LAÇOS MORTAIS | Bonkai |

By Dark_Siren4

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Logo após o desastroso casamento de Josette e Rick, Bonnie pensa ter se livrado de seu pior pesadelo: Kai Par... More

Antes de começarmos...
1. Que os Jogos Comecem
2. Armadilha
3. Nosso Pequeno Quiz
4. Lacey, minha amiga zumbi
5. Fogo Líquido
6. Minha Droga
7. Minha Bela Adormecida
8. Dentro do Labirinto
9. A Árvore Morta
11. Um Passeio com A Morte
12. Bato um Papo com a Minha Consciência Gostosa
13. Zelador, Garoto de Recados e Assassino
14. Estou de Mudança
15. O Rouxinol
16. A Bailarina, o Sociopata e a Tigresa
17. Cúmplice da Morte
18. Silêncio
19. Lição
20. Fogo e Pólvora
21. Meu Novo Ursinho de Pelúcia
22. Jantar Nada Romântico
23. Encontro com o Exterminador do Futuro
24. A Chamada
25. Controle
26. Tentação
27. A Visita
28. Acordo Desfeito
29. Brincando com Facas
30. Ataque de Fúria
31. Le Courtaud Rouge
32. A Caçada
33. Pedaços de Uma Outra Vida
34: Uma Brecha do Passado
35. Onde os Lobos Habitam
36. Desejo e Segredos
37. A Alcatéia de Paris
38. Dentro de Mim
39. Conversas Ocultas
40. Quase Amigos
41. Pratos Limpos
42. O Jantar Sangrento
43. Entre Deus e o Diabo
44. Bandeira Branca
45. Vamos Passear
46. Palavras Secretas
47. O Duelo
48. Despedida
49. Regresso
50. Genesis
51. Pesadelos e Decisões
52. Reencontro
53. Sobre Um Homem Cruel
54. Minha Existência
55. O Lírio
56. Perseguida
57. Sob Sete Palmos
58. Suspeita
59. Feridas
60. Ameaça
61. Descoberta
62. Trégua
63. Pertencer
64. Vozes
65. Fantasmas
66. Renascida
67. Encruzilhada
68. Água e Vinho
69. Convidados
70. Disputa
71. Café da Manhã
72. Jardim Noturno
73. Mortos
74. Intervenção
75. Fuga
76. Esperança
77. Profundezas
78. Limbo
79. Decisão
80. A Porta
81. O Monstro em Mim
82. Expostos
83. Limites
84. Lobo Mau

10: Rosalie

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By Dark_Siren4

Para @AlyniBalieiro e por todas as vezes em que postei capítulos e você não estava acordada pra ler ^-^)

Não havia mais nada do que minha necessidade desesperada de fugir. Nada mais importava.
Tranquei a porta do quarto, deixando Kai para trás.
Aquela barreira não o impediria de chegar até mim, mas me daria uma certa vantagem.
Andei apressadamente pelos corredores escuros e sujos do lugar procurando por alguma saída. E como em meu sonho, eles se pareciam parte de um extenso labirinto feito para me enlouquecer.
Minha respiração estava descontrolada, vindo tão rápido que jurava que alguém a ouviria à quilômetros de distância.
Tudo em que conseguia pensar era em: sair daquele lugar e que Kai me acharia antes que o fizesse.
Tentei não deixar minha paranóia me dominar. Não precisava daquele pânico todo.
Eu tinha que achar uma saída...
Parei no meio de um corredor tentando clarear minha mente. Meus pés estavam frios pelo contato com o piso úmido e sujo. Todo meu corpo tremia, como minhas mãos.
- Calma... calma, Bonnie- sussurrei para mim mesma, enxugando o suor em minha testa- Respira. Você vai sair daqui.
Depois de tantos dias presa, havia se tornado um hábito natural para mim falar sozinha. Não poderia agir como no Mundo Prisão, onde eu quase enlouqueci por não emitir uma sílaba por semanas consecutivas.
- Pensa, pensa, pensa- sussurrei dando leves pancadas na parede com minha cabeça, tentando clarear minha mente.
Todo labirinto tem uma saída, me encorajei. Tem que haver.
E subitamente me lembrei do que Kai havia me dito, logo após me causar aquele pesadelo com Damon.
"Eu apenas monto o cenário e distribuo os personagens. O que acontece depois é criação sua."
Monta o cenário...
Mas ele tinha que partir de alguma coisa. Uma realidade em que se basear.
Aquilo era loucura, pois poderia me perder, mas arrisquei.
Decidi seguir o mesmo caminho pelo qual Damon me levou. O que me levaria até a porta de saída. Bem, ao menos em teoria.
Não demorou muito para que eu localizasse o corredor no qual havia encontrado meu amigo ameaçando Kai. Segui por aquele caminho, sentido-me cada vez mais perto de minha liberdade.
Meu coração ribombava em meu peito de uma maneira dolorosa e senti aquela rachadura dentro de meu ser, aos poucos tentando uma débil tentativa de suturação. A esperança me guiava.
Estaquei no lugar ao perceber algo quadrado e claro no fim do corredor.
Semicerrei os olhos. E arfei, deixando um sorriso escapar.
Eram as portas duplas que vi em meu sonho. Corri para elas, dando - me conta de que ainda conseguia fazê-lo.
Espalmei as mãos no metal frio e cinza-esbranquiçado cheio de ferrugem.
Ouvi um som esquisito, como uma... risada. Ela vinha de mim. Nem sabia que ainda tinha senso de humor para isso.
Lutei com a tranca pesada da porta, mas com algum esforço consegui abri-la.
Subitamente, uma sensação de pânico me dominou. Medo do que tinha lá fora. Havia passado meses sonhando com o dia em que sairia de meu cativeiro e agora que estava tão perto, estava completamente apavorada.
Respirei fundo.
Kai havia conseguido acabar com o resto do coragem que ainda existia em mim. Porém, uma voz determinada em minha mente gritava para que eu abrisse logo aquela droga de porta. Não pensei muito, apenas o fiz.
Avistei a primeira fresta de luz em meses. Ela era branca e extremamente forte.
Meus olhos acostumados com a escuridão, protestaram. Porém, continuei abrindo aquela porta.
Os sons me atingiram antes que eu visse tudo com clareza.
Havia um deslizar com leves estalidos. Sirenes e buzinas, juntamente com um gotejar alto ao fundo.
Tive que tapar os olhos ao ver toda aquela luz branca e cegante.
Respirei ruidosamente, sentindo odores familiares. Fumaça, gasolina, chuva...
Baixei minhas mãos e abri os olhos vagarosamente. Doeu um pouco, mas eles logo se ajustaram à luz forte. Olhei em volta, vendo um chão cinzento e liso em uma área espaçada e brilhando com lâmpadas brancas. Haviam muitos carros à espalhados pelo lugar. Mais à frente havia uma parede com um posto de vigia e uma enorme rampa que levava até a... rua.
Eu estava em um estacionamento no subsolo.
Meus joelhos fraquejaram.
Senti uma súbita vontade de chorar. Meus nervos estavam em frangalhos desde o início, mas sempre me mantive firme. Agora sentia que podia cair aos prantos como um bebê.
E quando me vi, estava atravessando o amplo estacionamento sem ver mais nada à minha frente. Eu queria absorver tudo à minha volta. O ar frio, o espaço, as cores vívidas...
Um guincho alto se fez, junto com um cantar de pneus.
Olhei para trás e vi um carro prateado e caro que havia freado à centímetros de mim.
- Sua louca! Saia do meio do caminho!- um homem gritou de dentro do automóvel.
Fiquei paralisada.
Era a voz de outra pessoa. Eu ouvia outra pessoa que não era Kai.
Uma crise de riso, juntamente com lágrimas me assaltaram.
Era outro ser humano. E ele não era um herege.
As risadas se tornaram estranhamente dolorosas ao se misturarem com o choro.
Senti as mãos de alguém tocando meus braços, tirando-me do caminho do carro que saiu aceleradamente com seu dono, perecendo furioso.
Meu corpo tremia com as risadas e as lágrimas.
- O que há com ela?-perguntou um não herege.
- Não sei- outro ser humano respondeu- Mas minha esposa teve algo parecido uma vez. Acho que ela está em choque ou está no meio de um colapso nervoso.
- Venha garota- disse um dos humanos. Tive o vislumbre de um uniforme azul escuro. Acho que ele era um segurança- Vamos levá -la para um lugar seguro e em seguida para as autoridades. Sua família deve estar preocupada com você.
E me senti ser arrastada. Retesei meus músculos travando no mesmo lugar.
Minha histeria deu lugar ao pânico.
- Não.
- Não vamos machucá-la- disse um dos seguranças- Queremos ajudá-la. Venha conosco.
- Não- continuei firme, com meus olhos frenéticos percorrendo o estacionamento- Vocês não entendem... Ele vai me encontrar. Eu tenho que sair daqui.
- Quem vai encontrar você?- perguntou o outro humano.
- Vocês não entendem...- implorei, tentando me soltar daquele aperto em meu braço- Me deixe ir. Por favor.
- Precisa de ajuda, menina- murmurou o outro não herege- Vamos contatar sua família e você pode chamar a polícia.
As lágrimas correram com mais força por meu rosto.
- Me solta! Me solta!- gritei, me jogando na direção contrária, tentando me soltar daquele homem- Por favor! Ele vai me encontrar, não temos tempo! Por favor!
- Alex, me ajude aqui. Ela está histérica- pediu o humano.
- Não!- gritei mais alto ao sentir alguém me agarrando- Me solta! Vocês não entendem!
Fui içada do chão, enquanto me debatia.
- Fica calma, só queremos ajudar- disse o que não estava me tocando.
Meu coração batia em uma frequência descontrolada e eu ofegava pelo esforço de tentar me soltar.
- ME SOLTA!
A pouca magia em meu corpo foi liberada. Os homens foram lançados à metros de distância pelo piso do estacionamento por uma força invisível. E eu... no momento que caí no chão, tratei de me colocar de pé e corri para a rampa de saída.
Os pingos grossos da chuva me acertaram, como pequenos cubos de gelo. Quase caí aos prantos com aquilo também.
O céu cinzento brilhava acima de minha cabeça. Os carros corriam à toda nas ruas e pessoas tentavam escapar da chuva e se abrigar em algum lugar mais seco.
Eu ainda corria pelas ruas, tentando de alguma forma me localizar e chegar em minha casa. Para o meu conforto e segurança. Onde meus grimórios me aguardavam com as fotos de minha família. Meus amigos talvez estivessem lá, esperando por mim. Preocupados e com saudade, como eu estava.
Só notei o quanto havia me distanciado do centro quando vi alguns armazéns à minha volta. Parei de correr por causa do protesto em meus pulmões que queimavam como fogo.
Andei à esmo pelas ruas encharcadas e sujas da cidade.
- Aqui não é Mistyc Falls- sussurrei para mim mesma ao notar o ar de metrópole com seus prédios altos e trânsito barulhento que aquele lugar passava- Onde estou?
Encarei uma vidraça do que se parecia uma loja e me sentei no chão molhado. Exausta, com fome e encharcada até os ossos.
- Que lugar é esse?-sussurrei, sem reconhecer nada à minha volta. Onde estavam as casinhas de subúrbio, com os amigos e vizinhos que eu conhecia? Onde estava tudo?
Passou - se algum tempo sem que eu soubesse o que fazer. Apenas fiquei sentada, tentando me situar e planejar algo. Mas eu estava muito confusa.
Ouvi o som do que se pareciam sinos e uma brisa quente veio com ela. Virei a cabeça em meu torpor e vi uma porta branca aberta. Alguém estava parado ao lado dela. Pelo par de tênis com estampas de flores cor de rosa, supus que fosse uma mulher.
- O que faz sentada nessa chuva, querida?- ela questionou, levantei meus olhos e vi uma mulher com cerca de cinquenta ou sessenta anos. Seu rosto tinha leves rugas que a faziam parecer mais amável. Seu cabelo branco caía em um traça comprida sobre o ombro- Vai apanhar um resfriado.
Ela caminhou até mim e se abaixou ao meu lado, com a chuva molhando sua trança branca, a tornando prateada.
Seus olhos castanho-escuros e gentis pousaram nos meus.
- Está perdida?- questionou, me fitando com seriedade.
Ela fez a menção de tocar em meus cabelos úmidos e me encolhi um pouco. Ela recolheu a mão, franzindo os lábios em sinal de preocupação.
- Está tudo- sussurrou para mim- Está tudo bem. Seja lá o que o aconteceu, meu bem, só quero ajudá-la. Não tenha medo.
Continuei tremendo por causa do frio e a encarando com desconfiança.
Meu lado irracional e assustado gritava para eu correr e me esconder em algum buraco escuro. Mas o lado racional- e pouco utilizado nas últimas horas- gritava o quanto eu estava agindo feito uma louca. Essa mulher idosa e gentil não seria capaz de me machucar.
Respirei fundo.
- Me ajuda... por favor?-pedi.
Seus olhos escuros eram cheios de ternura. Lembrava de ter visto aquele olhar compassivo uma única vez. Em minha avó.
- Claro, querida- disse colocando as mãos sobre meus ombros e me ajudou a levantar- Venha para dentro.
Ela era uma senhora baixinha, mas teve força para ajudar a sustentar toda minha estatura tropega para dentro do lugar.
A sineta na porta tocou, sinalizando que estávamos dentro do estabelecimento.
Espirrei.
- Desculpe, querida- murmurou a doce senhora com um sorriso- São as flores. Esse excesso de pólen faz qualquer um ter um ataque de alergia. Eu não. Já estou acostumada.
Encarei o pequeno espaço, vendo desde o chão, até certos pontos do teto cobertos de ervas, folhas e flores de todos os tipos. Era uma visão espetacular.
- Você gosta de flores?- perguntou ela, com o semblante iluminado.
Eu ainda estava um pouco confusa e grogue, mas consegui assentir e forçar um sorriso.
A velha senhora, continuou falando enquanto me rebocava para uma porta lateral ao lado do balcão da loja.
- Sabe os meus filhos não têm interesse nessa loja. Os jovens de hoje não acham tão glamouroso ou... legal, ter uma floricultura familiar- ela continuou, me guiando por um corredor um pouco escuro, que de imediato me fez pensar em Kai. Engoli sua lembrança, ao ver o enorme jardim que vinha depois com um gramado verde claro, aparado e bem cuidado. Pequenos canteiros de flores de todas as espécies se abriam para a chuva que caía do céu- Eles estão mais interessados em tecnologia e nesses... aparelhos de telefone portáteis- continuou.
Havia um caminho de pedras que levava até uma antiga casa branca com uma varanda com um balanço.
A mulher me guiou pelo caminho.
Ao chegarmos à varanda, ela já estava quase encharcada como eu.
- Entre, querida- disse, me dando um empurrão gentil para dentro da casa.
Dei alguns passos, um tanto acanhada. Eu me encontrava no que parecia ser uma sala, com móveis antigos, papel de parede floral e uma TV de tubo de madeira.
Fiquei encarando o imagem no telejornal, pois fazia tempo desde que assisti à alguma coisa. Na reportagem dizia que um mendigo roubou o carro de uma universitária e que provavelmente a matou e escondeu o corpo. Ele se dizia inocente e ficava falando repetidamente sobre um cara de olhos azuis.
Me abracei, sentindo meu corpo frio e úmido em contraste com o ambiente quente e aconchegante.
- Esta é minha humilde casa- murmurou a senhora, arrancando - me da visão do televisor, com um ar saudoso em relação à construção.
- É muito bonita- me obriguei a dizer, com uma voz fraquinha, ainda fitando o lugar.
Tantos dias em um buraco escuro me fez estranhar ambientes diferentes.
- Mas veja só você, querida!- murmurou a mulher, vindo na minha direção. Suas mãos pequenas pousaram em meus ombros, os esfregando gentilmente- Está tremendo!
Não me dei conta dos tremores. E sim do fato de ela estar me tocando. Meu corpo se tencionou de imediato.
- Estou bem- menti, me afastando dela.
A senhora me encarou de uma forma que fez com que sentisse pena de mim mesma. Eu devia estar em debilitadamente ridícula.
- Tenho algumas roupas de minha filha, aqui. Da época em que ela morava comigo- ela disse, enquanto caminhava ligeiramente por um pequeno corredor até o que se parecia ser um quarto.
A segui, abraçando meu corpo encharcado da chuva.
Parei diante da porta branca, vendo um quarto cor de rosa e com alguns objetos femininos.
A mulher mexia em uma cômoda em busca de algumas roupas.
- Acho que você e minha Marilyn devem ter o mesmo tamanho- disse, me entregando as roupas- Pode se trocar.
A mulher se dirigia até a porta do quarto, quando a pergunta saltou de minha boca:
- Por que está me ajudando?
Ela parou de costas para mim, com a mão encostada no batente da porta.
- Acredite ou não- murmurou tão baixo que quase não ouvi- Eu também já estive na mesma situação.
Franzi as sobrancelhas.
- O que quer dizer com isso?
Sua mão enrugada esfregou a madeira gentilmente.
- Vista- se querida. Vou preparar algo para você comer- disse enquanto saía pelo corredor- Deve estar faminta.
E fiquei sozinha de novo.
Olhei pela janela, torcendo as roupas em minhas mãos trêmulas. A chuva continuava a cair.

◆◆◆◆◆

Após o banho, me vesti, tentando de alguma forma não me encarar no largo espelho da parede. Mas, meus olhos cismaram em percorrer a superfície de vidro.
E lá estava ela.
Aquela garota magra, com olheiras escuras, com os cabelos negros roçando nos ombros e olhos tristes e cansados.
Aquela não era Bonnie. Isso não podia ser eu.
Meus olhos estavam ardendo e rapidamente capturei a lágrima que cismou em correr por minha face.
Eu estava frágil, mas não quebrada. A rachadura estava começando a suturar fracamente.
Me permiti soltar o ar e meus dedos buscaram pela jóia sobre a pia de granito negro.
Encaixei o anel de lápis-lazuli no polegar- pois ele era grande demais para ficar em qualquer outro dedo. Era uma jóia pesada. Feita de prata e com um grande "K" entalhado na pedra azul.
- Seu dono deve estar uma fera- sorri de canto, acariciando o anel.
Kai à essa altura estava à minha procura, mas não poderia sair na luz do dia sem seu anel de sol. Ou ele acabaria virando churrasco de herege. Gostei de imaginá-lo saindo por aquela garagem e emergindo na luz solar. Seu corpo ardendo e queimando sob a vista de vários telespectadores.
Queria ser um deles, pensei com tristeza. Porém, me puxei para fora de meus devaneios.
Não demoraria para anoitecer e Kai logo me encontraria.
Inspirei e soltei o ar.
Minha magia ainda estava fraca e debilitada, mas eu precisava me esconder. Relaxei a mente e fiz um feitiço de ocultação.
Ao término dele, senti algo quente escorrer por meu nariz. Sangue.
Tratei de limpá-lo, sentindo que mais da metade do minha magia havia se esvaído com aquele simples feitiço, mas isso impediria que aquele sociopata me encontrasse com facilidade.

◆◆◆◆◆

A velha senhora havia trocado as roupas molhadas e servia a mesa da sala de jantar, enquanto cantarolava uma canção que eu não conhecia. A luz do céu nublado e chuvoso, ultrapassava as janelas e iluminava todo o ambiente.
- Não precisa se esconder aí- a ouvi dizer sem olhar para mim, me fazendo dar um leve pulo- Venha me ajudar a arrumar a mesa do jantar.
Saí de trás da parede, ainda cautelosa.
A ajudei a dispor os pratos na mesa, junto com o nosso menu do dia.
Minha boca salivava depois de dias comendo a mesma porcaria.
A mulher ficou quieta durante todo o processo.
- Qual é o seu nome?- perguntei, quando já estávamos à mesa.
Vovó vivia dizendo que era falta de educação falar de boca cheia, mas não conseguia mantê-la vazia por muito tempo com aquela refeição maravilhosa.
- É Rosalie. Rosalie Flowers- ela deu uma risadinha, enquanto limpava os lábios com o guardanapo- Há quem pense que é um nome artístico, por causa da floricultura.
Deixei um sorriso surgir em meu rosto.
Não sabia explicar o porquê, mas com essa senhora, eu me sentia em paz e protegida. Queria ficar com ela para sempre.
- E o seu?- questionou gentilmente.
Meu sorriso minguou. Engoli em seco.
- Bonnie- sussurrei- Onde... Onde eu estou?
Ela franziu as sobrancelhas, ficando mais séria. Um leve ar de confusão a rondava.
- Você está em Portland, no Oregon.
Minha boca se abriu em um "O" redondo.
Eu estava no Oregon... Em Portland... Onde Kai havia nascido. Onde ele havia matado sua família em 1994...
Só percebi que estava hiperventilando quando tentei beber um pouco de água e engasguei.
- Calma, querida - disse Rosalie, me fitando com preocupação- O que aconteceu com você?
Não respondi, com as mãos espalmadas sobre a toalha branca. Elas tremiam tão fortemente que faziam o tampo de madeira tremer e o tilintar dos copos era audível no ambiente silencioso. As coloquei embaixo da mesa; sobre as pernas.
- O-O que... que quis dizer quando disse que já esteve na mesma situação?- a pergunta me veio de súbito.
Seus olhos negros me aprofundaram nos meus.
- Eu também tive um marido autoritário e violento- murmurou. A expressão suave havia ido embora, deixando o resquício de uma sombra.
Então, ela achava que eu estava fugindo de meu... marido? Kai não era meu marido. Mas eu estava fugindo dele. Isso era inegável.
- É como você se livrou dele?-perguntei, com a voz um pouco trêmula.
- Fiz como você- apontou com a cabeça na minha direção- Eu fugi dele.
Apoiei os cotovelos na mesa e escondi meu rosto sob as mãos, deixando todo aquele medo inundar meus olhos.
- Ele vai me encontrar...- solucei- Eu nunca vou conseguir fugir dele.
- Também pensava assim quando fui embora. Pensei que fosse fraca demais e que não conseguiria sobreviver sem ele- ela disse, séria- Porém, eu percebi que ele queria que eu pensasse assim. Meu marido queria que eu fosse sua vítima. Sob seu julgo. Mas percebi que era forte. Nunca precisei dele. Era ele quem precisava de mim.
Deixei que meus olhos encontrassem os dela, entre meus dedos finos.
- Você não entende...
- Não importa quem ele é, meu amor- me interrompeu- Você é forte. Consegue se livrar dele. Sei que pode.
- Como pode saber?-sussurrei.
Seus olhos escuros me miraram por algum tempo até que o sorriso se desenhou em seu rosto.
- Eu vejo a mesma força em você.

◆◆◆◆◆

Rosalie dirigia calmamente em seu carrinho pela estrada molhada, cantarolando uma velha canção.
A adrenalina percorria minhas veias como ecstase. Me remexi durante todo o trajeto dentro do carro. Puxei a mochila com estampa de rosas vermelhas sobre as pernas. A trazendo para mais perto de meu peito.
- Fique calma, querida- Rose me tranquilizou- Tem certeza que esse seu amigo... hã, Damon, é de confiança?
Assenti.
- Ele não sabe que estou voltando para casa e é melhor que assim seja. Não quero que ele faça alguma coisa imprudente.
A saudade havia se tornado uma parte inseparável de mim, em todos aqueles meses. Estava louca para rever meus amigos.
Damon seria uma grande preocupação. Teria que ter muito cuidado com as palavras. Se soubesse de metade das coisas que Kai fez comigo, com toda a certeza das bruxas, ele viria atrás da cabeça do herege. E não queria que ele tivesse algum tipo de contato com aquele monstro.
Rosalie concordou.
A chuva continuou desabando acima de nós. Suspeitava que aquele teto baixo fosse ceder a qualquer momento pelo poder daquela torrente de água.
- Qual o nome dele?- ouvi Rosalie, perguntar, quando havíamos emergido em silêncio.
Suspirei, me remexendo no banco.
- Kai... Malachai Par...- parei.
Acho que todos os moradores de Portland conheciam a história do filho louco que matou os irmãos mais novos. E seria bem difícil ter que explicar que ele o fez para poder tomar a liderança do seu clã de bruxos e que passou dezoito anos preso em uma dimensão paralela sem envelhecer um dia sequer, quando todos imaginavam que ele havia apenas fugido.
- Malachai- eu disse rapidamente- O nome dele é Malachai.
Rose não deu sinais de ter reconhecido o nome. Se o fez, guardou só para si.
Aquela senhora era um às do volante. Não demorou muito para que chegássemos à nosso destino.
- Eu queria ter podido dar uma viagem mais decente à você, querida- murmurou, fitando os ônibus no terminal.
- Não diga isso, Rose- a abracei- Você está me ajudando muito. Eu só tenho a agradecer. Se não fosse por você, eu ainda estaria vagando por Portland e Kai teria me encontrado. Ou coisa pior.
Ela retribuiu meu abraço. Seu perfume de flores era muito bom e reconfortante.
- Não há de quê, meu bem- ela murmurou quando me afastei e acariciou meu rosto- Você teria feito o mesmo por mim.
Teria mesmo.
Senti uma lágrima correr por meu rosto.
- Está com o dinheiro que te dei? As roupas e tudo que vai precisar?- questionou, enxugando as próprias lágrimas- Não esqueceu nada?
- Não. Não esqueci- sorri.
Eu estava relutante em deixá - la. Havia algo nela que fazia com que me lembrasse de minha avó. E sentia tanta falta dela!
- Agora vá- resmungou, como se aquela separação também fosse difícil para ela- Precisa se apressar.
- Eu sei... - sussurrei dando alguns passos incertos para trás- Adeus, Rose.
Um sorriso se formou em seus lábios, enquanto as rugas se tornaram mais evidentes nos canto de seus olhos.
- Adeus, querida.
Caminhei rapidamente para longe dela. Só havia passado um dia com aquela mulher e ainda assim, ela tomou uma importância sem proporções na minha vida. Eu nunca poderia agradecer o suficiente.
Após pagar minha passagem, me encaminhei para o ônibus com destino à Virgínia, Mistyc Falls. Ele estava meio vazio, com alguns poucos passageiros.
Sentei-me em uma das últimas poltronas perto de uma janela. Encostei minha cabeça contra o vidro frio e suspirei.
O sol finalmente estava surgindo e dando seu adeus naquele fim de tarde. As poças d'água no asfalto brilhavam.
Abracei mais minha mochila contra o peito, esperando que o ônibus desse a partida em direção à minha casa e minha antiga vida.
- Posso me sentar aqui?- disse alguém.
- Clar...- estava dizendo, quando as palavras entalaram na garganta.
Senti uma lágrima correr por meu rosto e minhas mãos recomeçaram a tremer.
- Como me encontrou?-sussurrei, aterrorizada.
O ouvi se ajeitar ao meu lado.
- Segui o rastro podre da traição - sua voz era sombria- Na verdade, eu segui um feitiço de localização.
- Mas eu... fiz um feitiço de ocultação...
- Eu sei, eu sei - ele riu- Mas teve mais um número nessa equação que você não levou em consideração.
- O quê?
- Está com o meu anel- disse com soberba- A rastreei por meio dele.
Quase me bati por minha idiotice. Como pude esquecer do anel?!
Acho que o ar mal entrava em meus pulmões.
Levantei os olhos e voltei meu rosto para Kai ao meu lado.
Ele estava péssimo.
Sua pele pálida e mármorea estava com horríveis queimaduras avermelhadas e cheias de bolhas. Seus olhos azuis cinzentos pareciam enérgicos e fora de si. E seus lábios estavam esculpidos em uma linha rígida de pura indignação.
Kai abaixou o capuz cinza do casaco, dando a visão de sua pele destruída.
- Sabia que os raios de sol ainda têm incidência em dias de chuva? A radiação está em volta de nós. E sair ao livre, mesmo com tempo úmido é bem ruim quando... VOCÊ TEM SEU ANEL DE SOL ROUBADO!
Ele deu um soco no apoio do assento- que partiu ao meio.
Me encolhi contra o vidro.
As pessoas à nossa volta, começaram a cochichar umas com as outras e olhar para nós.
Respirei fundo, tentando deixar o meu medo de lado.
- Eu não vou voltar.
Ele revirou os olhos.
- Como se tivesse algum tipo de poder de escolha.
Antes que ele fizesse mais alguma coisa, ataquei.
- Phesmatus...!
Kai agarrou meu braço em uma velocidade incrível. Até para um vampiro.
Gemi, me contorcendo com a queimação que sua pele contra a minha causava. Ele estava sugando o resto de magia que havia em mim.
Arfei dolorosamente, quando me soltou.
- Bem melhor agora...- ele suspirou, com as feridas e queimaduras se fechando.
Kai pegou minha mão e deu um beijo suave, enquanto tirava seu anel de meu dedo.
- Se queria uma jóia, bastava me pedir, BonBon- provocou botando o anel de lápis-lazuli em seu dedo anelar.
O instinto de sobrevivência gritava dentro de mim. E ele fez com que me jogasse para fora do meu banco, em uma tentativa patética de escapar. Kai me agarrou antes que eu passasse por cima dele.
Comecei a grunhir e me debater em seus braços como um animal selvagem preso em uma armadilha. Agora eu entendia o que os coiotes sentiam. Se Kai estivesse agarrando meu braço eu teria o roído com os dentes até arrancá-lo fora.
Ele deu uma risadinha sádica.
- Adoro toda essa dificuldade. Faz a mercadoria subir de preço.
- Vai se foder!-gritei, tentando tirar seus braços fortes de cima de mim.
- E eu pensando que os dias com você iam ser maçantes- ele riu de novo. Sua voz não conotava nenhum esforço- O que me lembra...
Ele soltou um de seus braços e me prendeu mais fortemente contra seu peito. Puxou algo do bolso de trás da calça e jogou sobre minhas pernas.
De início não reconheci, mas ao olhar de novo entendi.
Era um tênis pequeno, com pequenas flores e grandes manchas carmins.
- Não...-ofeguei, esquecendo de lutar- Rosalie... O que você fez com ela?!!
As lágrimas correram por meu rosto em soluços entrecortados.
- Não! Seu monstro! Eu odeio você! Rosalie! Não!
- Ela já estava velha...- sussurrou em meu ouvido de forma fria- Morreu em paz.
Gritos saíram de mim, misturados ao choro. Eu regredi de adulta à uma criança. Chorava desesperadamente, como se houvessem arrancado meu brinquedo favorito.
Kai se pôs de pé, com seus braços em volta de meu peito e me arrastou pelo corredor do ônibus, enquanto eu gritava e chorava, me debatendo o tanto quanto podia.
Quando pousamos no chão de cimento do terminal, ele me pôs de pé, ainda me segurando.
Senti sua respiração quente em minha orelha.
- Isso é o que acontece quando você me desobedece- murmurou mordiscando minha pele- As pessoas à sua volta se machucam.
Tudo era silêncio, minha respiração e o bater acelerado de meu coração eram as únicas coisas que preenchiam o ar frio.
- Você a matou...- arquejei, chorando mais.
- E você quebrou meu pescoço- disse simplesmente- Uma vida por outra vida.
- Seu monstro! Eu o odeio! Nunca irei perdoá-lo, Kai! Nunca!
Sua voz foi sombria quando falou.
- Nunca esperei que fosse.
Kai começou a me arrastar pelo terminal, mas como meus gritos estavam chamando a atenção, logo me colocou no chão de novo.
- Escuta aqui- disse apertando meu braço dolorosamente- Se continuar gritando, cada pessoa desse terminal que olhar para nós, irá ter a cabeça arrancada dos ombros.
O encarei com fúria.
Kai podia ser qualquer coisa, mas ele não blefava. Ele era louco à ponto de matar todo aquele terminal de pessoas.
Baixei os olhos e engolindo todas as lágrimas, me deixei ser rebocada por ele.

♥♥♥♥♥

Nota da Autora:

Oi pessoal \o/

Já começo dizendo que o Kai tá em altas crueldades aí e que espero que tenham gostado desse capítulo. Aposto que muita gente já desconfiava que eu ia fazer isso, não? Entendo. Não sou muito confiável kkk.
E bem... eu já tinha esse capítulo escrito, mas tenho mania de segurar um pouco pra revisar todos os erros. Meu perfeccionismo é mais obsessivo que o Kai. Mas enfim, já temos três capítulos prontos, contando com esse, claro. E resolvi postar eles logo.
Espero que gostem dos restantes ♥

Beijos xxx. (^*^)





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