Um dia se passou e lá estava eu, deitado em minha cama com as mãos embaixo de minha cabeça apoiada em cima do travesseiro, encarando o teto enquanto enrolava para não levantar, apenas refletindo sobre como tinha sido o meu dia de ontem e relembrando do dia em que fiz minha matrícula, que comprei minhas calças no shopping e que compareci à palestra.
Comecei a lembrar do escorregão que dei no banheiro e de Ethan que eu não tinha conseguido ter visto ontem. Depois de um tempo lembrei rapidamente da menina chamada Gabriela que havia me cumprimentado no grupo da professora de música Clarice no dia da palestra, apenas um dos tipos de pensamentos aleatórios que de vez em quando passa pela minha cabeça e que logo em seguida esqueço.
— Já levantou? O café está quase pronto — avisou minha mãe passando pela porta — Nicholas Andrade, o senhor ainda não levantou da cama? Pula logo pra fora daí garoto e vai se arrumar!
— Ok, tudo bem mãe calma!
— Assim é melhor! Vamos!
Me arrumei correndo e fui à escola, sendo recebido logo na entrada por Vinicius.
— Bom dia garotão! — ele saudou colocando o braço em meus ombros enquanto íamos para dentro da escola.
Gostei de já termos este certo nível de amizade para que ele colocasse seu braço em meus ombros. Nunca tive amigos homens em minhas escolas anteriores, isso quando eu tinha algum amigo, mas Vinicius estava sendo meu primeiro amigo homem e tal gesto dele me fez sentir de certa maneira realizado.
Andamos deste jeito pelo corredor principal. Eu já sabia o número do meu armário, então estávamos indo em direção a ele para que eu pegasse o meu material para irmos à primeira aula do dia.
Ao andarmos um pouco, notei que Antoine e seus amigos estavam logo a frente encostados em alguns armários. Rapidamente retirei os braços de Vini dos meus ombros para que Antoine não implicasse comigo, e foi então que Vinicius percebeu o motivo de eu ter feito aquilo.
— Sério que você vai ligar se aquele babaca dizer alguma coisa?
— Por favor Vini, não diga nada... isto tudo está sendo novo para mim.
— Como assim novo para você Nick?
Abri meu armário logo que chegamos nele. Enquanto conversávamos fui pegando os livros e cadernos que eu iria precisar para as primeiras três aulas da manhã.
— Nunca fui de ter muitos amigos, e você está sendo o primeiro amigo homem que estou tendo na vida. Sei que para muitos isso não significa nada e que seja algo muito bobo e comum, mas pra mim ainda é algo que tenho de me acostumar.
— Te entendo Nick, só espero que um dia você consiga se abrir para mim em relação ao seu passado para que eu consiga te entender um pouco melhor, amigo...
Coloquei a minha mão no ombro de Vinicius e sorri amigavelmente.
— Sinto que este dia não está muito longe de chegar.
E então caminhamos até a sala de matemática.
~~ ~~ ~~ ~~ ~~
Chegou a hora do almoço e eu estava com fome. A segunda refeição mais importante do dia era servida gratuitamente pela escola, o que acabava formando uma fila enorme no refeitório. Depois de alguns minutos que conversando com Vini que não pareceram demorar muito, consegui fazer meu prato e me sentar.
— Comprei um suco para nós dois! — avisou Vini enquanto se sentava.
— Vou colocar um pouco nos copos.
Quando eu estava prestes a tampar a garrafa do suco, Antoine chegou em minha mesa com dois de seus amigos.
— Os namorados estão tendo o almoço romântico de vocês?
— Pelo menos estaríamos namorando, e você Antoine? Alguém consegue te aturar? — Eu disse enquanto o fuzilava com meus olhos, o que não funcionava muito bem pois Antoine tinha um ótimo escudo.
— Cala boca Pabllo!
— Já disse que não me ofendo com esse nome.
— Vou pensar num melhor então — ele disse depois de apoiar suas mãos na mesa e aproximar seu rosto do meu — E você Vinicius... achei que tinham pessoas melhores com quem você pudesse andar.
— Se existem melhores, eu não sei, mas certamente você é a pior companhia que estes dois aí podem ter — Vini revidou apontando para os dois meninos que acompanhavam Antoine.
— Muito engraçado, sempre admirei seu senso de humor...
Vini fez cara de deboche.
— E esse suco aí? — Antoine continuou — é de laranja? Puts, meu preferido!
E então ele pegou meu copo, forçou catarro e tossiu no copo.
— Me perdoa Nicholas! Estou um pouco gripado.
— Seu nojento!
Antes que eu pudesse pegar a garrafa de suco, ele já tinha a alcançado antes.
— Esta daqui fica comigo.
— Fui eu quem comprou Antoine — Vinicius comentou.
— Não tem problema, vou pegar mesmo assim.
— O que está acontecendo aqui? — Perguntou uma garota que apareceu do nada. Seu rosto me era familiar de algum lugar, eu tinha certeza.
— Quem é você? — Antoine perguntou.
— Gabriela Monteiro, prazer!
— Eu te conheço! — eu disse — eu te vi no dia da palestra!
— Me lembro de você também... Nicholas, certo?
— Caramba a memória dela é boa! — comentou Vinicius.
— Olha, eu não sei que porra está acontecendo aqui, mas vou ir embora! — alertou Antoine.
— Não sem antes devolver este suco que não lhe pertence, — disse Gabriela.
— E você vai fazer o que? Quem você pensa que é?
— Faço parte do grupo de apoio, e uma entre muitas tarefas das quais eu tenho é resolver conflitos entre alunos sem precisar ter que leva-los à direção, tenho quase certeza que você não gostaria disso certo, Antoine?
— Tanto faz... agora saia da minha frente!
Gabriela entrou na frente de Antoine tornando impossível a passagem do garoto que estava começando a ficar irritado com a situação.
— Saia da minha frente ou...
— Ou o que? Você não bateria numa menina não é mesmo?
— Esquece disso Antoine! — disse um dos garotos que estavam com ele. — Você volta outro dia...
Antoine bufou, deu a garrafa para Gabriela que consequentemente colocou na mesa.
— Posso sentar hoje com vocês garotos?
— Claro que pode! — permitiu Vini.
— Admiro o modo que você se impôs com aquele idiota! — eu admiti.
— Para mim foi até que fácil, estou acostumada em lidar com crianças.
— Você é muito bonita Gabriela! — Vinicius revelou com um de seus sorrisos mais fofos.
— Pode ir tirando seu cavalinho da chuva meu bem, eu gosto da outra fruta.
— Você é... — perguntei quase que a pergunta toda se eu não tivesse sido interrompido.
— Lésbica? Sim e com muito orgulho. Deus, tem uma menina do segundo ano que tô de olho desde ontem, caramba como ela é linda...
— Por que está nos contando isso? Nem somos amigos... — Vinicius perguntou num tom que poderia ser classificado como rude, mas o conhecendo um pouco, eu sabia que não era aquela a intenção.
— Eu não sei... — respondeu a garota não se importando muito em esconder que havia ficado um pouco incomodada com o tom de Vinicius, — bem eu vou indo então... desculpe por incomodar vocês!
Olhei para Vinicius e bastou o modo que o encarei para ele entender que eu tinha ficado desapontado com seu tom de voz.
— E eu fico com isso! — Concluiu Gabriela pegando a garrafa de suco e em seguida desaparecendo no meio de tanta gente.
— Ei!
— Deixa ela Vini... acho que você a deixou triste.
— Por que eu a deixaria triste? Ela nos defendeu do Antoine e no final fez o que ele ia fazer, pegou nosso suco! E mesmo que ela tenha ficado triste, de modo algum foi motivo para que ela pegasse nosso suco.
— Vinicius é só um suco! Eu sei como não é ter amigos, e do jeito que você disse acho que a deixou bem triste. Vai saber ela não tem nenhum amigo e achou que nós três poderíamos nos dar bem juntos? Ela nos disse sobre sua sexualidade, somos dois completos desconhecidos para ela cara... ela de certa forma se abriu para a gente.
— Você viaja demais Nicholas. Agora vamos terminar este almoço que por pouco não perdi a fome o bastante para desperdiçar toda essa comida.
Fiquei pensativo pelo resto do dia a respeito do que havia acontecido no almoço. Tentei conversar mais a fundo com Vinicius sobre o ocorrido, mas este não se interessou em me dar ouvidos em momento algum.
Amanhã será um novo dia, talvez com uma boa noite de sono minhas preocupações desapareceriam como mágica...
Espero que Gabriela tenha ficado bem.