Tudo Pela Reportagem

By mariiafada

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PLÁGIO É CRIME - Todos os direitos reservados a Maria Augusta Andrade © Não autorizo qualquer reprodução ou u... More

Prólogo.
Primeira parte.
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Segunda Parte.
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!!!!!100 MIL F*CKING VIEWS!!!!! ❤️
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31 (Pra quem não está conseguindo ler!!)
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42. [Final]
Epílogo.
Agradecimentos.
Capítulo Bônus (1)
Booktrailer <3
Se você gostou de TPR, vai gostar de Morde e Assopra também!
Capítulo Bônus da Gabi! Yey!

40.

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By mariiafada

Não foi daquela maneira que eu planejei conhecer Samantha. Em minha cabeça, eu iria até ela com toda as minhas falas planejadas. Seria aquela que lhe traria a verdade, mesmo que a modelo, a princípio, não acreditasse em mim.

Eu imaginei tudo. Iria até o hotel onde a filha de Slender estava hospedada e contaria a verdade sobre ele. As atrocidades que ele cometera, a morte forjada de Sônia. E quando a garota duvidasse, eu lhe mostraria o colar: "Vá até o asilo e veja você mesma".

Não era daquele jeito – eu perdendo a capacidade da fala enquanto Samantha me encarava – que eu imaginei. Ela estava ali, parada, esperando por uma resposta, seu cabelo bagunçado daquele jeito arrumado que as modelos usam, com uma maquiagem pesada e roupas de grife.

– Qual o problema, Sam? – a amiga dela perguntou, sem entender o que se passava.

– É essa garota que tem que nos dizer – Samantha apontou com o queixo para mim. Seus olhos se focaram especialmente no meu rosto agora pálido. – Espera, eu te conheço?

Talvez o inchaço na minha bochecha direita, mesmo que atenuado pelos remédios que o médico passou, tenha me deixado um pouco irreconhecível. As marcas roxo-azuladas no meu pescoço eram impossíveis de se esconder com remédios, então eu tive de passar maquiagem.

Eu ainda não tinha conseguido falar uma palavra sequer. E provavelmente não iria conseguir. Mesmo que quisesse dar uma explicação à Samantha, seria impossível naquela noite, no meio de uma exposição de arte. Eu tinha muito a dizer.

Relutante com a ideia de deixá-la ali, confusa e sem respostas, dei as costas às modelos e corri de volta para as escadas, pegando o meu celular e digitando uma mensagem rápida para Scarlett: Houve um imprevisto, encontro vocês em casa!

– Espera, não pode sair assim! – protestou Samantha enquanto corria ao meu encalço.

O meu salto era menor que o dela, o que me deu uma vantagem para correr mais rápido. Enquanto ela ainda descia as escadas, eu já estava atingindo a porta da galeria. – Não vá! Ei, espera!

Ofegante, cheguei à calçada e parei por alguns segundos para respirar. A rua estava agitada, outras galerias também davam festas e promoviam exposições naquela noite. Olhei de um lado para o outro, desesperada. Vislumbrei um táxi parando do outro lado da rua e deixando um casal descer. Corri até ele e assim que o vi livre pulei para dentro.

Devido ao meu recente trauma com táxis, precisei me inclinar para frente e olhar bem para o rosto do motorista. Queria ter certeza que não se tratava de alguém que eu tinha incendiado ou ofendido recentemente. Era só um senhor de idade, que se assustou com a minha aproximação repentina.

– Posso ajudá-la, senhorita? – ele balbuciou sob o meu olhar crítico e desconfiado.

– Ei, eu preciso falar com você! – Samantha estava atravessando a rua e vindo na minha direção. – Não vá embora!

– Sim, você pode – eu disse ao taxista.  – Preciso sair daqui agora!

Atendendo ao meu pedido, o homem arrastou o carro e acelerou pela rua, só parando no sinal vermelho, muitas quadras à frente. Atirei-me no banco e respirei fundo, o coração batendo pesado.

– Nós temos um destino, senhorita?

Eu fiz que sim com a cabeça e disse a ele o meu endereço, que era ali mesmo no Chelsea. Enquanto o táxi fazia o retorno, eu me encolhi no banco, sentindo-me culpada por ter não ficado e explicado tudo à Samantha.

O problema é eu não estava preparada, não podíamos fazer aquilo ali, não seria apropriado. Era preciso um pouco de tato e preparo para dizer à uma pessoa que sua mãe, a qual você pensava que estava morta, na verdade continuava bem viva. E que seu pai, o qual ama tanto, é um ser humano bem pior do que você jamais poderia imaginar.

No entanto, agora que Samantha sabia que havia algo de errado, eu não poderia me demorar muito. De qualquer maneira, teria de confrontá-la antes da próxima terça-feira, o dia do meu encontro com Slender. Eu precisava daquele cartão de memória.

O táxi parou em frente ao meu prédio depois de alguns breves minutos. Eu paguei ao senhor de idade, dei-lhe um sorriso e sai do carro. Fiquei de costas para a rua por um segundo enquanto mandava outra mensagem de explicação para Scarlett.

Assim que me virei, tomei um leve susto ao perceber que outro carro estava parado exatamente onde o táxi se encontrava segundos antes.

Era uma Mercedes preta, a qual eu conhecia muito bem.

Homero saltou do seu carro e pela segunda vez na noite eu não soube o que dizer. O meu queixo caiu. Nossos olhos se encontraram e nenhum dos dois conseguiu quebrar o contato visual elétrico

– Mas eu pensei que você... – tentei dizer no momento em que o vi a poucos centímetros de mim.

– É, eu também pensei – Homero abriu um sorriso e puxou o meu rosto para o seu, me surpreendendo com um beijo. Ele não sabia do meu rosto dolorido, então eu sufoquei o grito de dor e aproveitei o beijo, que infelizmente durou pouco.  – Eu precisava vir até aqui, não estava mais suportando. Queria ter ouvido a sua voz quando liguei, e desde ontem não tinha notícias suas...

Ele encostou a testa na minha, parecendo aliviado.

– Desculpe, sou um idiota. Quebrei o meu próprio pedido de "tempo".

Eu ri e o abracei.

– Bem, eu não estou triste por tê-lo quebrado. Senti saudades suas também.

Ele tocou no meu queixo, depois suas mãos foram até o meu pescoço. Senti um medo irracional de alguém me tocando ali novamente, mas apenas sorri, engolindo os tremores da minha alma.

– Vi que acabou de chegar, então estava numa festa se divertindo com as meninas? – Homero perguntou em tom de brincadeira enquanto enrolava uma mecha do meu cabelo entre seus dedos.

– Sim, nós saímos! Mas tive que voltar mais cedo do que elas... – dei os ombros, mas depois sorri e me aproximei mais. – Ou seja, o apartamento está vazio.

Homero riu das minhas intenções, mas seus olhos brilharam de malícia na mesma proporção dos meus.

– Certo... – ele me puxou pela mão até as escadas, onde as luzes do meu prédio nos iluminavam melhor. Parou e voltou-se para mim. – Porque saiu mais cedo da tal festa, aconteceu alguma coisa?

Prendi a respiração inconscientemente.

Não, não aconteceu nada. Só me encontrei sem querer com  a sua ex namorada...

– Bem, não... Eu só estou um pouco cansada, sem clima para festas.

Não era uma mentira, mas também não era a verdade.

– Certo – ele repetiu, mas não estava encarando o meu rosto. Seus dedos foram até o colar de Sônia e eu fiquei tensa na mesma hora. Pela minha expressão, Homero percebeu que algo não estava certo. Quando ele falou, sua voz estava estranhamente calma e distante: – Onde conseguiu isso?

Não dei uma resposta de imediato. Homero se afastou dois passos, mas depois voltou e girou o colar no meu pescoço, como se quisesse se certificar que era real.

– Esse relicário... Meu deus. Não, não pode ser.

Suas mãos estavam cheias de maquiagem quando ele se afastou de mim novamente. Seu rosto antes perplexo foi tomado por mais confusão.

– O que é isso no seu pescoço? Meu deus, Lizzie. – Homero estava sem fôlego. Eu fechei os olhos, incapaz de ver tudo desabar na minha frente novamente. Mais brigas, mais mentiras. A voz de Homero estava quebrada enquanto ele afastava o meu cabelo e deixava as marcas azuladas mais à vista.  – O que aconteceu com você? Alguém tentou... – ele não conseguiu completar a frase. Balançou a cabeça, consternado. Seu peito subia e descia.

– Sim – consegui sussurrar. – Alguém tentou me estrangular.

Quem? – Homero exigiu rangendo os dentes, fazia um esforço enorme para continuar ali, tremendo. – Foi Slender? Quando, Elizabeth? E por que diabos você não se deu o trabalho de me avisar?! Por que não me contou? Quero dizer, pretendia contar?

– Na verdade, não, eu não pretendia.

Uma torrente de emoções estava atingindo Homero, eu poderia dizer pelo olhar em seu rosto. Era como ver fogo e gelo se misturando nos seus olhos azuis. A raiva que ele sentia era tão imensa que Homero não conseguia perder o controle, só a absorvia e a acumulava. A raiva não parecia ser de mim, e sim da situação inteira. Todos os acontecimentos que nos fizeram chegar até ali.

– Aconteceu ontem à noite – respondi firmemente. – Depois que visitei o Asilo Hastings e descobri que Sônia Slender estava viva. Jill Tretton apareceu e... Acho que dá para imaginar o resto.

O quê? – a voz de Homero falhou enquanto o homem me olhava com incredulidade. – Sônia, viva? Não. Eu fui ao enterro dela.

– E provavelmente foi um enterro com caixão fechado, não é? Porque não era Sônia ali e sim outra mulher. Marta O'Hara, babá das crianças.

O silêncio de Homero me fez concluir que eu estava certa.

– Desculpe contar tudo de uma vez – pedi sinceramente. – Eu queria ter falado antes, mas você pediu um tempo...

Você quase morreu! – Homero me interrompeu de maneira abrupta, mas não subiu o tom de voz.  – Você quase morreu, Elizabeth. Entende a gravidade disso? Aquele homem quase... quase matou você estrangulada. E a prova do crime está bem aqui no seu pescoço, me encarando, gritando comigo.

Os olhos dele estavam marejados. Aquelas palavras foram demais para mim. Encolhi-me por dentro e desejei não ter que ouvir a verdade daquele incidente, a verdade da qual eu tanto fugia. Eu quase morri. 

– Acha que eu ligaria mesmo para o "tempo" se soubesse do que estava acontecendo? Meu Deus! Eu quase perdi você e nem ao menos sabia disso! – ele riu sem humor, o que pareceu mais um pigarro. Se aproximou de mim, o rosto ficando a centímetros do meu. Senti o calor da sua respiração, seus batimentos cardíacos acelerados. Lágrimas molharam o rosto de Homero e ele chorou baixinho junto à mim.

Eu pude sentir o que estava por vir. Era como a calmaria antes da tempestade, os leves tremores antes de um terremoto devastador e as mudanças das ondas antes de um tsunami. O sentimento que se assomou no meu peito e o aperto no meu coração, um aviso que ele logo despedaçaria, era como tudo isso.

Finalmente, Homero falou as palavras:

– Eu não posso mais  fazer isso, Lizzie. Eu amo você demais para suportar tal coisa.

Homero se afastou e desceu as escadas. Parou no último degrau, ficando de costas e cabeça baixa. Sua confissão me pegou de surpresa. Eu pisquei, esperando ter entendido errado. Desci alguns degraus também. 

– Espera, o que você quis dizer?

– Eu quis dizer que não posso mais fazer isso. – ele repetiu duramente. – Eu simplesmente... Preciso ir.

Quase não pude acreditar quando o vi caminhar até o seu carro.

– Não, você não pode me dar as costas e se afastar!

Alcancei-o e segurei o seu braço, forçando-o a me encarar de frente, mas Homero preferiu olhar para o chão.

– Eu não vou deixar você ir embora, não de novo. Se você me ama mesmo, fique. Não fuja, enfrente isso comigo. Eu sei que é difícil e sei que dá medo, mas você não pode fugir, porque isso não vai resolver nada! Você diz que tenho problemas de confiança, que o que aconteceu no México me traumatizou, mas quer saber? Você também está traumatizado. Eu não sou a única com problemas aqui! – roubei um pouco de ar para os pulmões e endureci a voz. – E olhe para mim quando eu estiver falando com você!

Homero levantou os olhos sem muita vontade. Eu ainda estava segurando o seu braço, sem deixá-lo ir. Lágrimas de frustração escorriam pelas minhas bochechas e não me dei o trabalho de limpá-las.

– Você também está traumatizado, Homero! Tem um medo constante de me perder, do que vai acontecer comigo... Eu posso até ter te perdoado pelo aconteceu na cabana mas você – aproximei-me mais um pouco dele. – Mas você ainda não se perdoou, e acha que é sua obrigação me manter protegida de todos os perigos do mundo, porque na cabana  você não pôde fazer isso.

Homero tentou puxar o seu braço de volta, mas eu o segurei com firmeza, mesmo que o meu corpo inteiro tremesse de raiva e desespero como o dele.

– Você não é o Superman e eu definitivamente não sou a Louis Lane. – disse com uma risada cansada e baixa.

Homero continuou em silêncio.

–  Você não precisa me salvar. Você só precisar estar por perto, não me dar as costas e ir embora. Nós dois podemos passar por isso juntos, então, por favor, não vá. Fique. Eu estou pedindo, eu estou implorando. Eu o libertei do meu aperto e esperei. Homero me encarou e ele parecia tão quebrado por dentro, tão destruído quanto eu. Não vá. Fique. Seus olhos azuis desviaram dos meus e isso doeu mais do qualquer outra coisa. Perdi o ar. –  Eu simplesmente não consigo mais fazer isso. 

Homero entrou na sua Mercedes e foi embora.

Ele me deu as costas e foi embora.

*

Não é fácil passar pelo término de uma relação. Eu não fui feita pra lidar com esse tipo de acontecimento, meu sistema não sabe parar e sofrer pelo o que se perdeu ou ficar de luto. 

Pelo o contrário, eu ignoro a dor e me afundo em trabalho. Isso foi tudo que eu soube fazer desde que Homero me deu as costas e foi embora na quinta-feira. Passei a sexta e o sábado aperfeiçoando o meu plano e garantindo que nada daria errado. A terça-feira se aproximava e eu precisava estar preparada.

No sábado, antes de finalmente ir até Samantha, Ray me levou para escolher apartamentos.

É perfeito! – o meu amigo exclamou sobre o oitavo apartamento que víamos.

Ele dizia isso sobre todos.

Andei pela sala vazia, ainda incerta se aprovava o lugar ou não. O apartamento tinha dois andares e cinco quartos, tirando a varanda,  a enorme e espaçosa sala que se dividia em duas partes, terraço e a cozinha completa. Eu sabia que Ray exageraria e escolheria os apartamentos mais caros, na localidade mais cara. Todos os apartamentos que ele reservou para visita ficavam no Upper Est Side.

Que ótimo, pensei. Tudo que eu queria era morar há um parque de distância – o Central Park – de Homero, que vivia no Upper West Side. Por outro lado, eu não queria me privar por causa dele.  E aquele apartamento era o meu favorito de todos.

O piso era de madeira, as paredes cor de creme tinham arranjos esculpidos e arcos nos corredores. Todos os quartos eram suítes e três deles possuíam closets enormes. Assim que coloquei os pés ali perdi o meu fôlego, como se soubesse que aquele era o lugar.

– E então, Lizzie, o que achou? – Ray veio aos pulinhos na minha direção, vibrando de excitação e esperança.

– É lindo – admiti. – Os quartos são lindos, aquela cozinha desperta a minha vontade de cozinhar, a varanda é encantadora... Esse apartamento inteiro é lindo.

A corretora de imóveis se aproximou de nós dois, querendo fomentar o meu desejo de ficar com o apartamento.

– A vizinhança é muito tranquila, o trânsito nessas ruas é quase inexistente em boa parte do dia, o prédio permite animais domésticos e... – ela apontou para o apartamento ao redor, segurando uma pastinha azul nos braços. – Ele é impressionante. No terraço você tem uma vista magnífica do parque, além de estarmos pertinho dele. Ninguém que escolhe morar aqui se arrepende, isso eu posso garantir.

– Qual é, Liz, você sabe que quer morar aqui, como em Gossip Girl, conhecer o seu Chuck Bass... O que me diz, heeein? – Ray insistiu, usando sua voz suave de coerção.

Lancei um olhar para o meu amigo de deboche, do tipo: Cara, você está mesmo desesperado.

– Esse lugar é incrível! – disse Lele, descendo as escadas do segundo andar com Gabi e Scarlett logo atrás. – Um dos quartos tem uma banheira de hidromassagem, sabiam?

– Aquele quarto é meu! – Scarlett anunciou, levantando a mão. – Shotgun!*

– Isso só vale para carros – eu informei-a.

– Mas é claro que não, vale para tudo!

– Espera, se tem um quarto com hidromassagem eu também quero! – Ray se prontificou. Ele se virou para mim. – Hidromassagem, Lizzie! Esse apartamento é demais ou não é?

Eu ri e concordei, tentando me manter animada como o restante dos meus amigos.

– E então, todos nós gostamos – Ray me fitou com as sobrancelhas erguidas. – Só falta você concordar.

– Vou dar uma olhada no terraço – indiquei. Forcei um sorriso e deixei os meus amigos na sala, seguindo para a escada que dava acesso ao terraço. O dia estava estranhamente ensolarado, mas frio por causa do vento gelado.

No terraço a primeira coisa que notei foi o jardim do lado esquerdo e algumas cadeiras de sol e espreguiçadeiras do lado direito. Fui até a sacada e fiquei ali, observando a vista do Central Park.

Se eu dissesse que não estava devastada desde a quinta-feira, estaria mentindo descaradamente. Tudo que eu queria entender era o porquê ele tinha ido embora, quando afirmei que poderíamos lidar com aquilo juntos, implorei para que ficasse. Eu não era uma pessoa que implorava, eu era orgulhosa.

Pensar no Homero estava me consumindo, acabando com o meu sossego. Quis ir até a casa dele e confrontá-lo, chamá-lo de covarde por ir embora daquele jeito, quis fazer um monte coisas que no fundo não melhorariam a situação nem um pouco, então eu acabava desistindo de todas elas.

Por outro lado, eu entendia que ficar comigo talvez fosse uma tarefa difícil. Eu me colocava em perigo constante, deixando as pessoas ao meu redor sempre preocupadas. Homero não conseguiu lidar com esse fato e não poder fazer nada ou impedir que eu me ferisse, porque eu não deixaria de me arriscar quando acreditava que tinha uma chance de vencer.

Talvez fosse melhor assim. Nós dois passamos por situações traumáticas antes mesmo de nos conhecermos, talvez o relacionamento fosse demais para ambos.

Eu não posso mais  fazer isso, Lizzie. Eu amo você demais para suportar tal coisa...

– Lizzie?

Reconheci a voz de Gabriela. Olhei sobre o ombro e ofereci um sorrisinho. Ela estava usando um vestido meu que ficava muito melhor no seu corpo, já que Gabi possuía curvas que eu não tinha. Seus cabelos escuros agora tinham luzes mais claras nas pontas feitas por Ray. Eu adorava aquela garota, porque mesmo depois de tudo que passara Gabriela continuava sendo ingênua, bondosa, inteligente e gentil. Seu sorriso era tão puro e cheio de fé na vida que eu não duvidaria se ela ainda acreditasse em Papai Noel.

Gabriela caminhou e parou ao meu lado perto da sacada. Ficamos as duas em silêncio.

– Gostou do apartamento? – ela perguntou depois um certo tempo.

– Ele mora do outro lado do parque – sussurrei e encarei os meus pés, sem dar uma resposta para a pergunta. Inspirei e expirei. – Eu amei todos os apartamentos, em especial esse aqui, mas ele mora do outro lado do parque. E eu não queria arriscar  ter que vê-lo, porque eu não sei se suportaria, Gabi. Não sei se suportaria vê-lo e fingir que o Homero não me afeta.

Gabriela pegou a minha mão e enlaçou com a sua.

– Eu sinto muito, Liz. Sinto muito mesmo.

– Eu já namorei muitos homens, sabe. Já namorei tanto que fiz um "livro do Relacionamento" com regras baseado nas minhas experiências passadas. E sim é verdade, te mostro ele depois – adicionei rindo quando ela arregalou os olhos. –  E Homero foi o único que... Que quase chegou , sabe.

Gabi franziu o cenho enquanto o vento bagunçava seu cabelo.

– Como assim, Liz?

– Homero foi um dos únicos que eu quase... Amei.  – ri de mim mesma. – Eu não sei, acho que foi o modo como tudo aconteceu. Foi tão rápido e incomum. Não foi um namoro. Nós tivemos um único encontro, mas ele provavelmente me conhece melhor do qualquer outro namorado. Eu estava certa que Homero era o cara, sabe? Mesmo que nunca tenha admitido isso em voz alta.

Gabi assentiu silenciosamente.

– Ele não deveria ter ido embora – falei baixinho. Olhei para Gabriela, que estava fazendo uma expressão que se resumia a: Se você começar a chorar eu vou chorar também. – Por que ele não ficou?

Gabriela me abraçou forte e eu afundei o rosto no ombro dela, deixando a frustração escorrer em forma de lágrimas. As mãos dela se moveram em círculos pelas minhas costas enquanto a ventania misturava nossos cachos.

– O seu coração está partido, Liz, eu sei.

– Não – balancei a cabeça. – Ele está despedaçado. E eu nunca pensei que um modo figurativo de se falar pudesse ser tão real. Dói. Dói tanto.

A minha amiga me deixou desabafar por alguns minutos em seu colo, para depois me segurar pelos ombros e me fazer escutá-la.

– Elizabeth, sabe que eu devo a minha vida a você, não é?

Revirei os olhos.

– Está exagerando.

– O inferno que estou! Sabe-se lá qual teria sido o meu destino se você não aparecesse naquele deserto... E desde aquele dia eu te admiro tanto, Lizzie. Você é uma das pessoas mais fortes que eu conheço. É o meu exemplo de mulher. Você já passou por tanta coisa e continua aqui, em pé, acreditando e buscando seu objetivo, fazendo isso por uma boa causa. E eu sei, tenho fé, que não é um coração partido que vai derrubá-la. Você é forte, e ainda vai passar por muito mais coisa.

Eu sorri em agradecimento. Gabi limpou as minhas lágrimas de uma maneira quase maternal, nem parecia ser três anos mais nova que eu, e sim ao contrário. 

– E você não está sozinha. Eu estou aqui, vou ajudá-la. Se Homero não perceber o erro terrível que ele está cometendo, bem... Azar o dele. Mas quer saber a minha opinião? Você merece esse apartamento. E se desejar ficar com ele, então fique. É o Homero quem vai lamentar quando topar com você pelas ruas, não ao contrário. Agora tire essa expressão triste do rosto, você é Elizabeth Scott, ora bolas! Vai ganhar um Pulitzer!

Eu ri em meio às lágrimas e concordei com Gabriela.

– Você é uma peça rara, sabia? – disse a ela.

Gabi deu os ombros de uma maneira charmosa.

Nós somos. E sabe o que peças raras merecem? Uma cobertura com essa vista! – Gabriela apontou para o Central Park. – E então, o que me diz? Vamos ficar com ele?

Olhei de soslaio para ela e sorri, enquanto fazia uma reconsideração final em minha mente. Eu amei o apartamento, afinal de contas. Assenti com um aceno.

– Vamos ficar.

*

–Eu estou tão emocionado – Ray disse pelo o que deveria ser a décima quinta vez. – Finalmente temos um apartamento! Em algumas semanas moraremos aqui!

– E eu vou ficar com o quarto que tem hidromassagem! – Scarlett anunciou.

– Ah, não vai não... – Ray começou, mas eu o interrompi.

– Não vão começar essa discussão de novo, vocês dois! Vamos sortear quem ficará com o quarto e pronto.

O elevador chegou e todos nós entramos. O nosso apartamento ficava na cobertura, então demorou alguns minutos torturantes para descer.

A caixa de metal parou no vigésimo andar. As portas se abriram, revelando um homem alto que trazia em seus braços uma tela imensa. Gabriela teve uma crise de tosses e se enfiou mais ao fundo do elevador, como se por algum motivo quisesse se esconder. O rapaz passou as mãos pelos cabelos castanhos claros e bagunçados, arregalou os olhos ao perceber que o elevador estava lotado e riu.

– Nossa, está meio cheio, não é? Talvez seja melhor eu esperar o próximo.

– Não, eu acho que cabe! – Lele disse e ganhou um cutucão de Gabi. Ela riu e ignorou o protestou silencioso da amiga. – Definitivamente cabe mais um aqui!

– Qual é o problema? – Scarlett estava perguntando enquanto o homem entrava com a tela.

– É o idiota da galeria, o que me tratou mal! – Gabriela sibilou em desespero. – Não o deixem entrar, por tudo que é mais sagrado...

Mas o homem já estava ali dentro. Todos nós nos afastamos um pouco para que ele e a sua tela enorme, que tinha quase o meu tamanho, coubessem ali. O homem acabou parando no fundo, ao lado de Gabi. O restante de nós precisou segurar a risada ao ver a expressão de desespero da nossa amiga.

– Hã... oi? – ele perguntou quando percebeu o olhar mortal que Gabriela lançava na sua direção. – A gente se conhece?

– Típico! – Gabriela bufou e ficou de frente, ignorando a existência do rapaz. 

– Ah, entendi!  – exclamou ele balançando a cabeça. – Kallí, da sexta-feira passada, não é? Sinto muito, eu não liguei de volta...

– Isso vai ser divertido – comentou Lele, saboreando o momento.

– Como é que é? – o tom de voz de Gabriela fez o homem se encolher, pegando-o de surpresa. Na verdade, pegou a todos de surpresa, porque Gabi se recusava a tratar mal até mesmo uma mosca. – Não, seu idiota, eu tenho amor próprio, nunca dormi com você.

– Sinto muito – murmurou ele.

– Por ter me confundido com outra mulher?

– Não, por nunca ter dormido com você.

Eu arquejei e voltei-me para encarar Gabriela, certificando-me de que ela não pularia em cima do rapaz, porque é definitivamente o que eu faria. Quis mandá-lo se desculpar, mas a língua afiada de Gabi foi mais rápida.

– Ah, mas eu não sinto muito, porque você me enoja.

O homem deu um sorrisinho cafajeste depois deu os ombros, sem se ofender. Passaram-se minutos constrangedores de silêncio total, até que Gabi lançou um olhar crítico para a tela do rapaz. Sua expressão foi de choque, porque era uma tela... erótica. Uma pintura a óleo no estilo renascentista. Como posso descrever a pintura? Hum... Um grupo de pessoas amontadas, em uma espécie de... Sexo coletivo? Acho que já deu pra entender.

–  Bela pintura – Gabriela destilou ironicamente.

– Belas pernas – devolveu o homem.

Ela estava prestes a responder quando Ray se intrometeu, mudando de assunto.

– Nossa, quem mais está animado para se mudar para esse prédio? O apartamento parece ótimo, não é?

– Oh, vocês vão se mudar para cá... – exclamou o rapaz, olhando para Gabi e abrindo um sorriso enorme. – Que notícia ótima! Prazer, vizinha nova, eu sou o Jacob.

Ele estendeu a mão para Gabriela, mas ela não respondeu ao gesto. Ao invés disso, Gabi falou comigo.

– Tem alguma possibilidade de mudarmos de ideia e escolhermos outro apartamento? Pensando bem, ele nem era tão bom.

Eu não soube o que dizer, mas o rapaz soube.

– Você me deixa profundamente magoado falando assim.

Gabriela não respondeu, só revirou os olhos. O meu celular vibrou no bolso, era uma mensagem de Mike.

Espero que não se importe, mas já depositei o seu salário antecipadamente.

Em anexo, veio uma foto do valor que agora estava na minha conta. Quase cai para trás e deixei o celular escorregar das mãos.

– Estou rica! – foi a única coisa que consegui dizer. – Ah, meu deus, gente! Olhem só isso.

Tudo bem, eu não estava rica. Mas para uma pessoa que sobrevivia à base de cereal e nunca tinha visto tanto dinheiro numa conta bancária, eu me senti bem rica. O celular foi passando de mão em mão e no final Jacob foi o único que não estava pulando de alegria.

– Vocês são sempre tão barulhentas assim? – quis saber o rapaz.

– E você é sempre tão pervertido? – rebateu Gabi apontando para o quadro.

Isso pareceu deixar o jovem muito ofendido.

– Isso aqui é Arte! – Jacob exclamou. – A mais pura e bela Arte. Você não conhece Gustave Courbet?

Gabriela riu.

– Você quer mesmo comparar A Origem do Mundo e O Sono com a sua tela? 

Ninguém estava entendendo as referências que os dois usavam. Por ter namorado um pintor, eu sabia parcialmente do que eles falavam, já que Brad vivia falando de Courbet. A Origem do Mundo era um quadro surpreendente, porque retratava o corpo feminino, mais especificamente uma determinada parte do corpo feminino, bem realista e preciso. 

– Sim, mas é claro que eu quero comparar! Tudo bem, Courbet era um gênio, mas o homem que pintou essa tela tem um grande potencial.

As portas do elevador finalmente se abriram. Eu fui a primeira a sair, correndo para o ar puro. Respirei fundo, aliviada e sorri.

– Continuamos nossa discussão depois  – Jacob disse à Gabi, piscando para ela. Pareceu mais uma promessa do que qualquer outra coisa, e eu pude jurar que vi o rosto da minha amiga ruborizar e a sombra de um sorriso em seus lábios.

*

Depois de deixar os meus amigos perto do Central Park para um passeio, eu dirigi o carro de Ray até o hotel de Samantha, parando duas quadras antes do endereço. Fiquei no carro por alguns minutos, me preparando psicologicamente para lidar com mais uma mulher da família Slender. Melhor dizendo, uma Jones.

Não seria fácil. Samantha provavelmente me odiaria, não acreditaria em uma palavra do que eu dissesse, seria pior do que a sua própria mãe. Mas se eu não desisti de Sônia, também não desistiria dela.

– Vamos, Lizzie. Você consegue – eu disse a mim mesma encarando o meu reflexo no espelho. Repeti as palavras de Gabi:  – Não é um coração partido que vai acabar com você. Você é forte.

Dei tapinhas no rosto e usei grampos para prender o cabelo, depois coloquei uma peruca ruiva sobre a cabeça e óculos de sol escuros. Se Slender tinha alguém vigiando o hotel de Samantha, eu não queria ser reconhecida.

Liguei para Isaac e esperei que a ligação completasse.

– Alô?

– Você conseguiu?

– Mas é claro – ele respondeu enfaticamente. Pude ouvir o barulho do teclado enquanto ele digitava. – Samantha está no quarto 1209, décimo segundo andar.

– Isaac, você é um gênio.

– Eu sei, você me ama.

– Não é para tanto... – brinquei enquanto ajeitava a peruca.

Isaac riu também e pigarreou. 

– Ei, Lizzie... Agora que você está solteira de novo, que tal me dar uma chance?

Eu engasguei e arregalei os olhos.

– Wow... Como é que é garoto?

– Eu sei, péssimo timing. Deveria ter esperado mais.

– Isaac... – murmurei desconcertada. – Eu, hum... Você tem dezesseis anos.

– Dezessete.

– Continua sendo muito novo. E esse não é o ponto aqui. Acho que você passou dos limites. Nossa relação é apenas de amizade, sinto-me responsável por você, de certa maneira. Sou como uma tia, entende? – encarei o teto do carro quase sem acreditar que estava mesmo tendo aquela conversa. – Eu preciso ir.

– Tudo bem – disse o garoto com um suspiro. – Boa sorte com a Samantha, titia.

Não tive tempo de responder à provocação, ele desligou antes disso. Guardei o celular e aceitei o desejo de "boa sorte", por que eu realmente precisaria.

Entrar no Hotel que Samantha se encontrava, o Lotte New York Place, foi a parte mais fácil. Eu sabia que a filha de Slender só deixaria o hotel mais tarde e nesse momento provavelmente se arrumava para o seu compromisso.

Relutante, atravessei o salão luxuoso do hotel e entrei no elevador. Tentei esquecer a minha última experiência em um elevador, fingindo que a claustrofobia nunca existiu e eu era uma pessoa inteiramente saudável.

Ali mesmo tirei a peruca e guardei os óculos escuros, enfiando-os na bolsa. Balancei o corpo para frente e para trás enquanto o elevador deslizava suavemente para cima, muito diferente da caixa metálica velha do Jornal, que subia arranhando e chocalhando o tempo inteiro.

Plinc!

As portas de abriram rapidamente e me vi encarando um lindo corredor coberto por um tapete que provavelmente custava mais que o aluguel do meu apartamento – o do Chelsea, não o que Ray comprou para nós.

Décimo segundo andar, ali estava eu. Respirei fundo e me coloquei em frente à porta do quarto 1209. Joguei os ombros para trás e tentei relaxar. Você consegue. Você consegue.

Bati três vezes e prendi a respiração.

– Um momento! – gritou Samantha, o que só me deixou ainda mais ansiosa.

Ouvi seus passos se aproximando e o meu coração acelerou. Ela abriu a porta e me senti um pouquinho revoltada com aquela beleza impactante que sempre me pegava de surpresa, mesmo que estivesse usando só um roupão branco felpudo e quase nada de maquiagem. Primeiro Samantha ficou surpresa ao me reconhecer, mas depois se recuperou e deu um sorriso ácido.

– Estava imaginando quando você apareceria  – admitiu ela cruzando os braços. Eu estava esperando gritaria, xingamentos e uma porta batendo na minha cara. Muito pelo contrário, Sam me deixou entrar sem rodeios.

– Obrigada por me receber... – eu tentei, mas Samantha me cortou.

– Você é a garota que casou com o Homero e quer denunciar o meu pai – a modelo acusou, seus olhos me analisando em cada detalhe. – Jesus, o que foi isso no seu pescoço?

– Isso não vem ao caso agora. Samantha...

– Por que você estava usando o colar da minha mãe? – a garota me interrompeu de novo, falando de um jeito rude e inquisitivo, quase infantil. – E não adianta dizer que não era, eu reconheceria aquele colar em qualquer lugar. Como conseguiu aquilo?

– Cala a boca e me deixa falar – pedi pacientemente.

Eu tinha um discurso preparado, caramba. Samantha assustou-se, mas ficou em silêncio, concordando.

– Eu gostaria de me apresentar formalmente, para falar a verdade. Elizabeth Scott, jornalista do Daily Golden News. Estou há semanas investigando seu pai, Marco Slender.

– Eu já sei de tudo isso... Olha, veio aqui para desperdiçar o meu tempo?

Ignorei-a e prossegui como se Samantha estivesse quieta.

– Slender não é o homem que você pensa que ele é, Sam.

Ela revirou os olhos.

– É sério? Você é tão baixa a esse nível? Quer eu compre suas mentiras e traia o meu próprio pai ?

– Não são mentiras.

– Prove!

Peguei a minha bolsa e tirei dela dezenas das fotos que achei no escritório de Marco Slender, as fotos das meninas. Joguei-as na cama de Samantha. Ela queria a verdade? Eu lhe daria a verdade mais crua e real possível.

– Eu achei essas fotos no escritório do seu pai, sabe quem são essas? As garotas que ele planejava traficar. E se você acha que estou mentindo, achei as fotos no fundo vazado da parede do escritório, você deve saber do que eu estou falando. E se isso ainda não for o suficiente, tenho duas das garotas que ele tentou vender como objetos morando comigo, elas adorariam contar sobre a estadia maravilhosa em um galpão abafado no México onde o seu pai as prendeu. Ah! Quer mais? Vamos lá. Ele me raptou também, veja só. E eu quase morri. Um dos homens dele pendurou o meu corpo em frente a um abismo, quase me empurrando de lá. E sabe o que tinha no final do abismo, Samantha? Mulheres. Mulheres mortas as quais nutriam sonhos e esperanças como você, que possuíam família e pessoas que se preocupavam com elas! E o seu pai as assassinou.

– Pare – Samantha se encolheu e sentou-se no sofá branco. – Isso não é verdade. O meu pai... Não, o máximo que ele faz é sonegar impostos. Era por isso que estava atrás dele, não é? Foi isso que ele me contou. Papai nunca faria uma atrocidade dessas... Ele, ele... Não.

– Slender faz bem mais que sonegar impostos, e no fundo você sempre soube. Seja sincera consigo mesma  – eu me aproximei do sofá, mas não me sentei. Suavizei a voz. – Em nenhum momento da sua vida sentiu que havia algo de errado com o seu pai? Sentiu que ele mentia para você, mantinha segredos?

Eu estava induzindo a garota a pensar no dia em que digitou o nome da própria mãe no Google e desistiu. Pelo olhar em seu rosto, Samantha estava se lembrando exatamente desse ocorrido.

– É claro que ele esconde coisas de mim... Mas é para o meu próprio bem. – Sam tentou explicar, mas nem a própria parecia acreditar nessa mentira que contava a si mesma.

– Eu sinto muito ter de se eu a te dar essa notícia.

Samantha não respondeu. Ela olhou para mim de baixo, as mãos apoiadas no queixo em forma de punho. Sua expressão ainda era de pura incredulidade, mesmo que desconfiasse que existia algo de errado com o seu pai. Pelo menos a garota não estava chutando a minha canela como Sônia tinha feito, o que já era um progresso.

– Foi ele que fez isso com seu pescoço?

– Um dos homens dele fez – considerei. Andei de um lado para o outro, sendo paciente e compreensiva com o sua dificuldade em aceitar. – Samantha, eu não vim para atormentá-la, tenho um propósito aqui.

– Como conseguiu o colar? – ela perguntou baixinho, os olhos cheios de lágrimas. Eu parei de andar e hesitei, porque por mais que quisesse contar sobre a sua mãe, a expressão do rosto dela era de completo desespero, como se ela não quisesse que toda a sua realidade confortável fosse destruída. – Elizabeth, aquele colar morreu com a minha mãe. Ela foi enterrada com ele.

– E isso foi o que Slender te disse? – suspirei e me sentei no sofá ao lado dela. – Você não veio ao enterro, não é? Não estava no país, estava em algum colégio interno na Europa, acertei?

Samantha não respondeu. Não precisou, sua expressão fez isso por ela.

– Sam...

– Não – a garota desabou, inclinando-se para frente. – Não me diga. Eu não vou suportar. Não me diga, porque se não terei de ser obrigada a acreditar que o meu pai, o homem com quem eu cresci, que não perdia um recital, me levava café na cama quando eu tinha uma simples gripe e que me tratava como se eu fosse o bem mais precioso de toda a sua vida... Não me diga.

Tirei o colar do bolsa e deixei-o visível para Samantha. Encarei-a bem nos olhos.

– Sua mãe está viva, Sam. E ela mesma me deu esse colar porque queria que você soubesse disso. Ela sente tanto a sua falta, sentiu durante todos esses anos.

O choro dela estranhamente cessou. Samantha ficou parada, encarando o nada, a bochecha borrada com rímel.

– O meu pai... Ele escondeu isso de mim durante todo esse tempo?

– Como eu disse, Slender não é o homem que você pensa. Ele faz coisas bem mais graves que sonegar os impostos, Sam. Ele matou pessoas inocentes, ele quase matou a sua mãe, depois enfiou-a em um asilo e a ameaçou caso Sônia tentasse escapar de lá. 

– A minha mãe – Sam arfou e as lágrimas voltaram. Ela pegou o colar da minha mão e segurou-o. – A minha mãe está viva! – um sorriso surgiu em meio ao choro. –  Eu preciso vê-la.

– Tudo bem, vamos com calma. Você ainda não pode vê-la, ou Slender saberia. O seu pai não pode imaginar que eu estive aqui, Sam. Você entende que ele precisa ser preso, não é? E se isso não acontecer, você nunca vai poder ver a sua mãe sem colocar a vida dela em risco.

O rosto da filha de Sônia estava pálido, mas ela limpou as lágrimas e respirou fundo, assentindo. Ficou algum tempo em silêncio, digerindo toda a informação.

– Eu não acredito que vou dizer isso, mas... É, o meu pai precisa ser preso. – Sam balançou a cabeça. – É difícil acreditar que ele seja o vilão dessa história, mas se papai fez isso com a minha mãe, então ele não merece estar livre.  – Samantha me encarou e senti sua determinação, mesmo que a magoasse tomar uma decisão como aquela. – Do que você precisa para prendê-lo?

Precisei me controlar para não sorrir e suspirar de alívio.

– Na verdade, tudo que eu quero de você é a sua ajuda para encontrar um certo cartão de memória... – deixei a frase no ar, concluindo que ela entenderia o que eu queria.

– Cartão de memória? – Samantha parecia verdadeiramente confusa. – O meu pai nunca comentou nada disso comigo, desculpe.

Eu a fitei, perplexa. Será que ela não sabia? Estava andando com aquele relicário para todos os lados e não sabia que carregava a peça crucial da minha investigação?!

– Sam... – eu comecei, dando um sorriso raso.  – Acho que o cartão de memória esteve debaixo do seu nariz durante todo esse tempo, literalmente.

Seguindo o meu olhar até o seu próprio relicário, Samantha o tirou do pescoço e o abriu. Na palma da sua mão caiu um cartão de memória azul e dourado. Ele precisou ser cortado para caber ali.

– Eu não fazia ideia – ela riu, mal acreditando. – Pensei que aqui dentro houvesse uma foto da minha mãe, então não abri, porque seria doloroso demais vê-la. Mas eu não fazia ideia...

Ela inspecionou o cartão de memória e depois olhou para mim.

– Acho que isso pertence a você, não é?

Sam colocou o precioso cartão de memória nas minhas mãos. Consegui, eu consegui!

Todo o meu plano foi completo com louvor... Só faltava a parte mais difícil.

– Obrigada – sussurrei. – Não sabe como está me ajudando.

– Eu é que agradeço – Samantha sorriu para mim, os olhos brilhando em razão das lágrimas. – Por sua causa eu vou ver a minha mãe, Elizabeth. Eu é que agradeço.

Nossas mãos permaneceram juntas por um tempo, e mesmo que existisse um abismo de diferenças entre nós duas, naquele momento a gratidão mútua nos fez esquecer tudo isso. A confiança que Samantha depositou em mim era grande e sincera. Tudo o que precisava fazer agora era vencer Slender em seu próprio jogo doentio, para assim permitir o reencontro de mãe e filha.

Eu desejei não desapontá-las.
***

*Shotgun: Expressão usada no E.U.A quando alguém reivindica primeiro o melhor lugar do carro, no caso o banco do carona.

Oi gente!! Um capítulo grande, pra vocês que gostam muito ;)

Algumas leitoras já me xingaram (cof, cof, Bia), então vão em frente. Mas tinha que acontecer, gente. O Homero e a Lizzie passaram por situações pesadas, seria muito "conto de fadas" tudo se resolver assim, fácil. Mas tudo vai se resolver um dia, tenham fé.

Seguinte, a minha paranoia venceu e eu não consegui deixar 41 capítulos. Então, vão ser 42, desculpem pelo transtorno, mas 42 é um número mais aceitável kkkkk. Vocês ganharam MAIS UM, sim. kkkkkk [Outra coisa que está me dando paranoia é o Wattpad, que deixa um espaço enorme entre os parágrafos, espaço que eu NÃO coloquei. Enfim, se isso acontecer com esse capítulo, é culpa do Wattpad].

Para terminar, uma enquete importante aqui!!! Depois que o livro acabar postarei alguns capítulos extras, como já tinha dito... Vocês preferem que eu crie um livro intitulado algo como Histórias de Tudo Pela Reportagem ou preferem que eu continue postando nesse livro mesmo? Vocês decidem!

Beijos, até o próximo (e penúltimo </3) capítulo.

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