Acordei de volta ao quarto.
Assim que sentei, o mundo girou novamente, e meu estômago contraiu-se de forma violenta. Me curvei para a frente, esperando vomitar, mas nada veio. Eu apenas fiquei ali, engasgando, até uma mão bater em minhas costas.
- Cuspa. - disse Bianca, estendendo uma bacia.
Tossi e cuspi, levando um susto ao perceber a cor da saliva. Vermelha. Era sangue.
- Deus! - gritei, agarrando a cabeceira da cama.
- Calma, é normal que isto aconteça após a iniciação. Logo você se sentirá... normal. - ela respondeu, cerrando um pouco seus olhos para mim.
Hesitante, assenti, afrouxando o aperto.
- Por favor, vá se arrumar. Hoje você terá um dia cheio. - e Bianca simplesmente saiu dali, levando consigo a bacia ensanguentada.
Empurrei as cobertas para o lado e saltei de encontro ao tapete. Meus pés descalços agradeciam a maciez do tecido, pois eu sentia todo o meu corpo doer. Lembrava vagamente dos acontecimentos da noite anterior, tendo como única imagem concreta uma taça com água cristalina. Mas não parecia água, mesmo através de uma memória embaçada.
Andei até o banheiro, entrando devagar. Lavei o rosto com água gelada e o sequei na toalha, me olhando no espelho. Foi aí que notei a estranheza.
Minha pele estava muito branca, algumas veias do pescoço chegavam a ser visíveis de longe. Nenhuma espinha ou machucado, como eu pensava ter, era visível. Levei minha mão ao rosto, deslizando os dedos pela pele; ela estava lisa e macia de um jeito incomum. Quando aproximei o rosto um pouco mais, para conferir direito o que estava acontecendo, gelei. Bem ali, entre os demais cabelos castanhos, estava um platinado e brilhante fio... branco.
- Terminou, bambola? - ouvi a voz de Bianca, despertando-me do choque.
Virei para ela, tentando disfarçar o susto, e apenas respondi:
- Sim.
Ela me levou de volta para o quarto. Entregou-me roupas incrivelmente comuns perto daquelas que já havia visto naquele lugar, e apoiou um par de calçados no pé da cama. Vesti a camiseta bege solta (era possível presumir seu alto valor só de tocar o tecido) e pus as calças jeans azul-marinho. Em seguida, puxei os calçados do lado da cama, sorrindo ao ver que eram all-stars, também na cor jeans. Assim que terminei, Bianca posicionou-se atrás de mim e fez um rabo retorcido, passando meu cabelo por dentro dele mesmo. Ficou lindo, tamanha a sua habilidade.
- O que vai acontecer agora? - perguntei - eu ainda não entendo este lugar.
Ouvi-a suspirar, e suas mãos tremeram levemente.
- Estou aqui há anos, e também nem comecei a entender este lugar. - ela andou pelo quarto, curvando-se sobre a escrivaninha para pegar algo - Alessa... acho que por hoje, você somente vai conversar um pouco mais.
Ela se virou, e finalmente pude ver o que segurava: uma taça de vidro com água dentro, e um pequeno comprimido na mão.
- Prefere engolir inteiro ou diluir na água? - perguntou.
Engoli em seco, tendo certeza de que fora aquilo que havia tomado na noite anterior.
- O que é isso?
- É apenas um remédio. E é obrigatório que o tome. - sua voz vacilava.
Tremendo, assenti, sem escolha. Peguei o copo de sua mão e o comprimido cor de rosa, que achei ser o que causava o aspecto estranho na água. Enfiei-o na boca e bebi o conteúdo rapidamente; não queria sentir o gosto horrível que sentira antes.
Nesse instante, minha cabeça rodou um pouco. Respirei fundo e tentei ficar o mais ereta possível, esperando passar. Quando passou, me levantei.
- Muito bem. Para onde vamos agora?
- Você terá que conversar com a senhorita Rubi, devido a ausência da senhorita Meena. Por ser a assistente dos novatos, senhorita D'Gasperi te ajudará. - ela abriu a porta, cedendo a passagem - siga-me. É bem perto.
Calada, persegui-a pelo corredor de quartos. As portas estavam fechadas, sem sinais de seus ocupantes curiosos. Assim que os cruzamos, descemos no poço das passarelas, indo em direção da porta de saída. Por fim, quando desembocamos do lado de fora, a luz do sol nos atingiu com força, e demos de cara com uma menina espreguiçando-se ali.
- Senhorita D'Gasperi. - Bianca curvou-se de leve.
Rubi virou-se de imediato, e sorriu de orelha a orelha. Sua estatura era pequena, provavelmente na altura do meu ombro.
- Ah, então você a trouxe! Muito obrigada, Bianca! - a menina quase saltitou, vestida com as mesmas peças que eu (mudando a cor de sua camiseta, que era vermelho escarlate).
- Disponha. Se precisarem, chamem. - Bianca curvou-se novamente, antes de sair.
Olhei em volta, surpresa com a beleza do pátio visto de dia. Flores de diversos tipos espalhavam-se por ali, deixando perfumes mistos no ar.
- Como você está hoje, Alessa? - perguntou Rubi, só então me fazendo encará-la de verdade.
Quando o fiz, quase me assustei, pela milésima vez na manhã. Sua pele era branco pálida, como a de todos ali, e suas feições eram idênticas as do irmão. Porém, ela estava sem maquiagem, e isso a rejuvenecia por completo. Parecia ter, no máximo, 14 anos.
- Hã... bem, eu acho. - respondi, olhando fixamente para seus cabelos escuros tingidos.
Seu sorriso aumentou, se é que era possível, e ela me puxou pela mão.
- Hoje eu irei lhe explicar algumas coisas. Mas, primeiro, quero te mostrar uma coisa.
Rubi me conduziu para o lado, sendo possível visualizar a pontinha da piscina de chão. Contornamos a mansão, até que a área estivesse totalmente visível. E era linda.
- O que acha? - Rubi perguntou.
Encarei o chão de ladrilhos brilhantes, com algumas espreguiçadeiras, mesas e guarda-sóis a fazer sombra na água. Apesar de ainda não ser meio dia, a piscina refletia a luz do sol que passava pelas bordas do telhado, criando uma ilusão de jóias.
- Gostei, sim. - respondi, admirada.
- É, eu também gosto. Por favor, sente-se. - apontou para duas espreguiçadeiras, uma ao lado da outra.
Nos acomodamos por ali, ela se sentando com elegância e charme, e eu me largando na cadeira.
- Pode fazer as perguntas que quiser. - falou, simpática.
Nem precisei pensar, pois as dúvidas já estavam na ponta da língua.
- O que eu vou ter que fazer aqui? - disparei.
Ela respirou fundo, mas sem perder a postura.
- Aqui é como um clube para os milionários do mundo. Você irá conversar com aqueles que lhe solicitarem, e tentar ser simpática. É tudo o que precisa saber, por hora.
Assimilei a resposta, engolindo o olhar cerrado.
- Quem comanda isto? - perguntei.
- Diversas pessoas, pois é como a administração de uma companhia. - respondeu.
Para a próxima questão, tive de me controlar.
- Eu vou poder estudar?
- Que pergunta. É lógico, querida! - ela riu, e até sua risada era bonita.
Internamente, senti um leve alívio.
- O que era aquilo que tomei na iniciação? - minhas palavras se perderam, assim que ela arregalou os olhos.
- É... - Rubi foi interrompida.
- É a substância que tira a cor dos seus cabelos e pele. - disse uma voz doce, logo atrás.
Nos viramos, apenas para dar de cara com... Ônix? Meu coração acelerou.
Ônix estava diferente. Seus traços finos, pele e cabelo brancos continuavam os mesmos. Porém, a mudança parecia impossível.
Ao invés de estar na camisa e calça social que o tinha visto usando, ele estava com um jeans gasto e um par de all-stars, cada pé de uma cor (um preto e outro branco). Na parte de cima, vestia uma camiseta cinza de manga longa, manchada em diversos pontos por tinta colorida. Seu cabelo, que antes era liso, estava ondulado, com um aspecto natural e jovem. Outra coisa chamativa, era mais tinta no rosto, manchando as bochechas, testa e ponta do nariz, além das pontas dos cabelos, que eram uma mistura de branco e arco-íris.
- Meu Deus, Ônix! - Rubi exclamou, repreendendo-o - você parece ter saído de uma lata de tinta!
Só então ele pareceu notar o próprio estado. Os olhos verdes e negros percorreram as próprias mãos, que estavam da cor azul-turquesa.
- Eu estava no estúdio, terminando o quadro que Ripley pediu. - jogou o cabelo para trás, manchando-o ainda mais.
- Percebi. - Rubi retrucou - por favor, da próxima vez, pelo menos lave as mãos.
Ele parou de encarar as roupas e subiu os olhos para a irmã.
- Por que? Você não gosta de tinta? - avançou, as mãos esticadas em direção a camiseta impecável da irmã.
- Cai fora, Ôni! - Rubi esquivou-se, como um gato.
Imóvel e chocada, perguntei:
- É... sério? Aquele... remédio... tira mesmo a cor do cabelo e da... pele?
O garoto pareceu lembrar-se de que eu estava ali. Ajeitou-se ereto, o leve sorriso pela brincadeira com Rubi deixando seu rosto.
- É. - respondeu.
Por reflexo, minha mão foi de encontro ao couro-cabeludo, bem na região onde havia visto o cabelo branco.
- Eu... - fui interrompida.
- Você pode tingir depois! - disse Rubi, tentando me distrair - mas, agora, não quer saber mais sobre seus estudos?
Encarei-os novamente, abaixando devagar as mãos. Podia ver o quanto queriam mudar de assunto.
- Quero. - murmurei, recebendo como resposta um sorriso ansioso.
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Oi gente!!! Mega cap!!! Espero que gostem.
Bjsss!!!