"Possuo um entendimento realista das minhas forças e fraquezas. A mente é a minha arma, e uma mente necessita de livros, assim como a espada precisa de uma pedra de amolar se quiser que se mantenha amolada. É por isso que eu leio tanto."
- Game of Thrones.
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Piper Blackthorn.
Dez anos atrás,
Idris. Casarão dos Blackthorn.
— Você precisa ver isso aqui. - Edmund lhe chamou, pelo que devia ser a décima terceira vez.
Piper soprou uma mecha de seu cabelo castanho para trás e se levantou, caminhando atrapalhadamente até o irmão enquanto segurava seu livro.
— Mund, eu estou lendo. O que é tão importante assim? - perguntou, se sentando no chão ao lado dele.
— Shh - murmurou Mund, fazendo sinal para que a irmã falasse mais baixo, e então informou: - Papai está numa daquelas reuniões de novo.
E indicou a cabeleira loira do pai no andar de baixo.
De fato, lá estava ele em meio a outros caçadores de sombras. Gesticulava com as mãos enquanto parecia dizer algo realmente importante aos outros, pois estes o observavam com atenção. Ele falava baixo, como se soubesse que os filhos o observavam.
— E o que tem de mais nisso? Sabe que ele vive nessas reuniões. - disse Piper, que não achava isto tão interessante quanto seu irmão gêmeo. - E, aliás, ele também odeia que fiquemos espionando.
Edmund apenas revirou os olhos e se aproximou ainda mais do começo da escada, de onde podia ter uma boa visão dos caçadores de sombras. Ele parecia incrivelmente determinado em ouvir e observar tudo, o que só fazia Piper se questionar se eram mesmos gêmeos, já que ela possuía uma opinião muito distinta da dele nesse quesito.
— Você não percebe? - sussurrou, ansioso. - Essas reuniões andam acontecendo com ainda mais frequência. E papai parece ainda mais preocupado do que de costume.
Piper precisava admitir a verdade na fala. Nas últimas semanas, o pai deles andara mal, com grandes olheiras e sempre voltava mais tarde para casa. A garota pensara não ser nada no começo, mas estava começando a desconfiar de que era algo a mais.
— Tudo bem. - cedeu, por fim. - Mas não dá para ouvir nada daqui.
Edmund lhe concedeu um daqueles seu sorrisos travessos, que geralmente indicavam que ele iria fazer algo errado e pegou a estela que ganhara há apenas alguns dias de presentes dos pais. Ele desenhou uma runa em seu antebraço, que a Blackthorn reconheceu como a runa da boa audição, e então fez o mesmo com ela.
— Pronto.
O efeito da runa foi instantâneo. Piper agora conseguia ouvir o que seu pai e os outros diziam na sala de estar; e não gostou muito do que ouviu.
— ...Amanhã às 14h, certo? Nos encontramos em frente a minha casa, mas quero que sejam discretos, as crianças não podem saber de nada. - ia dizendo Amélia, a mãe dos irmãos. - Joshua, você traz o livro. Acabaremos com essa aberração assim que chegarmos ao hotel.
Joshua Lightwood assentiu, em concordância com a mulher. Piper conhecia Joshua, pois ele sempre aparecia na casa e era um grande amigo da família. Sua filha, Alice, também vivia brincando de boneca com ela.
— E onde eles estão agora, Ames? - perguntou um outro caçador, que Piper reconheceu como Daniel Carstairs, o filho do cônsul.
— No quarto, brincando. - quem respondeu foi o pai da garota, dando de ombros. - Não precisamos realmente nos preocupar.
Os outros assentiram, e murmuraram umas palavras de despedida, enquanto se dirigiam à porta. Amélia e Carlisle Blackthorn os acompanharam até a porta, até o último deles sair. Então, os dois se sentaram no grande sofá da sala.
Piper e Edmund se entreolharam. Sabiam o que isso significava.
Amélia e Carlisle iriam a uma caçada especial.
Em um gesto mudo, os irmãos se levantaram, ambos parecendo ler a mente um do outro. Concordavam no que fazer em seguida.
Iriam guardar o segredo do que sabiam, afinal, aquela era uma situação comum. Mas era estranho o fato dos pais não lhe contarem nada, se era apenas uma caçada qualquer.
Não que Piper estivesse se preocupando, é claro. Nunca acontecera nada com os dois além de pequenos ferimentos logo curados por Iraztes.
Ela não soube que estava enganada, até sua mãe voltar da caçada com um demônio dentro de seu corpo.
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Três semanas depois,
Idris. Casarão dos Blackthorn.
Era noite, e a garotinha se ocupava em desenhar sua família no papel rosa. Ou melhor, o que sua família costumava ser e, de certa forma, o que ela desejava que fosse também.
Uma família normal.
Edmund estava ao lado do pai, que, por sua vez, se encontrava de mãos dadas com a mãe. E esta segurava a mão de Piper.
A família feliz e perfeita que ela sempre quisera ter. Ou, pelo menos, a família unida e que se amava.
Mas não era mais assim. E nunca voltaria a ser.
Batidas firmes soaram na porta do quarto escuro e Piper logo tratou de esconder seu desenho debaixo da cama. Ela se levantou e foi com passos trêmulos até a porta.
— Mund? - sussurrou, interrompendo o silêncio repentino daquela noite de sexta-feira.
— É o papai, querida. - e ela abriu a porta, encontrando seu pai com uma camisa social amassada e olhos cansados, lunáticos. Ele andara piorando ao decorrer das semanas e a garota estava começando a se preocupar com ele.
— Ela...Ela já se foi? - perguntou, se permitindo ter um pouquinho de esperança.
Carlisle Blackthorn assentiu, entrando no quarto dela e alisando os cabelos rebeldes para trás.
— Sim, Pipes. Consegui apaga-lá, mas deverá voltar em algum tempo.
— Mamãe nunca vai voltar a ser a mesma, vai, papai? - questionou, mesmo já sabendo a resposta. Não, ela nunca voltaria. Piper sabia disso.
— Talvez...um dia. - falou ele, com a voz tão arrasada que a garota teve certeza de que ele estava apenas tentando conforta-la.
Piper assentiu, e sentou-se na cama. Faziam três semanas agora. Três semanas desde que o demônio entrou no corpo de Amélia Blackthorn. O pai de Piper não contou para a Clave, e nem para ninguém além dos filhos. Tinha esperança de conseguir salvá-la e sabia que a Clave nem ao menos tentaria, apenas a mataria.
E Carlisle nunca suportaria isso. Ele era leal à aqueles que amava e tinha fé, apesar de tudo.
A mãe de Piper ainda estava lá. Bem no fundo, mas estava. Agora eram poucos seus momentos de lucidez, mas ela em nenhum momento pedira para salvarem-a. Só pedira para que o marido não deixasse o demônio machucar seus filhos, não importasse o custo disso.
E, com tudo isso acontecendo, Piper estava começando a perder as esperanças.
— Eu posso vê-la? - perguntou, timidamente, enquanto levantava a cabeça e encarava os olhos que beiravam à loucura.
— Você não iria querer vê-la, querida. - informou o homem. Sua voz tremia e ele parecia a beira de um colapso nervoso. - Não poderia fazer isso com você, Pipes. Acredite em mim, você não quer.
— Só uma vez, por favor. Eu só quero...vê-la uma última vez. - pediu a Blackthorn, seus olhinhos verdes suplicantes.
O pai alisou seus cabelos louros e fechou os olhos por alguns segundos, aparentemente decidindo o que fazer. Por fim, ele se virou para Piper e pegou a mão da mesma.
— Tudo bem. Mas só por alguns minutos.
E os dois saíram do quarto, se dirigindo até o porão velho e úmido da casa.
O coração de Piper batia loucamente contra seu peito, conforme se aproximavam do local em que o demônio estava preso. Ela estava com medo. Com medo do que veria ao chegar lá embaixo. Esse era o demônio que quase matara seu irmão e ele se escondia usando a cara de uma das pessoas mais importantes para Piper.
— Ele ainda está desacordado. Apenas dê uma olhada, certo? Não dirija a palavra à ele. - instruiu Carlisle, parando a filha em frente à porta do porão. Piper assentiu e ele abriu a porta.
O porão cheirava a madeira velha e gotas d'Água escorriam pela parede de pedra. Haviam prateleiras cheias de caixas velhas, com objetos velhos dos Blackthorn e uma coleção de livros empoleirados jogados no chão.
Não era um lugar muito organizado.
Carlisle ia descendo na frente com Piper sem seus calcanhares. Podia ser imaginação da garota, mas, conforme se aproximavam do lugar em que o demônio ficava, seu pai parecia envelhecer ainda mais.
— Está aqui. Fale baixo. - pediu ele, assim que chegaram ao ultimo degrau. Piper mordeu o lábio inferior e fez que sim com a cabeça, concordando. Seu pai, então, a puxou até onde a mulher se encontrava acorrentada de cabeça baixa.
Ela se parecia com sua mãe. Em todos os aspectos possíveis, era ela.
E isso doía. Doía tanto que Piper mal podia respirar.
O demônio tirara sua mãe. Tirara a mãe dela.
Então, ele se mexeu e, com um susto, Piper percebeu que estava acordado. E o pior de tudo: Ele sorria.
— Piper, Piper, Piper. - cantarolou, com a mesma voz que a mãe da morena costumava ter. - Estava esperando por sua visita, minha querida.
Carlisle imediatamente se colocou em frente à filha, em um gesto protetor.
— Não ouse falar com ela. - rosnou por entre os dentes.
O demônio soltou uma gargalhada repentina e ignorou o homem, ainda com os olhos cravados em Piper.
— Sabe quem eu sou, não sabe?
Mas a Blackthorn estava paralisada. Não conseguia mover um músculo sequer. As lágrimas ameaçavam cair a qualquer momento.
— Ora, mas é claro que não. - concluiu ele, considerando o silêncio de Piper como uma resposta. - Bem, então lhe contarei. Creio que merece saber pelo menos isso.
E, com outro sorriso, acrescentou:
— Sou Abbadon, o Senhor dos Caídos.