" Oi Laisa,
Talvez você não se lembre de mim, se o número que revelaram for mesmo real. Ou quem sabe eu fui especial, sei lá. Não vim te agredir ou julgar suas atitudes, como acredito que a maioria tenha feito. Parece estranho, mas vim te agradecer, não pessoalmente, pois estou muito distante e feliz. E sabe quem abriu as portas dessa minha felicidade? Você aquela noite. Dizem que agiu por má fé, eu não acredito, você tinha seus motivos, e eu acredito neles, mesmo os desconhecendo. Você não é esse monstro que vendem os jornais. Queria te agradecer, acho que já disse isso, é que o sol amanhece e estou aqui deitado, sozinho escutando o mar, e não me sinto solitário, apenas feliz, e olhar o céu me traz uma satisfação indescritível. Você me trouxe para a vida que eu tanto sonhava. Eu te disse aquela noite da minha insatisfação com o curso, com as pessoas com quem convivia, mas que era covarde demais para largar tudo e correr atrás da vida que eu desejava. Eu precisava de um empurrão, uma guinada, e você me tirou o chão, e eu não mais precisei ater meus pés a ele, eu ando livre agora, sem rumo. Eu e uma mochila, e o pouco das economias que me restam. Não foi preciso a morte de ninguém próximo para me fazer querer aproveitar a vida, apenas essa moléstia, e sua incerteza, me impondo uma data de validade, um real motivo para me fazer sentir a vida em cada minuto passado, cada conversa tem hoje seu valor, cada sorriso que eu causo em alguém, até mesmo os "bom dia" deixaram de ser mera educação e representam um sentimento único de empatia para qualquer ser vivente, que ainda se arrasta em sua rotina, como eu fazia. Laisa talvez eu não precisasse contrair HCT para enfrentar esta mudança, mas como eu disse lá em cima, eu sou covarde, e precisei de uma força maior do que eu para me tirar dos trilhos. E você me trouxe essa força. Espero um dia te encontrar aqui fora, e poderemos curtir uma noite juntos, de mãos dadas, sem medo de transmissão ou do preconceito. Só eu e você de alma lavada.
Com todo amor que hoje rege meu coração, Lucas."
Recebi esta manhã, e os olhos continuam marejados, sim eu me lembrava daquele garoto, tinha o peito cheio de descontentamento, não nascera para a vida comum. Queria abraçá-lo, dizer que recordava nossa conversa, seus olhos mirando as mãos, incapazes de me encarar enquanto desabafava. E era eu uma completa estranha, e a melhor ouvinte do mundo. Quem sabe um dia não realizo este sonho alucinado dele, ou ele acorde e perceba o que fiz com a sua vida. E então ele mudará de time, e erguerá suas pedras contra mim.