A Borboleta na Tormenta

By MyLightNovel

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A BORBOLETA NA TORMENTA História por MRN Revisão por Isuzu Tany Distribuição: My Light Novel - www.mylightnov... More

Prólogo
Previsão
Sétimo Dia
A Linguagem do Caos
Oitavo Dia
A Tempestade
Coragem
A Chave para as Respostas
Pecado sem Perdão
Altair e Vega
O Último Dia
A Borboleta na Tormenta
Ennui
Epílogo

Em um Beco Qualquer

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By MyLightNovel

Capítulo 11

Em um Beco Qualquer

Julia estava em pé próxima a mim. O cano de ferro repartido ao meio em sua mão era o bastante para fazer com que Hauser a considerasse perigosa.

          — Julia Brontë. — Hauser proferiu o nome com desdém.

          Nenhuma palavra saiu da boca de Julia além daquelas que ela falou ao aparecer. Ela... Ela realmente veio me salvar? Mesmo depois daquilo que fiz para ela? Mesmo depois de eu recusá-la, ela ainda veio me ajudar?

          Não mereço nada disso.

          — Pensei que você tinha fugido dela, Fatou. — Hauser olhou para mim com uma expressão de decepção.

          Abri minha boca na tentativa de falar algo, mas minha voz não saia. Eu ainda estava muito surpreso para poder formar qualquer tipo de palavra.

          — Ele ainda vai ter que treinar muito pra poder me deixar pra trás em uma corrida. — Julia falou com um sorriso nervoso.

          — Você realmente deveria fazer mais exercícios físicos, Fatou. Não conseguir fugir de alguém depois de horas correndo é puro sedentarismo. — Hauser falou zombativo enquanto se punha entre mim e Julia.

          Ei, ei. Agora não é a hora para zombar de mim, certo? Estamos em uma situação de vida ou morte. Entretanto, com essa quebra de clima, Julia fez minha esperança se renovar.

          — Ah... Agora que você chegou, as coisas vão ficar um pouco complicadas. Não importa o que aconteça aqui, um de nós com toda certeza vai acabar morrendo. Se não for pedir muito, gostaria que você ao menos me explicasse o que realmente tem acontecido. Diga-se de passagem, perdi um bom tempo falando para o garoto algumas verdades. Agora sou eu que quero as respostas. — Hauser falou enquanto abaixava a faca — Julia Brontë, o que você fez para causar a atração ao destino?

          Julia não respondeu.

          — Vamos lá, garota. Nós já criamos diversas teorias, mas ainda não entendemos como é possível um garoto antissocial como ele ser tão influente no mundo. A maior parte das pessoas que matamos são políticos, celebridades, populares, mas um garoto sem amigos? Como ele pode influenciar o mundo a ponto de causar a morte de milhares de pessoas? Esse número é muito maior do que que qualquer um poderia imaginar.

          Julia continuou sem responder nada. Dessa vez, uma expressão nasceu no rosto dela, uma expressão que fez eu perceber a gravidade da situação:

          Ela não tinha a menor ideia do que ele estava falando.

           — Existe algo que multiplicou o número de mortes que ele causaria, algo que fez o destino valorizá-lo demasiadamente. Afinal, por que você se importa tanto com ele? O que ele fez pra você? Qual foi a influência dele na sua vida?

          Embora tudo que me importava no momento era sair dali com vida, uma enorme curiosidade cresceu dentro de mim. O que Hauser perguntava tinha sentido. Minha influência no mundo era mínima, é claro que minha mera existência poderia causar a morte de várias pessoas, mas... Milhares? Dezenas de milhares? Se fosse tão fácil para pessoas como eu influenciarem o mundo, a humanidade já teria desaparecido, certo?

          ...

          Errado.

          ...

          O caos pode criar tanto a destruição quanto a salvação. Eu estava tentando pensar em uma forma ordenada novamente. Não preciso ser influente para que o destino me valorize. Sou tão inútil quanto uma borboleta aleatória e, mesmo assim, eu causava uma tempestade. Hauser também sabia disso. Ele não acreditava no que ele mesmo estava falando. Por que ele está mentindo para Julia, então? Não existe motivo para eu ser ou não influente, certo? Foi só azar, o mais puro e simples azar. O que ele estava forçando em Julia era outra coisa: Ele não queria saber a influência que tenho sobre o mundo, mas sim a influência que tenho sobre ela. A influência que Isamu Fatou tem sobre Julia Brontë.

          Quando uma garota que eu nunca conheci na vida foi tão tremendamente influenciada por mim a ponto de desistir de tudo para salvar minha vida, percebi que eu não era um ser humano isolado. Eu tinha influência sobre algo neste mundo. Tamanha influência que fez alguém se preocupar com a possibilidade da minha morte.

          Exatamente como Hauser falou. Ele percebeu... Percebeu a semelhança que ele e Julia dividiam. Cada um queria defender alguém importante, alguém influente, em suas vidas. A dúvida que estava em Hauser era algo que ele precisava que fosse respondido para não sentir a hipocrisia fluindo em seu sangue. Mesmo pondo sua sobrinha como prioridade, ele ainda sofria com o medo de ser hipócrita.

          — Reencarnação, alma gêmea, linha vermelha do destino, vidas passadas, amigos de infância, amor à primeira vista, não me importo quão maluca pode ser sua explicação, eu só quero saber o porquê! Por que você se importa tanto com ele? — Hauser gritou exigindo uma reposta.

          Julia tirou toda e qualquer expressão de raiva. Hauser olhou para ela curioso, ele desejava compreender ao menos isso antes de continuar sua chacina. Ele era o tipo de pessoa que só mataria depois de conhecer sua vítima, depois de entender suas mágoas e suas felicidades. Por alguns segundos, o rosto dela não demonstrava nada, então, de repente, ela abriu um sorriso, um sorriso tão nostálgico que fez meu coração se apertar. O mesmo sorriso que ela dava antes de tudo acontecer, quando ela ainda era a intercambista alegre e estranha. O mesmo sorriso de quando ela ainda usava uma máscara de felicidade, mas, dessa vez, completamente genuíno. Não... Era um sorriso ainda mais antigo, como se eu já tivesse visto esse mesmo sorriso alguma vez... Alguma vez...

          Era como se eu já tivesse visto o mesmo sorriso em um sonho. Um sonho tão nostálgico que parecia querer tirar lágrimas dos meus olhos.

          Com o mesmo sorriso, Julia abriu os olhos e simplesmente falou:

          — Não sei. Eu realmente não tenho ideia.

          Hauser parecia incrédulo. Ele não conseguia achar qualquer forma de responder à altura. Não havia mais nada que ele podia dizer. Sua mão apertou o cabo da faca com uma força tremenda, de forma que seu punho veio a tremer. Julia também percebeu o que aconteceria naquele momento.

          Os dois não tinham mais qualquer sorriso em seus rostos. Naquele momento, eles começariam uma guerra.

          Surpreendentemente, a primeira a investir para a terrível luta foi Julia.

          Ela correu na direção de Hauser com o cano a sua frente. Logo na sua primeira tentativa de um golpe, ela mirou na cabeça de Hauser.

          Nos primeiros segundos de luta, já se pôde perceber a enorme diferença entre os dois. Hauser desviou do cano facilmente e aplicou um contra-ataque com sua faca na direção da barriga de Julia.

          Você não acha que já foi o bastante?

          Uma voz começou a ecoar em meus ouvidos, uma voz realmente familiar.

          Julia desviou por pouco, tendo sua camiseta rasgada na área onde a faca raspou. Felizmente, nenhum corte foi feito em sua pele, mas o simples fato de ela quase ter tido sua barriga perfurada nos primeiros segundos de luta aumentou a pressão psicológica sobre ela. Se ela errasse em qualquer movimento, nós dois morreríamos.

          Eu simplesmente não sabia o que fazer. A cena que se desenrolava a minha frente era tão terrível que me deixou paralisado.

          Quando é que você vai perceber?

          Uma dor aguda cresceu em minha cabeça. De onde eu estava ouvindo aquilo? Será que a situação começou a afetar minha sanidade?

          Hauser puxou a pistola na expectativa de acabar rapidamente com a batalha. Julia, num reflexo, bateu o cano na pistola, jogando-a para longe. Mesmo após isso, Hauser não pareceu estar surpreso e investiu com a faca na direção do pescoço de Julia, que a desviou com o cano, resultando num corte em sua bochecha direita.

          Quantas vezes mais você precisa repetir...

          Ela estava lutando, se cortando e se machucando por minha causa. Tudo por minha culpa. Se eu olhar do início, ela sempre fez as coisas por mim sem receber nada em troca. Eu gostaria de saber... Entender o motivo dela ter se sacrificado tanto para me salvar.

          Minha vida merece ser salva? Uma vida como a minha, tão ordinária e tediosa que chega a ser sofrível. Alguém como eu, que não serve para nada além de seguir o mesmo caminho que todos, numa rotina atordoante e repetitiva. Repetitiva. Repetitiva. Repetitiva.

          ...para entender o padrão?

          Minha vida só mudou por um motivo: Fractais. Se nada disso tivesse me afetado, será que Julia ainda iria me proteger? Se eu ainda fosse aquele ser humano ordinário que era anteriormente, ela ainda arriscaria a própria vida para me salvar?

          Fractais. Padrões repetitivos que representam o caos. Foi com eles... Foi com eles que eu consegui prever esse dia maldito. Se já sei de tudo isso... Então...

          Então por que é que sinto que tem algo errado?

          Sem que eu percebesse, Julia conseguiu fazer Hauser tropeçar e cair cima de alguns sacos de lixo no canto do beco. Depois de alguns xingamentos, o detetive se levantou e partiu para cima dela novamente. Não mais do que 30 segundos haviam se passado desde que os dois começaram a lutar. Julia não aguentaria muito mais tempo.

          Hauser me mostrou duas opções: O destino aponta que se eu viver, dez mil pessoas morrerão. Consequentemente, os Agentes dizem que se eu morrer, dez mil vidas serão salvas. Como eles sabem disso? Usando a habilidade de ler fractais. Eles planejaram mudar o destino usando essa habilidade maluca.

          Mas se for fácil assim...

          Quantas vezes mais é necessário você passar por isso...

          Desde o início soube que os fractais podiam mudar o destino. O professor Tobias disse que se pudéssemos controlar essa "linguagem" do universo, poderíamos controlar todo as regras e leis que o compõem. É por isso que o universo está tentando me usar como antivírus, é por isso que eu sou uma simples vacina. Os Agentes estão tentando mudar o terrível destino que acarretará na morte de dez mil pessoas. Dez mil. Que futuro nojento que procuro, não é mesmo?

          Mas...

          Isso não está errado?

          Se os fractais podem mudar o destino...

          Se posso ler os padrões deste mundo...

          Então por que não tento, eu mesmo, mudar esse maldito destino?

          Já não era isso que eu ia fazer desde o início?

          ...para entender a verdade?

          Se Hauser só me deu duas opções...

          — É só eu criar uma terceira!

          Julia olhou para mim assustada. É claro, seria realmente difícil de compreender, mas essa era a resposta final. Se eu posso ler fractais, também posso ir contra o meu próprio destino de viver. Eu posso criar um destino em que vivo e as outras pessoas também. Se sou o atractor que irá causar essas mortes, eu irei destruir o meu próprio destino! Só preciso ser o vírus que ultrapassa a vacina. A bactéria resistente. Quem melhor para me vencer do que mim mesmo? Ninguém conseguiu pensar nessa possibilidade exatamente por pensar de uma forma binária. A vida e a morte parecem ser possibilidades únicas e opostas. Mas isso está totalmente errado. A morte, de fato, é uma possibilidade única, seus efeitos são sempre os mesmos. Mas, em vida, as possibilidades são infinitas.

          O bater de asas de uma borboleta pode causar uma tempestade. Entretanto, se ela deixar de bater as asas naquele exato e único momento, a tempestade não acontecerá da forma prevista. Para impedir essa tempestade, eliminar a borboleta da equação não é necessário. Não podemos negar que ela estar lá é o que causou a tempestade, mas existem infinitas possibilidades de futuros sem tempestades. Esse é o princípio do caos. Mesmo que meu destino seja continuar vivo, eu posso ir contra esse destino e da mesma forma viver. É só eu achar a possibilidade certa, a agulha no meio do palheiro. Por isso é impossível prever o futuro. É mais do que um infinito. As possibilidades são incontáveis. É quase como... Como um fractal.

          Sim... Não há como prever algo que nunca aconteceu pois tudo pode ser modificado no último momento.

          No meio das minhas ações, deve haver algo completamente incalculável e improvável. Algo que eu nunca faria e que mudaria tudo. Preciso agir da forma mais caótica possível.

          Preciso ser a borboleta que não bateu as asas.

          Finalmente, você percebeu.

          Em meio a minha epifania, Hauser aproveitou a distração de Julia e investiu.

          Tudo que ocorreu após a investida de Hauser me pareceu um flash de momento. O sentimento de déjà-vu constante me atacou e, como se eu estivesse dopado, minhas memórias foram se apagando e se misturando às "memórias" de uma visão macabra.

          A dor aguda no lado esquerdo do meu corpo parecia querer me acordar de um pesadelo sinistro. Por que Julia estava chorando? Talvez toda a situação estivesse afetando minha capacidade de raciocinar. Enquanto eu tentava compreender a situação em que acordei, Hauser não parecia estar com muita paciência.

          — Seria muito mais fácil se você tivesse deixado eu cortá-la, Fatou.

          Cortá-la? Ah... Sim... Julia estava caída a minha frente e eu parecia estar entre ela e Hauser. Será que fiz alguma coisa? A dor não deixou que meu raciocínio continuasse.

          — I-Isamu... — Julia falou com uma voz de choro. Ela tentou se aproximar de mim, mas algo fez ela parar.

          Sim... "Algo" fez ela parar. Algo que estava saindo de mim, perto do meu estômago. Era quente, como se eu estivesse me cobrindo com um confortável cobertor. Eu realmente deveria me cobrir. O frio que sentia me fazia lembrar do mesmo frio que senti na sala do diretor, duas semanas atrás.

          Foi lá que conheci Hauser pela primeira vez. O jovem detetive parecia ser o típico amigo dos fracos e oprimidos. Afinal, poderia eu dizer que essa não é a mais pura verdade? Quando finalmente notei que Hauser era o assassino, já era tarde demais para fugir, mas eu genuinamente acreditava que ele era algum tipo de maníaco psicopata. A realidade, porém, era muito diferente: Ele era um aliado da justiça, como ele mesmo havia dito. Hauser desejava salvar aqueles que não tinham força para se salvarem sozinhos. Mais importante que isso, ele desejava salvar aqueles que significavam algo para ele.

          Perder algo ou perder alguém... Não é tão fácil passar por riscos como esses. Será que posso mesmo julgá-lo pelo que ele fez?

          — Vá pro inferno — falei com um sorriso de escárnio para Hauser.

          Não importa o que ele quisesse proteger, eu também tinha coisas que não gostaria de perder.

          — Vale tanto a pena assim, proteger uma pessoa tão destruída?

          Novamente, iria mandar Hauser ir para um lugar que estava no seu patamar, mas, no lugar de palavras, um líquido vermelho rubro saiu de minha boca. Entendo... No final, eu não estava errado. Eles simplesmente não conseguiam ver a outra saída.

          — Você estragou tudo, Fatou. Não conseguiu se separar dela e nem ao menos me deixou acabar com meu trabalho. Seu egoísmo não tem limites.

          De fato, eu a protegi. Depois que Julia chegou, uma luta começou. Alguns minutos depois, Hauser partiu para cima dela e acabei o parando. Por que eu o parei? Não tenho a coragem necessária para dar minha vida por uma pessoa, então, por quê? O que é que mudou em mim?

          Essa é a resposta. Você não mudou em nada.

          Uma voz em minha cabeça parecia falar. A voz era a mesma que a minha, quase como se fosse a voz de meu pensamento. Quase como se fosse a voz... De um alter-ego.

          — Você é surdo? Vá pro inferno! — falei com o resto de força que me sobrava.

          Algo frio encostou nas costas de meu pescoço. Estando ajoelhado e de costas para Hauser, rapidamente consegui descobrir o que estava para acontecer. Antes do estrondo ensurdecedor, eu podia jurar ter ouvido o estalo do gatilho sendo pressionado.

          — Parece que perdi... — Hauser falou com um tom decepcionado enquanto eu caía ao chão, engasgando em meu próprio sangue, com um buraco na garganta. — Boa sorte da próxima vez.

          Depois de um forte brilho, a visão foi o primeiro sentido a desaparecer. Antes de minha audição sumir, pude ouvir Julia gritando. Alguém segurou minha mão nos meus últimos momentos de tato. O gosto metálico do sangue impregnou meu paladar cada vez mais fraco. E, por fim, o cheiro de chuva e de tempestade sobrepôs todos os outros.

          E naquele último lapso de consciência, junto do medo da morte, somente um único arrependimento me veio:

          Eu me arrependi de não lembrar...

          Não lembrar da garota deitada no telhado.

Eu morri.

~

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