Continuei estática por mais alguns segundos, até tomar coragem o suficiente para levantar e correr. Não queria encarar Meena ou Rubi, que vinham ao meu encontro. Eu só queria... esquecer do medo.
Rapidamente, contornei as passarelas, voltando para meu quarto em um piscar de olhos e fechando a porta com força. Não me importava se a noite de trabalho não havia acabado ainda. Minha mão estava doendo, e eu não voltaria para ter que encarar a todos.
Assustei Bia ao chegar de supetão, mais ainda por estar segurando meu pulso com a outra mão.
Pelo jeito, havia sido mais do que um simples machucado, de acordo com minha amiga assustada. Bianca dissera que, de raiva, Datha havia torcido meu pulso.
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Implorar ao motorista da Sociedade para que me levasse antes dos outros tinha sido um trabalho árduo. Mas pelo menos esconder minha mão enfaixada era menos difícil, estando com alguém que não ligava entre eu estar viva ou morta no banco de trás.
A freada súbita quase me jogou para frente, o que aquele homem provavelmente gostava de ver. Ao invés de reclamar, simplesmente pulei para fora, observando enquanto a placa do carro preto (que demonstrava estarmos em Folkestone) se afastava cada vez mais.
Se aquela fosse mesmo a região escrita em letras brancas na parte de trás do veículo, então eu estava incrivelmente distante da casa de meu pai. Folkestone ficava praticamente na fronteira do país, sendo uma cidade portuário. Isso explicaria a grande quantidade de peixes que vi passar de um lado a outro nas ruas.
Os braços pequenos porém fortes de Thereza me impediram de respirar, quase fazendo com que caísse no meio do pátio.
- Alessa!!! - gritou, empolgada - Por que você não veio ontem?
A verdade era que, como no dia anterior eu me sentira péssima durante a manhã (tanto emocional, por saber da morte de minha mãe, quanto fisicamente) apenas continuara deitada na cama, afundada em pensamentos, até perceber que já se passavam de 10h e 59min. Thez me soltou, encarando nos olhos e franzido as sobrancelhas.
Então, percebeu o que eu tanto tentava esconder nas mangas excessivamente longas do vestido azul.
- Ah! Você machucou sua mão? - perguntou, descobrindo meu pulso para examiná-lo - foi por isso que não veio?
Imediatamente, puxei meu braço de volta, ignorando a figura de um Leo preocupado que surgia de trás da pequena garota.
- É, faltei por causa disso. - menti - Não foi nada de mais. Só uma forçada meio brusca.
A desconfiança dos dois era quase palpável, e pude ver a aflição se formar entre os olhos azuis de Leo e os olhos amendoados de Thez.
- Alessa... - começou o garoto, inquisidor - como você se machucou?
Senti o medo me atingir. Eles não estavam mais acreditando.
Sorri amarelo, pensando em uma boa maneira de contornar o assunto.
×××
O tempo na Academia novamente passara rápido demais.
Era sempre a mesma coisa, sempre o mesmo esforço para ser o mais lenta possível, e quem sabe ter a sorte de precisar ficar depois da aula, terminando os deveres. A única diferença naquela manhã, eram os olhos franzidos que a professora de literatura dirigira a mim, os cabelos grisalhos parecendo mais desarrumados ainda. Apenas sorri sem graça, escondendo o pulso dolorido em baixo da mesa.
Quando o sinal bateu, praticamente corri, ignorando o chamado de Leo e Thez. Os dois ficavam cada vez mais insistentes em me levar para dar uma volta após os Cursos, o que eu daria de tudo para conseguir. Pobres almas piedosas, que nem sabiam o perigo que corriam apenas em falar comigo... cheguei tarde de mais.
Todos já estavam reunidos em volta dos carros, como se fôssemos vizinhos de quarteirão pegando o mesmo meio de transporte, e mantinham expressões frias. Era necessário aguardar todos os membros da Sociedade, o que normalmente levava alguns minutos.
Porém, assim que o olhar preocupado de Ônix cravou em mim, percebi que o pouco que passaríamos ali podia se tornar muito mais. Apesar da hesitação, por conta do coração acelerado, prossegui, parando ao seu lado.
- Onde está Rubi? - foi a primeira coisa que perguntei, sem conseguir encará-lo nos olhos.
Naquela manhã, talvez por conta dos sentimentos à flor da pele, Ônix parecia excepcionalmente encantador. Os olhos arregalados brilhavam entre verde e preto, dando a ilusão de lágrimas. A pele branca estava do tom da neve, sem marca alguma (além daquela que eu sabia estar em seu peito). E os cabelos, penteados para trás, começavam a encrespar, com algumas mechas rebeldes.
Logo após a breve análise, corei, percebendo que me encarava fixamente.
Meus olhos, dentro de poucos dias, tornaram-se viciados em sua aparência angelical.
- Ela não está se sentindo muito bem. - murmurou, engolindo em seco. Notei o quanto a saúde da irmã o assustava, sendo ela sua única família.
Levantei os olhos, chocada, e toquei seu ombro, ignorando a tremedeira que tocar-lhe me causava. Maldita transparência adolescente!!!
- Eu sinto muito. Tenho certeza de que ela vai ficar bem... - tentei soar convincente.
Ônix não pareceu acreditar em minhas palavras, as íris cintilando. Só neste momento, percebi que a umidade em seus olhos era real, e não apenas reflexo da luz. Ele estava com medo.
Rubi estava realmente mal.
De repente, após olhar brevemente em volta (ninguém estava sequer virado em nossa direção), agarrei sua mão com força, querendo ajudá-lo a se sustentar.
Era a menor coisa que eu podia fazer, mas fiz com os dentes trincados de determinação. Ele pareceu surpreso, a pulsação traspassando levemente para meus dedos. Fechou a mão, agarrando de volta com a mesma intensidade, e colamos os braços, escondendo os dedos entrelaçados.
Ele estava tão tenso, que chegou a doer um pouco a pressão que fazia. Mas aguentei firme, consolando-o como tantas vezes fizera comigo. Não era hora de pensar em meus problemas.
- Alessa... - tentou sussurrar, mas sua voz tremeu.
Ele estava se segurando para não correr até a caçula. Rubi... O que aconteceu em apenas uma noite?
- Não. Não fale nada. - agarrei-o com mais força, soltando a manga que cobria meu pulso ferido - Ela vai ficar bem.
Encarei-o com a mais absoluta certeza, embora eu mesma temesse pela garota que tentara me ajudar na noite anterior. Era difícil resistir ao ímpeto de perguntar o que havia acontecido, mas o artista obviamente se desmancharia.
- Seu... seu braço... - Ônix tentou, apontando para meu ferimento. Seus olhos tornaram-se ainda mais cheios de aflição.
- Não foi nada. - afirmei, deixando de lado a insegurança - sei que está torcido, mas ele ainda serve para te ajudar a ficar de pé. Só precisa pedir.
Seu olhar encontrou o meu, persistência contra pavor, e consegui enxergar algo a mais ali dentro além da dor: uma gratidão imensa, e um enorme amor.
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Oi gente!!!!
Espero que estejam gostando, de verdade. Obrigada, novamente, por estarem acompanhando. Sem isso, nossa história jamais teria ganho o concurso.
Eu acabei apagando o capítulo de agradecimento, então coloco aqui para que saibam o que Porcelana conquistou.
E tudo isso é graças ao amor de vocês com essa história!!! Fiquei mega inspirada para este capítulo.
Bjsss, meus bambolottos e minhas bambolas!!!!! Amo vocês!!!!