Grey is the new black

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Querido diário, sou uma menininha que não tem com quem conversar por isto se refugia em suas páginas, conversando com amigas secretas e só minhas. Preciso reiterar que detesto este lugar? O cheiro da comida entranha seu nariz e ali permanecesse a tarde toda, comida industrial num vasilhame de metal. Meu estômago se revira. Ao menos sairei daqui super magra, melhor que dieta da sopa ou uma semana no spa, minha meta agora é ver o lado bom das coisas, como pregava um certo filme. As manchas na parede demonstram que a vida não é homogênea e sempre bela, as rachaduras escancaram nossas fraquezas, e a cor, bem, o desbotado revela a passagem do tempo, e o cinza me faz pensar. Acho que deixarei minha marca em algum lugar dela, já que agora somos confidentes. Ficar trancada e longe do sol está deixando minha pele mais clara, os raios não mais queimam meus fios de cabelo, que agora assumem sua verdadeira cor, enquanto eu me reencontro nesse ambiente de puro aprendizado. Deixarei meu orgulho de lado e conversarei com algumas colegas, quem sabe responder as provocações da maluca aqui do lado. Quanto às carcereiras, passarei a cumprimentá-las e estabelecerei um vínculo emocional com elas, preciso de alguns benefícios. Talvez até consiga manipular as presidiárias mais ignorantes, ou as sapatões, mas sobre isso preciso pensar direito. Uma vez na pista não há como retroceder. Vou fazer daqui minha própria Litchfield, meu novo lar, meu novo domínio. Preciso me reinventar antes que fique ultrapassada, logo surge outra psicopata e eu não terei os holofotes só para mim. E meu bordão "querido, você não era obrigado a nada" entrará na lista dos que foram tendência e a internet os esqueceu. E ninguém mais estampará camisetas com ele. É difícil reconhecer que você possui data de validade. Bem, já que meu mundo se restringe a estes muros, vou brilhar o máximo que puder aqui dentro. Arriba Hermanas!

E pensar que teve série mostrando o lado bom de se terminar enjaulada. O almoço foi servido e já caí na real. Ser vegana não será permitido. Ou como ou passo fome, se como sinto-me culpada e temo engordar, se engordo entro em depressão e desleixo de vez, se fico largada perco meu maior atributo, e assim desapareço. Fazer exercícios exige arriscar-me no pátio, flexões intra cela não são o meu forte, tampouco quero ficar musculosa. Posso comer, saciar minhas papilas com o que tenho, e espero que elas se acostumem ao salitre, e depois vomito tudo. Presa, bulímica e com úlceras de esôfago. Ah, as opções não estão favoráveis. Talvez hoje só não seja o dia certo para tomar decisões. Vou comendo, e vou levando. Ainda quero ver se escuto a conversa das vizinhas de cela, bem acho que elas se pegam durante a noite. Só me pergunto quanto mais vou me segurar até o tesão tomar conta e eu procurar uma mulher daqui de dentro. Se os guardas tivessem maior proximidade e liberdade, mas nem isso. O sistema te exclui de todas as formas. Enquanto isso fico aqui com meu dedo médio, pensando até em nomeá-lo para garantir maior intimidade. Fernandinho, Gutão, ou Desbravador de cavernas?

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