Senti as palmas de minhas mãos suarem. Cerrei os punhos. Me sentia tensa. Talvez a brincadeira de Halloween não tivesse sido uma ideia tão boa assim.
- Você viu a Rubi? Tenho que combinar algumas coisas com ela. - Ônix comentou, bocejando.
Uma onda de alívio me invadiu. Pelo menos naquele momento, ele escolhera ignorar o assunto.
- Não. Acabei de acordar. Estava falando com a Meena, mas ela... meio que fugiu. - respondi, relaxando os músculos duros. Mesmo que eu tentasse controlar, meu coração continuava acelerado.
Ônix passou os dedos pelos fios (novamente brancos) do cabelo, jogando-os para trás. Então, ele pareceu notar meu estado, cerrando os olhos.
- Não dormi bem esta noite... - murmurou - mas você parece estar vinte vezes pior. O que aconteceu? Te empurraram da escadaria?
Revirei os olhos, relembrando minha atual condição de zumbi.
- Que engraçadinho. - respondi, pondo as mãos na cintura - mas não, Datha ainda não teve a chance de fazer isso. Só acordei meio doente. Acho que é uma gripe forte.
Percebi, pelo olhar de Ônix, que não estava apenas fazendo humor. Ele estava preocupado de verdade.
Então, com o negro dos olhos mais brilhante do que o verde, piscou, dissipando o sentimento.
- Espero que não seja nada demais, musa. - falou, aproximando-se de mim e bagunçando meu cabelo - non supportare un'altra persona malata buono.
E saiu, em busca de Rubi, deixando-me novamente sozinha e mais nervosa que antes.
×××
Na aula de Literatura, o tema era poesia. Meu pensamento distante, finalmente se prendera em algo, e eu quase não percebi o que escrevia. Deixei que os sentimentos me invadissem, como a professora indicara, e comecei a rimar.
Ficou mais ou menos assim:
"Se em algum dia,
Bonecas você enxergar,
Não tenha medo,
Elas só sabem chorar.
Por trás do belo vestido,
Do nada e da escuridão,
Tudo o que existe,
É o caos e a solidão.
Após os olhos de vidro,
Nada você vai encontrar,
Pois para elas é proibido,
O ato de pensar."
Meu lápis parou no meio do caminho. Não. Eu não podia entregar aquilo.
Procurei em meio aos materiais (distribuídos como "cortesia" pela Sociedade) a borracha, para apagar tudo o que havia escrito. Mas então, parei. Por que eu ia apagar? Afinal, ninguém ia descobrir sobre o que se tratava.
Mesmo que eu tivesse desistido de meu pensamento rebelde no segundo seguinte, já não havia mais tempo, pois a professora passou recolhendo os trabalhos, e agarrou o meu antes que pudesse impedir. Pensei mais uma vez se pegaria de volta, mas não o fiz.
De alguma maneira, queria que o mundo soubesse o que eu estava sentindo, mesmo que não por completo. Afinal, tudo era uma questão de interpretação.
×××
Na aula de Teatro, o professor, Sr. Mack, nos mandara transferir as cadeiras de nossa sala para o palco do auditório. Naquele dia, a aula seria lá, de acordo com suas palavras animadas. Então, cada um com uma cadeira embaixo do braço, eu e Leo rumamos à empolgante aula, conversando sobre amenidades.
- Então, como eu estava dizendo... - Leo continuou, tagarelando sem parar - tipo, agora que fiz 19 anos, a faculdade de administração e tals está me parecendo cada vez mais difícil. Estudar de noite, fazer curso durante a manhã e acompanhar meu pai na empresa durante a tarde é coisa de louco! Acho que estou ficando velho demais para isso.
Ri, revirando os olhos, e dei uma cotovelada de leve em Leo, para que parasse de bobeira. Estávamos no bloco do ginásio, então restavam mais algumas salas para que chegássemos ao auditório.
- Aí, ontem, tinha uma menina super fofa na faculdade. A gente ficou e... - parei abruptamente.
- Quê? - perguntei.
- Que o quê? - Leo perguntou, confuso.
- Menina? Tipo, menina, menina?
Ele cruzou os braços, entendendo. Arqueou uma sobrancelha, fingindo indignação.
- O que foi? Um cara não pode ter gostos variados? - falou, empinando o nariz.
- Não! Não é isso! Claro que pode! Mas é que eu... nunca imaginaria... - me engasguei com as palavras.
Dessa vez, foi Leo quem me deu uma cotovelada de leve e riu, impulsionando-me a voltar a andar.
- Sim, sim. Você nunca me imaginaria fazendo uma coisa dessas, porque sou uma pessoa glamorosa demais para ficar com meros mortais. Já ouvi bastante. - sorriu de canto - vamos indo, antes que o professor começe o show sem a gente lá.
Não pude evitar sorrir, observando o bom-humor incrível de meu amigo. Ele conseguia puxar quase tudo para o lado simpático, sem se importar. Eu o admirava por isso, e desejava ser um pouco mais parecida.
Assim que demos a volta no corredor, nos deparamos com alguns estudantes em um canto, conversando. Eles sussurravam, apoiados nas cadeiras que eram para ir à aula de Teatro. Continuamos seguindo, sem nos importar muito com aquilo.
- Ei, ei, ei! Pra onde vai, loirinha? - um deles perguntou, elevando a voz - tem a noite livre hoje?
Demorei meio segundo para assimilar que ele estava falando comigo, e só o fiz porque Leo me cutucou com o dedo. Parei de andar no meio do caminho.
Eu nunca me vira como loira, pelo menos enquanto era uma pessoa normal. E ouvir da boca de um terceiro que as coisas haviam mudado, machucava, e muito mais do que eu gostaria de admitir.
- Não me chame de loirinha. - falei, lentamente, carregando cada palavra com uma ameaça clara. Apertei meus punhos na cadeira.
- Ah, é uma loirinha perigosa. - o garoto, alto e magro, retrucou, continuando com a provocação. Ele se levantou da cadeira em que estava sentado e começou a se aproximar, escondido por um moletom escuro. Toda a combinação o deixava parecido com um rato, o que pude constatar claramente observando-o pelo canto do olho - tudo bem. É mais divertido. Tem a noite livre hoje?
Trinquei os dentes. Leo, percebendo para onde as coisas se dirigiam, resolveu intervir.
- Não. Não tem. E mesmo se tivesse, ela jamais sairia com alguém como você. - falou, decidido.
Os outros garotos (a continuação da família de roedores, ao meu ver) riram, exageradamente. O que só estimulou seu "chefinho" a continuar.
- Não falei com você, loira 2.0. - respondeu à Leo - falei com a sua amiguinha. Com a boneca aí.
Fechei com tanta força os dedos ao redor da cadeira, que a marca do parafuso ficou em minha mão. Respirei fundo, pois aquele não era um dia bom. Além de doente, eu estava triste e cansada, uma combinação péssima.
Tive certeza de que, naquele segundo exato, iria enforcar aquele rato. Eu estava precisando mesmo extravasar a raiva.
- Não.me.chame.de.boneca - sussurrei, pausadamente.
Foi tão baixo e sibilante, que o garoto não ouviu.
- O quê? - sorriu de canto, fazendo sua trupe rir mais - o que você disse, boneca?
É. Eu iria matá-lo.
Levantei a cadeira e me virei, pronta para jogá-la em sua cabeça (e teria feito mesmo), caso alguém não tivesse impedido.
- Deixem ela. - Ônix falou, andando até o garoto - chega de provocação.
Não nego que me surpreendi, cerrando um pouco os olhos. O que ele está fazendo?
O rato, bufando, respondeu, em tom de desafio:
- Ah, é o artista da turma. Vai fazer o quê? Nos bater com um pincel?
Risos ecoaram.
Ônix, então, largou sua cadeira e se apoiou nas costas dela, arqueando uma sobrancelha.
- Não, não vou. Mas aposto que meu motorista adoraria dar uma retocada na sua cara. E... - estalou a língua, do jeito mais sarcástico e debochado que poderia fazer - infelizmente, o resultado não seria tão artístico assim.
E pronto. Com essa simples frase, ele fez o "machão" recolher suas asinhas, chamar os amigos, e todos se recolherem sibilando e encarando feio, como os animais que eram.
Quando terminou, Ônix ergueu sua cadeira e começou a andar em nossa direção.
- A estratégia do motorista sempre funciona. - falou, obrigando-nos a voltar a andar - pode agradecer agora. Salvei suas peles.
Pisquei, ainda sem entender o que ele havia feito.
- Hã... obrigada. Mas eu não precisava ser salva. - respondi, séria.
- Eu sei disso. Por isso não salvei você, e sim eles. Previ que em pouco tempo, cada um ganharia uma bela cadeirada. - respondeu, fazendo com que Leo engasgasse e risse - ademais, acho que sua querida tia Datha não gostaria muito de saber que massacrou um bando de garotos na escola, não é?
Suspirei, revirando os olhos. Ele tinha razão, embora eu jamais fosse admitir.
- Olha, eu vou na frente, ok? - Leo falou, andando mais rápido. Percebi-o piscar de leve.
- Ah, não! Pode ir parando aí, senhor Leonardo! - mas entre eu ter falado isso e nada, daria no mesmo.
Leo continuou avançando, com um sorriso de canto.
O mau-humor dos segundos seguintes me impediu de notar o que estava acontecendo. Então, quase como um tapa na cara, meu cérebro atrasado percebeu: eu estava sozinha com Ônix. Quase derrubei a cadeira, tão súbita foi a arrancada que meu coração deu.
- Na verdade, foi bom que seu amigo tenha se distanciado. - Ônix comentou de repente, fazendo-me engolir em seco - nós precisamos conversar.
E, com mais outra simples frase, conseguiu me fazer encará-lo em pânico, enquanto me puxava para dentro de uma das salas.
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Non supportare un'altra persona malata buono = não suportaria uma outra pessoa especial doente.
Oi gente!!! Cap enorme!!!! Espero que tenham gostado!!!
E o mistério se mantém até a continuação.
Bjsss, aproveitem!!!
P.s: um milhão de vezes OBRIGADA, pela maior posição até agora no ranking. #11 em Fantasia. Quase não dá pra acreditar!!!!