. 

     — Como estamos nos recuperando? Vejo que o olho está bem. — Ele disse, arrumando as mangas do seu terno e apontando para o meu rosto. Eu só concordei, porque eu estava bem. Meu corpo já tinha se acostumado com a recuperação das lutas, só precisava saber se não precisaria apanhar de novo sem ter a escolha do que fazer. 

     — Muito bem. — Falou, tirando os óculos escuros que usava. — Se tu sabe fazer contas sabe que como eu fiquei feliz com sua última luta.

     — Eu sei matemática. — Respondi. Com vontade de dizer que, se ele pegasse mais partes do dinheiro das apostas teria saído de lá muito antes, mas não adiantava. Ele já tinha feito eu perder anos da minha vida ali. 

      — Claro. Mas, é que o jeito como tua mãe te tratava... às vezes me esqueço que tu pelo menos frequentou um colégio. 

       Ele sabia, não ia responder aquilo. 

     — Mesmo que ela não tenha te ensinado nada, acredito que Iara tenha? Ela é uma garota extremamente intelectual. 

      — Ela é. — Foi a minha resposta, ou a que eu consegui dizer no meio de dentes presos um contra os outros. 

     Estava ali para saber do dinheiro, era só isso. Alli podia ser qualquer coisa, mas mentiroso ele não era: quando o valor estivesse quitado, eu estava livre e ele iria esquecer de tudo o que eu já tinha feito pra ele, ia me agarrar o quanto eu conseguisse a essa ideia para não me agarrar na que eu não aguentava mais.

       — Quantas lutas faltam? — perguntou baixinho para um dos caras que estava do seu lado, que levantou o dedo mostrando que faltava apenas uma luta para quitar a dívida da minha mãe. 

      Com uma sacudida da cabeça, Alli andou alguns passos a frente. — Não...Duas.

     Eu encarei ele. 

     — Não concorda? 

      Eu tive uma resposta automática. Um dos seus funcionários retirou um revólver do cinto, preparando a arma para atirar em mim, mas eu não estava com medo daquilo, estava mandando todos eles se fu.der.

     — O que mais eu tenho que pagar pra tu me deixar em paz? Eu já quitei toda grana que ela roubou, toda a grana que ela gastou com bebida e droga. — Com cada palavra que eu falava eu dava um passo a frente e os capangas dele imitavam. Ele não saía do lugar. — As últimas lutas foram literalmente pra quitar presentes que tu gastou do teu pra dar pra ela!      

      Gritando já estava com os punhos fechados, e não via mais arma apontada pra mim. Meu coração doía e eu não sabia se era a raiva ou o pedido de que algum deles realmente atirasse. A dor ia me fazer ter a adrenalina e no final, tudo aquilo ia acabar. 

      — Não aumente pra três lutas, Zeus. 

      — Por que tu não me mata logo? 

      Era a segunda vez que eu tinha dito aquilo pra ele. Da primeira vez eu tinha 18 anos, e não via saída alguma para criação dos gêmeos. Eu espanquei Alli, a cada soco que eu dava perguntava pra ele porque ele simplesmente não acabava com a minha vida. Aquilo aumentou o valor e talvez fez com que minha vida acabasse um pouco mais.

      — Por que tu não me mata do mesmo jeito que tu fez com ela? — Perguntei, dando de ombros e virando de frente para o outro que apontava o revólver pra mim. Meus músculos agiam sem eu precisar pensar, mas tudo o que eu perguntava era se aquele sentimento de vazio significava a guerra toda que eu precisava enfrentar.  

      Alli levantou o braço e eu já estava esperando pela bala atravessando o meu peito do jeito que eu tinha imaginado antes. Ia ser uma ironia eu ir embora do mesmo jeito que a minha mãe mas ao invés de dever, ter pago todos os valores. 

     Eu fechei os olhos no momento em que eu escutei o cão da arma sendo abaixado. Notei o barulho da poeira no chão quando o vento batia, o sangue do meu coração tava batendo no ouvido. 

     Mas aí o barulho da arma sendo desativada e de repente eu conseguia respirar de novo. O que estava acontecendo?

      Alli caminhou o que restava até parar do meu lado, limpando a garganta. — Eu não te mato, porque prefiro ver tu sangrando. 

       Com uma mão no meu ombro, Alli me deu dois tapinhas e seguiu até outro carro que estava esperando com apenas um dos capangas acompanhando ele. Com uma palavra final, ele continuou. 

      — Podemos ficar com uma só luta, Zeus. Mas vamos colocar mais hoje nessa conta, sem revidar. 




      Eles me deixaram no chão da rua, na frente do apartamento da Iara, jogando minha mochila em cima do meu corpo doído. 

     Sentia gosto de ferro, a saliva misturada com sangue saindo da minha boca pro concreto. Não sentia meus olhos inchando, mas eu provavelmente estava com uma mancha roxa formando no rosto por causa do chute que eu levei e quebrou meu nariz, o que eles fizeram questão de colocar no lugar só para ver eu sofrendo mais um pouco de dor. 

     Parecia ter sido tão pouco o tempo que eu fiquei naquele lugar, mas horas tinham se passado e eu estava somente sentindo aquele tempo todo nos meus músculos. 

     Tentando levantar, segurei minhas costelas, quase uivando de dor. Arrastei minha mochila até a entrada do prédio, e voltei a sentar no chão de cimento e poeira. Não me mexi e fiquei olhando nas paredes do prédio da frente a luz do sol indo embora. Ela estaria em casa daqui a pouco, e eu não sabia se ia conseguir guardar todas as coisas que passaram pela minha cabeça naquele dia. 

    A dor ajudava pra que eu não me mexesse, mas não era fácil dizer pra ela ficar fora da minha vida, assim como não era fácil ir embora. Por mais que ela ainda esperasse isso de mim.

     O que ela ia falar quando descobrisse que eu realmente não tinha medo de morrer? Ia achar isso mais um mistério? 

      Eu neguei com a cabeça, respirando fundo e ignorando a dor latejante no meu nariz. Não sabia, e minha cabeça doía a cada coisa que eu pensava em dizer ou a cada coisa que eu imaginava ela falando pra mim. 

      Tentei fechar os olhos um pouco, mas aí o barulho de alguém caminhando na minha direção começou, e eu forcei eles fechados, pensando que talvez eu tivesse que ter ido embora mesmo. 

     — Zeus? — Perguntou primeiro. Ela soltou um gemido, mas não era o que eu queria escutar de novo. Caindo do meu lado, começou a tocar no meu corpo, sentindo onde eles tinham batido em mim. Não era o toque que eu queria. 

      Mas os seus lábios tocaram na minha testa, e ela não ficou com nojo de toda aquela sujeira que eu tava. E eu só queria que ela cuidasse de mim e me perdoasse por coisas que eu nem tinha falado ainda e pelas coisas que eu tinha.

      — Zeus. — Falou meu nome, e de repente aquele nome tinha um som diferente. Tocou de novo no meu rosto e devagar começou a abrir meus olhos. 

      Eu conseguia pensar, e meus olhos foram abrindo sem a ajuda dela, mas como que ela conseguia ficar tão linda daquele jeito? Era estranho. 

      — Eu to bem. — Disse. — Só preciso me deitar. 

      Deixando meu peso começar a cair, não consegui porque Iara me parou. 

      — Não, não! — Ela gritou no meu ouvido. 

       Me pegando pelo braço, me ajudou a levantar. Eu conseguia caminhar, por mais que estivesse sentindo meus músculos formigarem e minha cabeça estivesse solta, caindo de um lado pra outro, mas sempre na direção dela. 

      Abrindo a porta de ferro, começamos o mesmo trajeto até a porta do seu apartamento, degrau em degrau, passo a passo. Ela me levou, e eu comecei a esquecer o que que eu estava fazendo ali. 

     — Tu me ligou? — Perguntei e alguma coisa fez os olhos dela crescerem o dobro. 

     — Vamos pra um hospital. — Ela disse quando a gente chegou na frente da sua porta, virando de volta pra descer as escadas, só que eu não podia aparecer assim em um hospital. 

      — Não! — Foi a minha vez de gritar, indo pra trás, caindo no chão. 

      A dor que se espalhou de novo no meu corpo foi o suficiente pra eu recuperar meus sentidos. Apoiando nas paredes, comecei a me levantar e olhei para Iara. Ela ainda tinha os olhos arregalados, as mãos estavam com as palmas abertas e em pé, na minha direção. 

      Seu peito subia rápido e ela estava ofegante, mas parecia ser de preocupação. Ela se preocupava comigo. 

     — Vamos entrar. — Eu disse, tossindo no meu braço e deixando o sangue manchar minha pele de novo, repetindo tudo o que tinha acontecido. 

      Concordando, ela pegou a minha mochila e a sua bolsa que tinham caído alguns degraus, vindo até a porta e abrindo, tudo devagar. Sem entrar, ela pegou meu braço de novo se sujando com meu sangue, e foi me levando pra dentro, até o sofá. 

     Largando nossas coisas de qualquer jeito, fechou com força a porta e foi correndo até a cozinha, voltando com um copo de água. 

     — Vamos lá...— Disse, com cuidado. Não entendia muito bem o que ela estava fazendo, mas ela segurava minha cabeça e não deixou eu agarrar o copo sozinho. Eu tossi nos primeiros goles, quase me afogando com o gosto de ferro que minha boca ainda tinha, mas continuei tomando e ela continuou me ajudando. 

     — Obrigado. — Falei, fechando meus olhos forte e depois abrindo eles mais que o normal. Eles estavam secos, pesados, mas eu estava começando a sentir uma força a mais. 

      Iara me encarou e foi até a cozinha de novo, pegando outro copo e algo da geladeira. Voltando pra minha frente, ela se ajoelhou e me entregou um copo de suco de laranja e um bolo gelado. 

     — Vamos lá...

     O olhar assustado e grande não tinha saído ainda do rosto dela, e eu peguei tudo aquilo pra comer. Como um arrepio, a comida desceu meu corpo como energia, e minha visão começou a melhorar. 

     — Agora sim. — Foi o que ela falou, mais calma, mas voltando pra cozinha e pegando algum pano e molhando ele na torneira. Quando ela voltou, eu só fiquei olhando pra ela pedindo desculpas sem falar.

      Segurando a sua mão antes que ela começasse a limpar meu sangue mais uma vez, fiz com que ela realmente me olhasse. 

     — Eu preciso conversar contigo. 

     — Não precisa ser agora. — Ela respondeu, tirando o seu braço da minha mão e se afastando de mim ficando em pé e depois sentando na mesa de centro da sala. 

      Ela não conseguia mais esconder pra mim o que que ela tava sentindo, e por isso que os olhos dela começaram a lacrimejar e logo ela estava chorando, limpando as lágrimas mas nunca escondendo o rosto de mim. 

      Eu voltei de novo na tenda das lutas, quando ela começou a chorar pela primeira vez naquele dia e eu percebi que nenhuma das vezes era igual. Uma era porque ela tinha ficado triste com os meus machucados, outra porque ela não entendia como aquele acontecia. Ela sentia as dores junto, o que era bem incrível, mas assustava. Se ela sentia tanto por mim, como será que ela ficava quando estava triste porque alguém magoou ela? Quando eu magoasse com o que eu tinha pra falar? 

      Não era obrigado a nada, não precisava falar nada. Mas... era a única coisa que tinha força dentro de mim. 

      — Eu ainda tenho uma luta. Só uma luta. 

     — Zeus, eu não preciso saber. — Respondeu antes de eu continuar, limpando mais lágrimas que caíam. 

     — Eu sei que não. — Mas por que eu quero tanto contar?      

     Acenando com a cabeça, decidi ficar calado e deixar ela cuidando de mim enquanto eu não tinha coragem de admitir, por exemplo, que ela fazia eu virar um hipócrita por não tomar atitude.

     Admitir que talvez tenha sido mesmo a rixa com Rodrigo que me deu o empurrão inicial a tocar o corpo dela, só pra ver o que que ela ia fazer. 

     Admitir que, tudo o que eu tinha feito naquele dia, me entregando sem pensar nas consequências, me fazia mais hipócrita ainda, porque eu acusei ela de ser a distração das coisas importantes. 

     Era difícil entender que, o simples fato de a gente ter brigado e passado uma semana longe, tinha feito eu parar de pensar direito e ter pedido pra que me matassem. 

     Talvez fosse melhor eu deixar de lado, então não falei nada e ela continuou ali, cuidando de mim, fazendo eu admitir várias outras coisas e começar a pensar se ela tava mesmo ali comigo por causa do drama que era minha vida.


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