- Então você vai mesmo aceitar essa rebelião? Mesmo sabendo que vai estar fazendo exatamente o que Angelina planejou para você?
- Peter, você tem que entender que isso não se trata de seguir ou não os planos de Angelina. Isso se trata de podermos mudar para sempre a história desse país, salvarmos a vida de milhares de escravos. E eu sei que você não se importa com a vida deles, mas se nós instaurarmos uma rebelião, poderemos pôr fim com as invasões que Arcádia vem sofrendo. Seria o fim da guerra. Termos que levar isso em consideração.
- Eu não posso acreditar! Raymond, acorda! Quem somos nós para querermos mudar a história do país, para instaurar uma rebelião e confrontar o governo fluminense? Nós somos ninguém. Não podemos fazer nada.
- Podemos sim. Se lembra do que aconteceu com a esquadra do Império Vermelho? Nós a destruímos...
- E logo depois fomos pegos pelos capangas da Angelina. Você tem que se dar conta que nós não estamos lutando apenas contra o governo fluminense, nós estaremos lutando contra o Império Vermelho também! Nós destruímos a esquadra deles. Você não acha que eles vão retaliar?
- Se descobrirem! Eles não irão imaginar que nós ocasionamos aquilo.
- Que você ocasionou aquilo, pra ser mais exato! Cara, você está sendo muito otimista. Irá pôr tudo a perder!
- Eu não irei pôr nada a perder. Eu apenas preciso aprender a fazer aquilo de novo sem quase surtar de dor de cabeça. Quando eu aprender a controlar esse meu controle mental, nós não teremos o que temer.
- Se você aprender a usar isso. Se nenhum soldado fluminense chegar aqui antes e matar todos. O que nós temos que fazer é descansar e amanhã partimos daqui. O sol já está se pondo. Podemos partir amanhã.
Raymond percebeu que ficar ali no rio discutindo com o amigo não adiantaria em nada. Nem um nem outro mudaria de ideia.
- Está bem! Amanhã nós terminamos essa discussão e decidimos o que fazer.
- Certo! Mas que fique claro: Se você decidir ficar aqui eu e Emma partiremos sem você.
"Como se ele falasse por Emma. Ele nem sabe a opinião dela"
Raymond decidiu ignorar o aviso. Deu as costas para Peter e foi pegar as roupas que estavam em uma árvore na margem para se vestir. Ali estavam as roupas de Peter também, mas o amigo não quis acompanhar Raymond depois daquela discussão.
Raymond se secou embaixo da árvore e vestiu uma calça de couro, sandálias e uma camisa de algodão de manga. Enquanto se vestia podia perceber os olhares curiosos de algumas mulheres que estavam ainda dentro do rio.
Quando estava terminando de colocar a blusa foi surpreso pela voz de alguma mulher.
- Você está chamando a atenção de todas elas.
- Oi?!
Raymond virou e nunca poderia imaginar que seria ninguém menos do que Emma.
- Eu gostaria de saber o que elas mais acharam atraente em você. Olhando de perto não vejo nada demais. Só um jovem sem graça espirralhento.
- Ah é?
Ela riu.
- Eu só estou brincando com você, garoto! Você até que é bonitinho para sua idade.
- Bonitinho? Não, essa palavra eu dispenso.
Raymond ficou com uma cara de raiva.
- Ah, qual o problema? Não gostou da brincadeira?
Ele não respondeu.
- Depois de quase morrermos várias vezes e sermos presos no laboratório de uma louca, eu achei que precisássemos rir um pouco. Você tinha que ver a sua cara agora. É muito engraçado.- ela riu novamente
- Você fazendo brincadeiras? Você me surpreende a cada dia!
- EU!? Você que surpreendeu todas aqui. Acho que elas ficaram surpresas com o seu amiguinho!
- Pera! Desde quando você tá me observando? Você tava observando eu me vestir?
- Não! Claro que não!
Ela não parava de rir. O que talvez entregasse que ela estava observando ele já havia um tempo.
Os seus cabelos estavam molhados. Talvez ela estivesse tomando banho antes no rio. Como Raymond não tinha a notado? Ela vestia também uma calça, sandálias e a blusa era sem manga.
- Tudo bem... Ainda bem que eu encontrei com você. Preciso falar algo muito importante com você. Eu e Peter tivemos uma discussão feia. Eu quero ajudar todas essas pessoas, quero torná-las livres enquanto ele pouco se importa com o que pode acontecer com elas. Ele disse que se eu quiser liderar essa rebelião, ele está fora. E você?
Emma mudou sua expressão extrovertida para uma expressão séria.
- Olha, Raymond! Para o Peter nós temos a opção de não participar dessa rebelião, mas o que vocês não percebem é que este país está na mira de uma guerra. Mas não estou falando de uma guerra pequena, como a que está acontecendo entre o Império Fluminense e Arcádia. Estou falando em uma guerra entre o Império Vermelho e a Inglaterra. Mais precisamente entre Angelina e a ordem da maçã.
- Não entendi onde você quer chegar com isso...
- Nós não teremos paz enquanto a ordem decidir que teremos. Eles estão guerrendo por campos de influência. E o Império Fluminense é um importante ponto. Simplesmente porque todos sabem agora que você e Raymond vivem aqui, além de Angelina ter algumas bases escondidas de pesquisa, como a que nós fomos presos.
- E isso significa que você me apoio na decisão de liderar essa rebelião?
- Sim. De certa forma sim. É um jeito de nós lutarmos por mudanças. E embora Angelina seja um ser deplorável, os homens que ela está em guerra contra não são nem um pouco melhores.
Raymond escutava com atenção tudo o que Emma dizia. Agora tudo parecia fazer mais sentido.
- É difícil dizer quem são os piores, mas eles mataram o meu marido e sumiram com minha filha. Se Truman não estivesse a serviço de Angelina, ele me torturaria por anos do mesmo jeito, pois a ordem é tão cruel quanto Angelina. Por isso, não se engane. Angelina não é a vilâ da história, ela é apenas uma das vilãs.
Quando ela lembrou das torturas, Raymond omeçou a se perguntar como ela poderia conseguir ainda fazer brincadeiras e rir tendo sofrido tanto. Ele se perguntava se ele seria capaz de fazer isso se tivesse sofrido tanto quanto ela. Ele já não tinha a mesma vontade para acordar como antes. Cada dia, cada hora que passava era um tormento. Ele se perguntava quando seria a próxima vez que teria que escapar da morte.
- Como você consegue?
- Como eu consigo o quê?
- Sorrir, brincar... Depois de tudo o que aconteceu com você?
- Raymond, não ache que é porque eu rio e faço brincadeiras que eu esqueci de tudo o que aconteceu comigo. Todos os dias que eu vou dormir lembro da minha filha, do meu marido, de toda tortura que eu sofri. Acredite... não é fácil! Mas se nós nos deixarmos levar, vamos morrer com essa angústia.
- Eu nunca vou deixar de sofrer...- o rapaz sussurrou
- O quê?! Não seja tão pessimista, garoto. Eu era para ser a pessimista aqui! Você não pode se deixar sofrer para sempre. Faça isso pelos seus amigos. Respeite, fique de luto, mas siga em frente e faça com que a morte deles não seja em vão.
- É isso que eu mais temo. Que a morte deles seja em vão. Que eu não consiga liderar essa rebelião. Que todos nós morramos e sejamos apagados da história. Eu tentei passar confiança para o Peter a fim de convencê-lo a me apoiar, mas a verdade é que eu não me sinto confiante. Eu me sinto impotente. Você entende?
Raymond estava se abrindo de verdade, compartilhando tudo o que sentia. Isso surpreendou Emma. Ela jamais imaginou que ele confiaria tanto nela a ponto de contar-lhe aquilo. Mas a verdade era que não tinha sobrado ninguém com quem contar. O amigo não o apoiava. A única pessoa que havia restado era ela.
- Eu entendo, Raymond. Eu já passei por isso e na verdade enfrento esse sentimento todos os dias. Mas nós não podemos nos entregar a esse medo. Tudo bem. Vamos supor que nós nos escondemos em um lugar que fiquemos a salvo, certo? Será que não nos culparíamos por não ter feito nada? Por não ter nem pelo menos tentado ir contra toda essa justiça?
- Sim. Eu me sentiria culpado. Na verdade... eu me sentiria um covarde.
- Então... Você tem que pensar nisso quando essas dúvidas começarem a passar pela sua cabeça. Sentir medo não é errado, mas se entregar a ele é.
O rapaz agora recompunha sua expressão de tristeza para uma de confiança. Emma conseguia perceber que aquela conversa tinha o ajudado. Ele aparentava estar mais confiante.
- Você tem razão, Emma. Nós não podemos nos entregar ao medo. Eu só espero que o Peter compreenda a minha escolha. Não quero perder mais um amigo. Quero que ele me apoie, por que ele tem que ser tão egoísta?
- Bem...
- Aqui estão vocês!- Maria interrompeu- Nós viemos lhes mostrar onde vocês vão dormir.
Peter estava ao lado dela, quieto, sem pronunciar alguma palavra ou se expressar de alguma forma.
- Ah muito, obrigada! Não precisava! A gente podia dormir no chão mesmo.
- Mas é onde a gente vai dormir mesmo, Emma.- Peter riu- A única diferença é que teremos um "travesseiro" de algodão.
- Ah, sim. Mesmo assim, estamos muito agradecidos.- respondeu sem graça, preocupada com a reação de Maria.
- Que bom. É só me seguirem. Por aqui.
Todos seguiram para onde deveria ser o local onde iriam dormir. Peter seguiu ao lado de Maria e Raymond e Emma foram a alguns passos atrás.
Enquanto caminhavam Raymond colocou a mão esquerda no ombro de Emma e agradeceu pela conversa sussurando para que Peter não escutasse.
- Obrigado! Você me ajudou quando eu mais precisava.
- Nada. Temos que ajudar uns aos outros.
- Verdade... e por favor, não fale nada sobre o que conversamos com Peter. Não quero discutir com ele agora. Amanhã eu tento convencê-lo a ficar.
- Tudo bem. Espero que ele mude de ideia. Se precisar de ajuda com o cabeça dura...- ela apontou para Peter- é só me falar.
- Pode deixar.- ele riu
***
Será que Peter vai mudar de ideia? O que os aguarda além daquela floresta? Eles tem realmente chances contra o governo fluminense?
Isso você descobre no capítulo 28.