Folclore Oculto

By JuliaRibeiro51

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Para Núbia Cabrall a linha entre o natural e o sobrenatural sempre foi tênue, porém sua vida se torna funesta... More

A chegada ao estranho sítio.
Descendente do mal.
A maldição de Ângela
"Tomara que eu não vá para o inferno"
Atração Repentina
O resgate.
Passeio em Família
Um ótimo partido.
Mãe d'água.
O lobisomem
Dormir juntos, como amigos.
Só avô e neta
Sangue.
A controvérsia de Edgar
Privacidade Zero
A Caipora
A revolta da Vila.
O Plano
Linha Tênue
Era um demônio disfarçado de anjo da guarda
Sagacidade de Iara
Plantando discórdia.
O peso da consciência.
As coisas mudam.
O humano por trás do monstro.
Quinze anos de escravidão.
Encontro dos desabafos.
Conflitos familiares.
A Guerra em Fim do Mundo.
A fragilidade da vida
A "lenda" das Icamiabas
Como virar uma alma do avesso.
A origem de Curupira
Quem chamou o Boitatá?
Imprevisto.
Briga de monstro grande.
Perdendo o Autocontrole.
No mundo dos mortos.
Torturante
Experiência pós-morte.
Aceitação não é perdão.
Fim do Mundo vota 666
Visitando a neta no asilo
Viver Cansa
O Psiquiatra e a advogada
Pois um dia todos partem.
Canção do exílio.
Epílogo
Como Folclore Oculto foi concebido e porque tenho tanto a agradecer

Confronto final

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By JuliaRibeiro51

Núbia estava à espreita, escondida na mata e observando de longe quando Edgar ainda dialogava com Saci fora da cabana.

Ela tentou resistir ao impulso de salvar Edgar, mas ao ver Saci pronto para arrancar os olhos do avô, ela se levantou decidida a gritar e impedir Saci de prosseguir, mas antes que saísse de seu esconderijo ouviu os sons que vinham de dentro da cabana de Cícero e viu o sorriso aliviado de Edgar, que também lhe deixou mais tranquila e a fez voltar-se a posição de espreita.

Repentinamente Iara surgiu, o que encheu a garota de alívio, pois graças a tal distraio, Edgar teve tempo para se recuperar, não que Núbia tivesse prestado muita atenção nele, além do mais, os ataques de Iara com a água que ela tirou do subsolo foi quem protagonizou todo o show, e Núbia por um momento esqueceu-se da seriedade da situação e se sentiu como uma criança vendo a cena de batalha mais épica de um desenho. Ela só voltou à realidade, quando visualizou Saci com sua mão envolta por rajadas de vento atravessando as costas da Iara de maneira assustadora. Como uma espada, o braço do demônio entrou e saiu do corpo da mulher sem esforço algum, levando consigo carne e sangue. Núbia colocou a mão na boca abafando o grito e tentou pensar positivo para não entrar em desespero. Além do mais, Iara era uma deusa, e mesmo que Núbia não soubesse ao certo quais os limites desse poder, Edgar devia saber, então quando ele desapareceu junto à esposa, Núbia sentiu-se aliviada, porém prosseguiu ali sem ação ou solução.

Por outro lado, minutos após a fuga de Edgar, Núbia observou um comportamento curioso em Saci, ele rosnava e praguejava, com as mãos na cabeça, e aquilo só podia significar que Cícero estava agindo, porém, não poderia tomar o controle enquanto o Saci tivesse o auxílio do capuz.

Saci prosseguiu longos segundos parado, pensativo e falando "sozinho", porém, logo respirou fundo e fechou os punhos, depois sorriu de canto e olhou na direção de Núbia.

— E então, gracinha? Quando pretende aparecer e o que exatamente acha que pode fazer comigo? — perguntou ele em tom alto e Núbia somente arregalou os olhos, mas ficou em silêncio, rezando para que ele não estivesse falando com ela. Logo Saci se desfez em fumaça negra e surgiu à frente da garota, que quase caiu para trás. Saci, no entanto a pegou pelo pescoço e a ergueu.

— Olá, minha menina. Já havia sentido sua presença há um tempinho, mas estava meio ocupado com meu velho amigo Edgar, por isso não te dei a devida atenção. Mas agora somos só nos dois. — Ele aproximou o rosto do de Núbia e ela pode sentir o bafo quente de enxofre que saía dentre os dentes afiados do demônio.

— Nós três, você quis dizer — gemeu Núbia tentando falar mesmo com a mão em seu pescoço.

Saci repentino, a jogou para fora daquela mata, fazendo-a cair no quintal da cabana. Apesar da queda, ela se recompôs rápido, ignorou a dor e encarou Saci com fúria, enquanto ele se aproximava dando seus pulos em uma perna só.

— Suponho que esteja falando do nosso camarada, Cissa. É. Bem, ele realmente está tentando participar da conversa, mas digamos que o sinal está fraco — Saci riu e se curvou para se aproximar de Núbia que apesar de estar de pé, ainda era mais baixa. Ele então pegou o rosto da garota que já ficava vermelha, demonstrando uma futura crise de fúria. — Sabe o que ele diz, menina? "Não faça nada com ela", "deixe a menina em paz", "Núbia!" "Núbia!"...

Saci gargalhou e, em sua arrogância, sequer notou a mão sorrateira de Núbia ir até a cintura e tirar de lá o facão, até então, preso pelo cinto da calça.

— Não me chame de menina! — urrou Núbia fincando o facão na garganta de Saci.

Ele se afastou em um urro e Núbia também deu passos para trás, segurando o facão ensanguentado com firmeza.

— Maldita! — bradou Saci avançando contra Núbia.

A garota tentou acerta-lo novamente com o facão, mas antes que a lâmina o tocasse, se desintegrou como uma ilusão, e Núbia não teve como se defender quando Saci a pegou pelo pescoço e a colocou contra o chão com violência.

Núbia visualizou sua mão vazia com espanto e Saci se ergueu gargalhando, depois voltou a mudar de expressão, e fitou Núbia, ainda estirada no chão, com ódio.

— VOCÊ É FRACA GAROTA! EU TENHO O PODER! — urrou ele, fazendo o vento se agitar.

— Você mesmo disse que eu era uma ameaça para seu controle, eu deixo o Cissa mais forte! — berrou Núbia tentando sobrepor a voz ao vento.

— Lindas palavras, minha menina, mas não são... — Saci parou de falar repentinamente, sua expressão ficou sombria, e em seguida colocou as mãos na cabeça.

Saci olhou em volta de si mesmo, gesticulou com as mãos, mas nada aconteceu, enquanto seu rosto prosseguia com ar sombrio, porém confuso. Ele então tirou o capuz de si mesmo e fitou o objeto com desdém.

— Não consegue usar o poder? —supôs Núbia pasma. Depois sorriu com sadismo — Fraco...

— Cale-se! — bradou Saci vestindo o gorro novamente.

"O gorro é controlado pela mente" disse uma voz no consciente de Saci: "E quanto mais sua mente estiver ocupada e alvoroçada pior vai ser seu controle, e pro seu azar, sou conhecido por não ficar quieto".

— Cale a boca, Cícero! — bradou Saci furioso, sentindo uma enorme dor de cabeça. Ele fechou os olhos tentando ao máximo se concentrar no capuz e para isso ficou alheio a tudo, principalmente a Núbia, que via a cena com um amplo sorriso e aproveitou-se do momento para fugir.

Em seu subconsciente, Saci se via em uma infinita escuridão onde somente um círculo de luz existia, ele se mantinha dentro desse círculo enquanto Cissa, do lado de fora, o cercava. Saci podia ver o vulto do rapaz diante a escuridão e podia ouvir sua voz, mas somente quem estivesse no círculo tinha o controle.

Em todas as vezes que Cícero tentou se aproximar, Saci o expulsou com seus poderes ou as próprias mãos. Ele era o mais forte e aquilo era um fato, porém não parecia ser o suficiente para fazer Cícero desistir, o que já estava deixando Saci furioso.

— Eu sinto toda vez que se aproxima da menina — disse Cissa dentre a escuridão —. Ela me puxa para o outro lado, como o gorro puxava você.

— Não se preocupe, meu amigo, eu irei matá-la e vocês dois vão poder ficar juntinhos no mundo dos mortos — debochou Saci.

— Não toque nela! — disse Cissa se aproximando com o punho fechado, e foi tudo tão repentino que quando Saci se deu conta, o braço de Cícero já estava iluminado por aquela luz e seu punho encaixado na cara dele. Saci rosnou e assim Cissa foi jogado para longe, de volta a escuridão.

Voltando a realidade, Saci concluiu que faltava pouco para perder o controle e que definitivamente os sentimentos de Cissa em relação à Cabrall era uma grande ameaça. Ele tinha que ser rápido e cortar esse elo de Cícero com aquele mundo. Inicialmente Saci tinha outros planos para Núbia, quem sabe a semelhança dele com Cícero conquistasse a garota, e não seria nada mal ganhar uma Cabrall como aliada, mas definitivamente, Núbia não parecia disposta a trocar de namorado, então não lhe restava opção a não ser matá-la.

"Você não vai conseguir mata-la" disse Cícero em tom de fúria "Eu não vou deixar isso acontecer, e a própria menina é mais astuta do que você imagina".

Saci riu com o comentário, mas sequer respondeu a voz em sua mente.

Núbia havia sido esperta em não perder tempo, porém mesmo que Saci não tivesse a visualizado fugindo, ele podia sentir seus passos e foi atrás de tal rastro.

Entrando na cabana, Saci sentiu falta de um objeto, o machado não estava mais em seu devido lugar, próximo a estante.

— Hum... Lá vai minha menina com mais uma tentativa, uma coisa não se pode negar, você é persistente, hein, ruivinha — debochou Saci enquanto seguia o cheiro do sangue Cabrall, aquele sangue amaldiçoado que já havia por tantas vezes cruzado seu caminho. — Sempre um Cabrall...

Cissa, que estava em seu subconsciente, não perdeu a oportunidade de fazer um comentário.

"Se você pesquisar bem, vai descobrir que até a Carlota era uma Cabrall" debochou o rapaz e Saci somente ignorou o comentário, mesmo concordando que a piada era boa, e por um momento o redemoinho que lhe cercava falhou, mas logo voltou, porém ele refletiu sobre aquilo e, como consequência, a informação foi até a escuridão de seu subconsciente e Cissa voltou a falar em sua mente: "Parece que o nome Carlota te deixa meio vulnerável, interessante...".

— Lembranças não vão me impedir de matar nossa menina, Cícero — respondeu Saci em voz alta, deixando a impressão que falava sozinho, mas Núbia, que estava na cozinha sabia que não.

A garota estava agachada atrás do armário segurando o machado contra o corpo, quando a voz de Saci se aproximou da entrada ela segurou a respiração e tentou se manter calma. Ouviu o fungar dele e visualizou a sombra do demônio em seu redemoinho na parede oposta. Ele estava perto, a garota podia sentir o cheiro de enxofre.

Observando a sombra, Núbia viu que Saci havia parado e seu redemoinho sumido.

— Cale a boca Cícero! — voltou a dizer, Saci.

Núbia concluiu que ele estava desprotegido e em seguida agiu. Num golpe ligeiro e baixo, ela manuseou o machado fazendo a lâmina atravessar o único calcanhar do Saci, e num urro o demônio caiu no chão já separado do pé decapitado.

— Maldita! — gritou ele vendo Núbia correr rumo à porta de saída que havia na cozinha.

Saci fitou o membro ensanguentado e solitário se desfazer em fumaça enquanto o toco de sua perna jorrava sangue, certamente se não fosse um demônio estaria morrendo lentamente, mas sequer dor Saci sentia. Logo uma neblina negra envolveu o lugar decapitado, e aquela fumaça aos poucos foi ficando espessa e formando um novo pé, enquanto isso, Cissa dizia em gargalhada:

"Arrancar o único pé do Saci? Olha a audácia dessa garota!"

Saci ignorou a piada e em um único gesto com as mãos fez Núbia, que já estava perto da saída, cair no chão como se a gravidade houvesse aumentado. Logo a garota foi puxada por uma força invisível até Saci que permanecia sentado no chão esperando seu pé se reconstituir.

Núbia fincou o machado no piso tentando se segurar, mas de nada adiantou. Logo Saci voltou a ficar de pé e fitou a garota, grudada ao chão, com sadismo.

— Achei que poderíamos ser amigos, Núbia, mas você não está sendo nada simpática comigo.

— Demônio desgraçado! — berrou Núbia tentando se soltar daquela magia que a mantinha presa no piso da cozinha como a atração de um imã.

Saci então estalou os dedos e Núbia voou, batendo com tudo no teto. Ela rosnou com a dor da batida, mas prosseguiu demonstrando mais raiva do que medo.

Na escuridão do subconsciente, Cissa recebia as informações como se sua mente estivesse conectada a de Saci. Ele não via o que o Saci via, simplesmente sabia o que estava acontecendo, sendo assim, sabia que devia agir rápido.

"Vai cortar a cabeça dela como fez com a Carlota?" questionou ele, tentando enfraquecer Saci "falta de criatividade, hein, aliás; nesse tempo que passou no mundo dos mortos, não encontrou sua ex-namorada? Ou parte dela, não sei se a cabeça e o corpo se reencontraram pós-morte".

Saci sentia as memórias de sua primeira vida lhe invadirem como um veneno, pois Cissa já havia superado tudo aquilo, ele não.

As memórias tiravam sua concentração do capuz e por um momento Saci achou que ia fraquejar novamente o que daria oportunidade para Núbia fugir de novo. No entanto o demônio sentiu uma presença especial se aproximar e logo ouviu aquela voz familiar, que fez todo o passado perder importância.

Agora só havia o presente e no presente, ele acabaria com dois Cabrall de uma vez só.

— Núbia! — chamou a voz de Edgar, do lado de fora. Saci olhou para cima e viu a expressão de Núbia enfim demonstrar medo.

— Quer saber, foi bom você ter aparecido, menina, agora eu sei como torturar Edgar de uma maneira eficaz. Ah sim! O passado dói mais do que qualquer ferida, não é mesmo?

— O que vai fazer? — bradou Núbia.

O demônio estendeu o braço e Núbia sentiu seu corpo paralisado flutuar até Saci, ele então aproximou os lábios dos de Núbia, que mesmo enojada, não podia se mexer e evitar a aproximação, Saci, no entanto, somente assoprou como se apagasse uma vela e a garota sentiu um ar quente e incômodo entrar por sua boca e seguir por sua garganta.

Núbia não entendeu o que havia acontecido, mas pelo sorriso psicopata e amplo que Saci esboçava, sabia que não era algo bom.

— Você vai morrer, Cabrall — declarou Saci contente, mas logo seu sorriso sumiu e ele levou as mãos a cabeça — Cale a boca! — berrou Saci ouvindo Cissa falar sobre cada dor e sofrimento que eles passaram quando ainda eram um só, quando eram o escravo Saci.

Repentinamente Núbia se viu livre da magia que lhe prendia e desabou no chão de uma pequena altura. Ela novamente se aproveitou daquele momento de fraqueza de Saci e correu para fora, ao encontro de Edgar. Ele, ao ver a garota saindo da cabana somente com alguns ferimentos, encheu-se de alívio. Mas Núbia não deu tempo para sentimentalismo algum.

— Edgar! Você precisa tirar o capuz do Saci como fez anos atrás. O Cissa está lutando contra ele por dentro, então o Saci está tendo momentos de fraquezas que eu não posso aproveitar, mas você pode — disse ela direta.

Núbia então fitou o cajado negro na mão de Edgar e levantou as sobrancelhas, o que fez ele ficar emburrado.

— Achei meu cajado jogado no meio da mata, curioso não é? — ironizou ele.

Núbia deu de ombros.

— Não tem mais utilidade mesmo...

— Como não? Tu não achas realmente que ele só servia para guardar o capuz? Há outros talismãs embutidos a esse cajado, sem contar que é um bom acessório.

Logo Saci surgia à porta da cabana e simultaneamente Edgar bateu o cajado no chão fazendo uma cratera surgir do solo, sugando Saci para o fundo. Núbia arregalou os olhos de início, mas depois sorriu.

— Ual! Não acredito que eu joguei esse negócio fora...

— Mas isso também é o máximo que o cajado pode fazer — lamentou Edgar.

— Se o senhor me der o cajado podemos lutar juntos contra o Saci! — disse ela entusiasmada

— Tu nem devia estar aqui, guria! — repreendeu ele.

— Eu estou bem, Edgar! Mas você precisa ser...

— Núbia — cortou Edgar fitando a garota com expressão pasma — Seu... Rosto...

Núbia sentiu o nariz úmido e ao levar à mão a face, viu seus dedos ensanguentados, logo sentiu algo escorrer por suas orelhas, era mais sangue. Ela fitou Edgar e, ao ver seu olhar paralisado, entendeu o que Saci queria dizer sobre o passado doer mais do que qualquer ferida.

Ela estava com mesma maldição que matou Thayna, Edgar teria o mesmo pesadelo pela segunda vez e nem uma tortura doeria mais do que aquilo.

— Edgar, esquece isso, você precisa lutar contra o Saci agora e trazer o Cícero de volta — insistiu Núbia.

— Dane-se o Cícero! Eu preciso te tirar daqui! — disse ele a pegando pelo braço.

— Não! Você não pode fazer nada enquanto o Saci existir!

— O que eu não posso é te deixar morrer! — retrucou Edgar em fúria.

Logo Saci saiu da cratera sendo levado por um redemoinho que lhe cercava a cintura, e, com os olhos vermelhos, adendo em ódio.

— Cabrall desgraçados!

— Por favor... — pediu Núbia pegando na mão de Edgar.

Ele fitou o rosto da neta, que vertia sangue pelo nariz, olhos e boca, e aquela imagem quase lhe deixou sem ação, mas no fundo sabia que ela estava certa.

Ele precisava lutar contra o Saci ou a história se repetiria, era necessário acabar com o feiticeiro se quisesse interromper o feitiço.

Saci já vinha em direção a ele e Edgar, após entregar o cajado para Núbia, também correu contra o inimigo se transformando em chupa-cabra.

Núbia sentiu seu corpo expelir mais sangue de forma espontânea, até vomitou um pouco. Ela então fitou Edgar ocupado desviando de todos os de Saci e ficou feliz por ele estar distraído, caso contrário teria uma péssima nostalgia.

Ela sentia-se mais fraca a cada minuto, mas segurou firme o cajado, decidida a ajudar Edgar no que fosse possível. Então notou a madeira do cajado ficar quente, apertou no primeiro relevo e viu a lâmina afiada surgir no topo.

Quando Edgar foi pego por um redemoinho e jogado com violência contra uma árvore, Núbia avançou com o ódio correndo por suas veias e foi tão sorrateira, que Saci só notou o ataque quando a lâmina já estava fincada em suas costas.

— Arrrg! Você não desiste! — disse Saci se contorcendo e uma energia lhe saiu do corpo e jogou Núbia para longe.

Ela viu mais sangue escorrer de seu rosto e sujar suas roupas, mas ignorou aquilo quando visualizou Saci vindo em sua direção. Ela não teve força para levantar de imediato então somente tentou se concentrar no cajado e conseguiu fazer um enorme tronco caído de árvore voar na direção de Saci o afastando e antes que voltasse a se aproximar da garota, o chupa-cabra surgiu pegando Saci pelos ombros e o jogando para longe.

Saci pareceu confuso com aquele ataque, mas tentou se recompor e quando viu o chupa-cabra avançando em sua direção fechou os punhos como se invocasse forças, porém nada aconteceu. Edgar se aproximava mais e Saci não se movia, somente mudava a expressão de ódio para desespero.

Nem um redemoinho, tão pouco vento ou fumaça negra, Saci estava incapaz de qualquer magia, o capuz agora era só mais uma veste sem importância.

No subconsciente de Saci, Cissa dava voltas em torno dele dizendo sem parar tudo que ele não queria ouvir. "Carlota nos odiava, todos nos odiavam, mas as coisas mudaram para mim, já para você...", "Você nasceu do ódio, Saci, desde sempre: quando escravo foi fruto de estupro e quando demônio, fruto do praguejo das pessoas", "você existe porque todos te odeiam, existe porque precisavam de alguém em quem colocar a culpa...", "Você foi usado, sempre foi e sempre será, sem o capuz é um demônio sem rumo, não passa disso... fraco..." .

Quando Saci se deu conta, o chupa-cabra já havia pulado sobre ele e o colocado contra o chão.

— Não! — berrou Saci ao sentir as garras de Edgar fincarem em seu corpo, o imobilizando.

Edgar tentou pegar o capuz com uma de suas patas dianteiras, mas no simples toque, sentiu sua pele queimar. O Cabrall rosnou e se afastou de Saci, que se ergueu e sorriu psicopata, enquanto em volta de ambos, coisas começavam a subir como se a gravidade se extinguisse.

Núbia viu aquele vento levando terra, galhos, e até mesmo pedaços da cabana de Cissa consigo e formar um funil em torno de Edgar e Saci, e seu coração acelerou. Cícero podia estar lutando, mas Saci prosseguia forte, e aquele redemoinho era prova disso; agora Edgar estava dentro daquele ringue de luta com Saci, e Núbia não podia fazer nada para ajuda-lo. Ela tentou usar o cajado, mas o máximo que conseguiu foi fazer coisas levitarem até o ciclone e serem despedaçadas.

Ela quis gritar o nome de Edgar, mas foi interrompida por mais sangue que era expelido por sua garganta, logo notou que tal sangue também estava sendo atraído pelo vento, tal como seu próprio corpo.

Núbia tentou correr para longe daquilo que se tonava um furacão, mas sua força não era proporcional ao do vento.

— Núbia! — gritou alguém dentre a floresta.

Núbia sorriu ao ver Iara surgir um pouco antes de seus pés saírem do chão. A garota estendeu o cajado em direção a Iara que o pegou e puxou com força. As duas caíram no chão e viram o ciclone ficar cada vez maior.

— Vamos! — disse Iara se levantando rapidamente e pegando Núbia pelo braço.

...

Quando o ciclone se formou a sua volta, Edgar sentiu-se sem escapatória e com a mente tão confusa quanto a paisagem que o rondeava.

Concluiu que ao reivindicar o capuz, o objeto voltou a pertencer só a Saci, sendo assim não aceitava ordens de mais ninguém, tão pouco de Edgar. Essa rejeição e autodefesa do capuz também havia acontecido da primeira vez, mas o Cabrall conseguiu uma forma de pega-lo mesmo assim, porém agora não recordava como. Edgar sabia que a idade costumava deixar a memória falha, mas definitivamente, aquela era uma péssima hora para ser idoso.

Ele estava furioso consigo mesmo e usou tal fúria para atacar Saci quando ele veio em sua direção. Com suas garras cortou o rosto de Saci, no entanto, repentinamente, o demônio assumiu uma forma maior e esguia, com braços e dedos longos; sua única perna também esticou o que fazia dele uma criatura ainda mais assustadora. Edgar não se intimidou e em sua forma chupa-cabra avançou como um cão, mas Saci o envolveu com seus longos braços como se tais fossem serpentes.

— É incrível o que o capuz pode fazer com o dono certo, não é? — dizia Saci com um sorriso maníaco, enquanto esmagava o chupa-cabra em seus braços elásticos.

Edgar com as patas imobilizadas usou seus dentes afiados mordendo os braços longos de Saci.

Saci urrou e jogou Edgar para longe, depois fez seu braço voltar ao normal.

Edgar caiu no chão sem se deixar aproximar-se dos cantos do ciclone, pois sabia que as bordas daquele ringue o faria em pedacinhos. Logo, porém o gosto do sangue de Saci clareou sua memória, foi assim que conseguiu pegar o capuz, enganando o objeto por ter o sangue de seu dono no organismo.

Edgar fitou Saci que era levado por um redemoinho até ele.

— Eu vou acabar com você Edgar! — disse Saci fazendo seus braços esticarem novamente

Quando Edgar pulou contra ele o demônio fez seus dedos e braços se alongarem, envolvendo por completo o corpo do chupa-cabra e o colocando contra as paredes daquele redemoinho, porém antes que Edgar fosse despedaçado, ele conseguiu usar a pouca magia que lhe restava se desfazendo em fumaça e surgindo logo atrás do Saci.

As garras do chupa-cabra fincaram na cabeça de Saci, enquanto os dentes adentravam o pescoço do demônio, mas antes que Edgar conseguisse consumir o sangue, Saci usou seus longos braços pegando Edgar e o jogando para longe.

Os dois prosseguiam por um longo tempo naquela luta corporal, até Saci não conseguir mais usar magia alguma, nem fumaça, nem redemoinho, nem mudança corporal. Cissa não se calava na mente de Saci o que fazia dele cada vez mais incapaz.

Enfim o chupa-cabra imobilizou Saci contra o chão e fincou os dentes no pescoço da criatura, sugando seu sangue com rapidez e força.

Quando Saci se deu conta, as patas do chupa-cabra já estavam sobre sua cabeça, e logo ele foi obrigado a ver seu precioso gorro vermelho preso nas garras do Cabrall, sendo estendido ao alto.

— Acabou — disse Edgar em sua voz monstruosa mostrando os dentes afiados no que devia ser um sorriso.

Logo o tornado em volta deles se desfez e tudo caiu ao chão.

Edgar jogou o capuz longe, Saci esticou o braço em desespero, mas sem o capuz ele não passava de um humano com a maldade de um demônio.

No subconsciente de Saci a luz que havia sobre ele desaparecera, ele estava agora no mesmo breu que Cissa. Logo o cenário mudou e ele se encontrava numa floresta seca, dominada por neblina e vultos. Saci conhecia aquele lugar e conhecia ainda mais o rapaz que surgia dentre as árvores.

— Parece que você perdeu, Saci — disse Cícero Akilah no mundo dos mortos.

Quando Saci voltou para realidade viu Edgar já na forma humana, colocando a mão sobre sua cabeça e dizendo palavras em latim.

— Não! Eu não posso ter perdido! Não! — berrava Saci.

Edgar falou com mais persistência aquelas palavras que apesar de Saci não saber o significado sabia ser uma espécie de exorcismo, o mesmo que o trancou no mundo dos mortos seis anos atrás.

Saci se debateu, porém Edgar estava mais forte após o sangue que bebera, então logo o demônio se viu perdendo a visão e sentiu seu corpo ferver, aquele fogo já familiar, era seu lar, era o inferno.

...

Núbia foi puxada por Iara para apenas alguns metros de distância, pois as pernas da garota estavam fracas e Iara não teve forças para leva-la muito longe. Logo a garota desabou no chão, e Iara rapidamente tentou levanta-la, mas só então notou o quão ensanguentada estava a garota.

— Oh tupã, o que...

— Estou morrendo, como a Thayna — respondeu Núbia sem delongas e Iara pareceu levar uma facada no peito. Ajoelhou-se no chão e tentou manter Núbia com o corpo erguido, mas garota parecia uma boneca de pano.

— Núbia... — Iara sequer conseguiu falar somente começou a chorar abraçando o corpo inerte da garota.

Núbia sentia os olhos pesados, o corpo inerte, a ânsia constante e uma forte dor no peito como se seu coração implorasse por sangue para bombear. Ela se viu sendo envolvida por Iara, e a frente, árvores eram arrancadas pela raiz e fazendo parte daquilo que já havia se torna um furacão. Ela queria desesperadamente dizer para Iara correr, mesmo que tivesse que deixa-la ali, ela queria ver o que estava acontecendo dentro do furacão, queria saber como estavam Edgar e Saci, mas não conseguia expressar nada.

Logo o furacão cessou de uma maneira magna, todos os dejetos da floresta e da cabana de Cissa caíram no chão fazendo um enorme estrondo, mas a única coisa que chamou a atenção de Núbia e Iara foi o capuz dentre os destroços, sozinho, estirado, como se enfim perdesse importância.

Mais a frente Edgar já na forma humana e com as vestes rasgadas, segurava Saci contra o chão enquanto tal berrava e tinha uma fumaça negra saindo-lhe da boca. Núbia notou os lábios de Edgar se mexerem, ele devia estar fazendo algum tipo de exorcismo, mas a audição de Núbia estava falha, ela só conseguia ouvir de forma abafada a voz de Iara choramingando:

— Núbia, ele está conseguindo, Edgar vai trazer Cícero de volta, vai acabar tudo bem minha mocinha, só fique aqui comigo, sim? Fique aqui conosco, não feche os olhos, por favor, você precisa ver o Cícero voltar, precisa ver essa briga acabar, sim?

Núbia queria responder Iara, mas não conseguia, soltou um murmúrio e em seguida mais sangue lhe saiu da boca, também já não conseguia mexer os olhos na órbita e somente prosseguia observando a cena sua frente.

Logo viu o corpo de Saci tremer como se estivesse sendo eletrocutado, Edgar então se levantou de imediato e se afastou de Saci a tempo, pois logo o corpo do demônio explodiu em chamas. A visão de Núbia foi escurecendo, mas ela conseguiu ver as chamas darem lugar a um rapaz de cabelo cacheado estirado ao chão com roupas queimadas, mas corpo intacto. O mundo então ficou mudo, a visão inexistente, e, a última coisa que Núbia pensou foi: "Deu tudo certo".


80wwwwwww8wwwwwww08

Perdão pelo tamanho do capítulo, mas, a demora para atualizar tinha que ser recompensada de alguma maneira, não é?

Obrigada a Beta   por auxiliar nesse e em outros capítulos, e obrigada também a todos os leitores que estão acompanhando essa reta final de Folclore Oculto.

<3 Até



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