Cap. 35: Questões Mal Resolvidas

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A sala na qual entramos, utilizada pelo curso de Canto, estava vazia, pois naquele dia eles estavam ensaiando em outro edifício. Ônix conferiu o corredor, para ver se havia alguém lá, e fechou a porta. Depois, me encarou, respirando fundo.

Eu tinha certeza de que ele podia ouvir as batidas de meu coração. Se bobeasse, viriam reclamar a mim por causa do barulho. E era aquele tipo de pulsação acelerada que te faz tremer, e sentir as próprias veias pelo corpo.

- Olha, Ônix... - comecei, engolindo em seco. As palavras não saiam.

- É um assunto urgente. - falou, me interrompendo - Não há tempo de enrolação.

Ele se aproximou de mim, tão perto, que tocou meu ombro e me puxou, seu rosto branco quase encostado ao meu e os olhos coloridos voltados ao chão:

- É sobre a Sociedade. - sussurrou.

Meus joelhos fraquejaram e eu quase caí. Era tudo pura ansiedade desnecessária, mas a proximidade dele me fazia recordar de certas coisas que preferia esquecer. Além de que eu não havia comido nada desde o dia anterior. Meu estômago também não estava lá essas coisas.

- O-o quê? - precisei controlar minha própria voz para não gaguejar. Convenci-me de que era apenas a gripe atuando em minha garganta. Talvez a gripe também deixasse uma sensação estranha de dormência no cérebro.

Ônix suspirou, o que fez seu hálito soprar meu cabelo levemente. Fez cócegas, e eu passei a tremer ainda mais. A culpa por não ter conversado ainda sobre tal assunto estava me corroendo.

- A Sociedade anda decidindo algumas coisas, e ultimamente tudo está estranho. Não compartilham mais tantas informações conosco, nem sequer com Meena. - sua voz era concentrada e séria, o que ressaltava a gravidade do assunto - mas, hoje cedo, quando procurei Rubi, nos contaram de um dos planos. Eles vão... nos permitir uma visita aos familiares.

Arregalei os olhos e me afastei, encarando-o.

- Está falando sério?! - perguntei, chocada. Eu só não gritara por medo de que alguém escutasse.

- Sim.

Eu não sabia se ficava feliz, incrédula ou assustada, afinal, tudo o que a Sociedade oferecia tinha um custo por trás.

- Eu... vou ver meu pai... - sussurrei.

Pai. Uma palavra na qual pensava todas as noites antes de dormir, e resolvia esquecer toda manhã, para não me sentir pior ainda. Ver meu pai novamente havia se tornado uma possibilidade tão distante, que eu nem cogitara... mas agora, depois de tudo, não sabia como reagir. Será que ele havia ficado preocupado comigo? Será que tentara me recuperar?

- Eu também. - Ônix falou de repente, fazendo-me despertar do transe de pensamentos. Sua voz era tão amarga, que me surpreendeu - vou ver meu pai, minha madrasta e meus irmãos.

Todos os pensamentos confusos pararam. A tristeza em suas palavras era enorme, o que me fez olhá-lo melhor. Suas mãos estavam nos bolsos da calça social branca, e seus olhos brilhavam, claros naquela manhã. Porém, o que mais se destacava, era a linha fina e rígida na qual seus lábios transformaram-se. Era possível perceber claramente que ele estava tenso.

- O que foi? - perguntei, preocupada.

Ele suspirou, finalmente retribuindo meu olhar.

- Nada. Por enquanto. - e calou-se.

Nos próximos segundos, o silêncio pesou, e foi só então que tomei consciência do quanto estávamos unidos. Seu ombro estava apoiado no meu, e sua cabeça pendia levemente em minha direção. Respirei fundo, sentindo o rosto queimar. Mas que droga! O que está acontecendo comigo?

- Mas por que eles estão fazendo isso? - perguntei, querendo aliviar o clima.

Então, Ônix fez algo que quase me assustou: sua cabeça caiu para o lado, e ele a apoiou em meu ombro. Sobre o barulho acelerado de meu coração, que tamborilava nos ouvidos, pude perceber seu cansaço. Tanto físico (pela noite mal dormida) quanto emocional (pelos problemas familiares dos quais eu não tinha conhecimento).

- Não sei, musa. Mas você sabe que nunca é algo bom. - terminou em um sussurro, o cabelo encostado em minha bochecha.

Pude sentir seu perfume, algo entre extrato de moringa e camomila, quase hipnotizante. Incrivelmente, até aquilo combinava com sua personalidade, doce e tranquilizante. Espera. Desde quando eu sou tão analista?

- Hã... Ô-ônix... - gaguejei. Por causa daquilo, mordi minha própria língua (não tão forte, claro), em repreensão.

- O que foi? - perguntou, baixo.

- Eu... eu quero... - fechei os olhos com força - me desculpar.

Senti sua cabeça desencostando-se de meu ombro. Abri os olhos, para vê-lo me encarar com as sobrancelhas franzidas.

- Pelo quê? - perguntou, sem entender.

- Pela... pela brincadeira de Halloween. Sabe... pelo beijo. Eu sinto muito, não sei o que estava pensando. E... - meu olhar desceu para o chão - Não quero que as coisas fiquem estranhas.

Por meio segundo, não houve resposta, o que me deixou mais nervosa ainda (se é que era possível). Então, ouvi um risinho, e um polegar levantou meu queixo. Dar de cara com a imensidão verde e negra de seus olhos não servia muito bem para desacelerar o coração, apesar da diferença entre os tons de suas íris sempre prenderem minha atenção.

- Confesso que pensei bastante sobre isso. Talvez um dos motivos que tenham tirado meu sono. - sorriu. Sua sinceridade e calma eram tão inesperadas para mim, que fiquei admirada. O tom doce de sua voz só me fazia perder mais o controle do limite entre encarar e ficar vidrada por um ponto fixo. No caso, o ponto fixo era sua boca - mas... bem... per quello scusarsi se fosse qualcosa hanno apprezzato?

Pela pequena fração de italiano que aprendi, entendi uma parte da frase. O que já foi suficiente para quase me fazer cair (de novo).

- Hã... - tentei, mas nenhuma frase coerente formava-se em minha cabeça.

Ônix, com seu sorriso de canto característico, terminou a distância entre nós, encostando a ponta de nossos narizes. Já neste momento, entrei em estado de suspensão e dormência.

- É minha vez de brincar, ispirazione. - falou, e do nada, beijou o canto de minha boca.

Seus lábios finos tocaram de leve minha pele, fazendo cada parte de meu corpo arrepiar-se. Congelei na hora, sem reação. Tudo o que sabia, era que aquilo não era indesejado.

Quando se afastou de mim, a expressão serena e sonolenta, sorriu, os dentes brancos brilhando, e bagunçou meu cabelo.

- O professor está esperando, fiore. - falou, pegando sua cadeira e saindo lentamente. Não sem antes piscar para mim, claro, com os cílios longos e cinzentos.

Fiquei um pouco mais por ali. De repente, entendi o que eu mesma havia feito no Halloween. E, devo dizer, não era tão engraçado para a outra pessoa quanto imaginara. Era, simplesmente... indefinível.

Naquele dia, levei uma bronca por me atrasar meia hora.



Per quello scusarsi se fosse qualcosa hanno apprezzato? = para que se desculpar, se foi algo que gostei?

Ispirazione = inspiração.

Fiore = flor.

Oi gente!!! Tan nan nan!!!

E aí? Gostaram?

Acham algum ator ou atriz parecido com qualquer um dos personagens? Digam pelos comentários ^-^.

Bjsss, aproveitem!!!

Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora