A Borboleta na Tormenta

By MyLightNovel

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A BORBOLETA NA TORMENTA História por MRN Revisão por Isuzu Tany Distribuição: My Light Novel - www.mylightnov... More

Prólogo
Previsão
Sétimo Dia
A Linguagem do Caos
Oitavo Dia
A Tempestade
A Chave para as Respostas
Pecado sem Perdão
Altair e Vega
O Último Dia
Em um Beco Qualquer
A Borboleta na Tormenta
Ennui
Epílogo

Coragem

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By MyLightNovel

Capítulo 6

Coragem

Décimo Dia:

          Era ridículo ver que o sol entrava facilmente pela janela dos dormitórios, não dando nem chances para aqueles que desejavam continuar dormindo. Na realidade as salas usadas como dormitórios eram simples salas de aula de outras classes que não participaram desse show de horrores. Enquanto nós ficamos confinados nesta semana infernal, as outras classes foram dispensadas para voltar somente na semana depois da investigação.

          Não é preocupante? Digo, como eles têm tanta certeza que o assassino ou a testemunha está em nossa classe? Como eles podem ter absoluta certeza de que isso não é um grande mal-entendido?

          Não... O assassino definitivamente está em nossa classe, afinal, eu também serei morto no final desta semana.

          Desde anteontem, após sua discussão com Julia, Amós não apareceu mais na sala de aula. Tudo que percebi é que ele voltou para o dormitório masculino somente à noite para dormir. Ainda que eu estivesse genuinamente preocupado, não podia dizer nada, não enquanto ainda tiver de escolher confiar em somente um deles. Por que é que tem de ser assim? Por que é uma questão de oito ou oitenta?

          O dia passado foi consideravelmente tranquilo. O evento máximo que tivemos foi uma pequena discussão básica entre Aleksandr e Evellyn. Não há a necessidade de qualquer análise do que aconteceu: A culpa era obviamente do Aleksandr, que passou dos limites mais uma vez.

          Contrário ao que Amós pregou, Aleksandr não deixou de ser sincero e confiável em nenhum momento. Para dizer a verdade eu já sabia que isso iria ocorrer: Aleksandr sempre foi assim, independente do risco.

          Por outro lado, eu sou muito mais instável. Não sabia em quem confiar, de quem desconfiar, para quem mentir, para quem não mentir. No final, eu não deixo de ser um covarde. Onde está a tão prometida coragem, hein?

          Evellyn parecia estar na mesma situação que a minha. Ela não sabia se mentiria ou não. Enquanto as garotas com quem ela andava decidiram seguir os conselhos de Amós, Aleksandr fez o oposto, e isso a confundiu terrivelmente. Sua confusão, porém, não era pela situação estranha, mas sim porque ela confiava no Aleksandr o bastante para acreditar em suas ações incondicionalmente.

          Como sempre ela é uma típica tsundere.

          Ela só devia ser um pouco mais atenciosa com seu vizinho, certo? Eu moro logo ao lado! Como ela pode ser tão rude comigo todo dia? Um dia irei provar que ela nutre um profundo amor por mim.

          Ah, ficção... Novamente plantando fantasias em mim.

          Estaria me acostumando com a situação? Como posso dizer algo tão trivial como "Um dia"? Nem mesmo sei se sobreviverei até a próxima semana.

          Levantei-me do saco de dormir e peguei meu uniforme. Parece que minha mãe só tinha me trazido o pijama, o que fazia deste o terceiro dia em que usava o mesmo uniforme e isso fazia eu me sentir um tanto quanto sujo. Depois de um banho, já vestido, fui em direção à sala de aula.

          Normalmente eu não acordaria tão cedo. Estar atrasado na escola já tinha se tornado uma rotina para mim e, por isso, nunca me preocupei tanto com os horários. Exatamente por isso as boas olheiras que eu sempre tive pareciam ter aprofundado mais do que o normal. Nunca imaginei que minhas olheiras poderiam ficar mais fundas do que já eram. Hoje provei que estava errado.

          — Fatou! — Aleksandr acenou pra mim sentado no corredor do lado de fora da classe. — Parece que você começou a acordar cedo agora, hã?

          — Não é como se eu quisesse. — Respondi sinceramente com a voz mais sonolenta possível.

          — Haha! É bom para você começar a se acostumar com uma nova rotina!

          Aleksandr sempre chegava mais cedo que os outros alunos. É incrível pensar que alguém como ele possa ser tão esforçado na escola. Às vezes parecia que ele só fingia ser um idiota.

          — Afinal, as garotas sempre ficam mais lindas quando estão com cara de sono.

          Não. Ele é um idiota genuíno.

          O sentimento de ter acordado cedo demais começou a crescer dentro de mim quando já haviam passado quase quarenta minutos e até então nenhum aluno além de nós dois tinha chegado à porta da classe. Ele acorda cedo assim todo dia? Como ele sobrevive?

          Eu passei grande parte do dia anterior inteiro dormindo e por isso ainda não tinha visto como estava a "rotina" de cada um nesse confinamento sem sentido. Foi um tanto quanto interessante ver a escola calma com a falta de alunos.

          Essa calma toda foi o bastante para me fazer cair no sono novamente. Só fui acordado algum tempo depois por alguns cutucões na minha testa. Evellyn...

          — Ah, então ele ainda está vivo. Que pena.

          Olhei para ela com uma expressão de puro desgosto.

          — Ugh, mas os olhos de peixe morto dizem o contrário.

          — O que você quer? — Perguntei com a voz arrastada.

          — De você? Nada.

          A educação de Evellyn novamente mostra ser capaz de escapar dos limites humanos.

          Atrás de Evellyn, Julia vinha com olhares baixos e pensativos. Parecia que ela não tinha dormido muito bem desde o ocorrido e teria passado a noite inteira tentando descobrir o tão falado "erro" que Amós explicitou.

          — Isamu, precisamos conversar. — Julia falou pesadamente.

          I-Isamu? Eu já estava tão acostumado a ser chamado de Fatou pelos meus colegas, considerando que a pronúncia era muito mais fácil, que por alguns segundos fiquei realmente constrangido, é claro que voltei ao normal rapidamente, dada a seriedade da situação.

          Aleksandr e Evellyn se entreolharam e logo desviaram o olhar. Eles provavelmente entenderam errado. Não vamos ter um mal-entendido aqui, certo? Não importa. A situação estava muito séria pra eu pensar em algo tão trivial. Julia parecia nervosa.

          Me levantei e segui Julia.

O pátio parecia completamente vazio.

          Ainda que só tivessem passado três dias, uma sensação de nostalgia me veio ao ir com Julia para o mesmo local que conversamos da primeira vez. Talvez seja porque ela não era a mesma pessoa?

          Sim. Aquela Julia não era a mesma de três dias atrás. Talvez ela até possa ser a mesma, mas aquela máscara que ela vestia no dia que conversamos pela primeira vez finalmente caiu completamente. A verdadeira Julia Brontë estava a minha frente, e ela era muito mais fácil de entender do que a antiga.

          Eu só não consigo entender essa mudança repentina de personalidade. Teria sido pelo stress da situação improvável? A pessoa que mais teria chance de ter uma mudança de personalidade, considerando tudo que tem ocorrido, seria eu mesmo, afinal, fui eu quem viu aquela atrocidade e ainda assim parece que não fui tão afetado quanto o esperado.

          Para falar a verdade isso me incomodava. Por que não estou traumatizado ou em estado de choque? Por que eu me recuperei tão rapidamente? Será que sou tão insensível a ponto de quase relevar uma morte?

          Por um momento eu consegui deduzir a causa da minha insensibilidade: Não foi a primeira vez que eu o vi morto, certo? A maldita visão estava acabando com meus sentimentos. Eu estava começando a ficar acostumado com cadáveres mesmo que esse tivesse sido o primeiro que já vi.

          — Isamu, está me ouvindo? — Julia falou com um olhar preocupado, era a primeira vez que eu a vi agindo daquela forma.

          — Ah! S-sim. Claro. — Falei com uma resposta automática. Tobias já me disse que eu devia parar de dar respostas automáticas... Nem nisso pude honrá-lo. Desculpe-me professor.

          — Isso realmente tem me preocupado. Se não for somente nós que podemos vê-lo significa que alguém também foi "atraído".

          — Espera um pouco... O quê? — Minha expressão deveria parecer de um idiota completo.

          — Sinceramente. — Julia levou a mão até o rosto com um sorriso decepcionado.

          — Desculpa! Comecei a pensar algumas coisas e... — Tentei me desculpar um tanto quanto constrangido, mas fui interrompido bruscamente.

          — Tudo bem... Acho que você deve estar bem impactado com o que vem acontecendo.

          Na realidade é exatamente o oposto e é por isso que estou tão preocupado. De qualquer forma, é melhor deixar ela acreditar nisso. Não gostaria de dar a impressão de que não tenho sentimentos.

          — Bem... Acho que estamos em grande perigo.

          Considerando que eu estava prestes a ser assassinado, isso é algo bem óbvio.

          — E você tem alguma ideia de onde vem esse perigo?

          — Um fractal.

          Quando ela usou a palavra fractal minha visão começou a girar. Um gosto de ferro surgiu em minha boca.

          O que ela quis dizer com isso? Ela está falando da mesma coisa que meu álter ego falou, não? Da mesma coisa que Tobias falou. Como ela sabia disso? Não. Não importa como ela sabe disso. Finalmente eu posso conversar com alguém que não ache que fiquei maluco.

          — Quando você diz f-fractal...

          — Quando eu digo fractal eu estou falando dessa sua habilidade. Da sua visão. — Julia completou com um sorriso falso.

          Exatamente. Ela tem ideia do que vem acontecendo. Finalmente alguém. Finalmente! Eu não consegui conter minha animação. Eu já estava segurando isso por tanto tempo para não ser taxado de louco que eu realmente estava ficando maluco.

          — Foi no primeiro dia depois que era para voltar para a escola eu estava com muito sono porque eu acordei mais cedo do que o normal então eu acabei dormindo na escola eu não queria mas acabei dormindo aí veio aquela visão e tudo ficou escuro eu não sabia o que fazer eu me desesperei e logo eu desisti de tudo mas quando você chegou eu pensei que ainda tinha um jeito mesmo não sabendo o que você quis dizer com aquilo então eu simplesmente esperei mas aí aconteceu aquilo com o professor e logo eu já não sabia mais o que fazer então...

          Eu falei como uma metralhadora. Provavelmente algumas palavras começaram a se embolar em outras, o que causou uma confusão generalizada. Se existe algo indiscutivelmente incompreensível é alguém falando alemão de forma embolada, isso eu garanto.

          Julia, porém, conseguiu compreender meu desespero. Eu sempre quis falar com alguém sobre o que tem ocorrido nessa última semana, mas nunca tive coragem. É uma sensação muito similar àquela quando você sente uma dor, mas não conta para ninguém esperando que ela seja passageira. Nas duas situações existe um risco de vida.

          — "Previsão Linear" — Julia falou como se ela tivesse retirado de um texto científico. — É assim que podemos chamar essa sua habilidade. Pra resumir, é um fractal.

          — Fractal... — Eu repeti.

          — É um padrão repetitivo que simboliza o...

          — Caos. — Eu completei a fala dela.

          Ela direcionou um pequeno sorriso para mim, mas ainda mantinha uma expressão extremamente séria.

          — Parece que ele te explicou bastante coisa, não? — O sorriso sumiu da face dela.

          — Sim...

          As lembranças que tinha do professor me davam uma sensação esquisita. Era como se eu simplesmente tivesse visto um desconhecido morrer. Os sentimentos não acompanhavam os eventos. Será que nunca me importei com o professor?

          — Então ele não era um adversário... — Julia sussurrou de forma que eu mal pude ouvir. Poderia até dizer que ela falava consigo mesma. — De qualquer forma, eu imagino que com isso você já esteja entendendo um pouco mais do que eu quis dizer.

          Não. Eu não tinha a menor ideia do que ela estava falando.

          — Fractais não são estruturas descritíveis. Como sabemos, eles estão por todo o universo, seja fora como também dentro de nossas mentes. Nós mesmos trabalhamos de forma repetitivamente caótica.

          Ela começou a falar todas aquelas baboseiras científicas que o professor falou durante a aula. Tudo que pude fazer foi ficar olhando a boca dela se mexer enquanto eu não conseguia raciocinar rápido o bastante para processas as informações.

          — Agora imagine se, por algum milagre, um ser humano pudesse descrever um fractal perfeitamente?

          — C-como assim, descrever?

          — Descobrir o padrão do fractal vendo somente uma fração minúscula dele. Descobrir a repetição vendo somente uma única parte.

          Eu consegui visualizar a imagem. Se fosse possível essa descrição você poderia olhar para um galho no chão e conseguiria descrever perfeitamente a árvore de onde esse galho saiu, você descobriria o "fractal" dele somente pela fração.

          — Se você pegar uma pequena folha de samambaia seria fácil de saber que ela veio de uma samambaia. Seria até possível desenhar essa samambaia com certo conhecimento. É claro que o fato dessa samambaia ser algo natural acaba tornando as coisas um pouco mais simples. Portanto, chamamos isso de pseudo-fractal natural. Eles são descritíveis e não são infinitos, então podemos dizer que só imitam um fractal real. São os fractais encontrados na natureza, nas árvores, nos raios, nos rios, nos flocos de neve entre outros.

          — Mas e os fractais reais? É possível "descrever" um fractal real e infinito? — Perguntei com uma expressão cética.

          — Prever a forma de um pseudo-fractal por uma parte de escala menor pode parecer improvável, mas não é impossível.

          — O problema mora nos fractais não naturais, certo?

          — Exato. Sendo eles infinitos, eles podem ter uma mudança no aparente padrão repetitivo em algum ponto do infinito. Vamos imaginar dois fractais: Os dois a olho nu, numa escala de 1:1, são idênticos. Para uma pessoa comum, eles representam uma mesma função, uma mesma equação matemática.

          — Mas não são. — Finalmente comecei a compreender. É uma leitura. Uma linguagem que pessoas comuns, até mesmo matemáticos não podem compreender. Ele é simplesmente irregular demais, uma irregularidade que cria uma inexistência de precisão. Seria o mesmo que escrever algo que pode significar duas coisas diferentes, a única forma de entender qual dos dois significados é o correto seria saindo de uma pequena fração de texto para pegar o texto inteiro. Ler o contexto.

          É impossível um ser humano comum ler algo do tipo. Num fractal o "texto" e o "contexto" têm tamanhos infinitos.

          — Exato. Eles não são iguais. Sendo eles infinitos, em algum ponto eles podem ser completamente diferentes, seja esse ponto em uma escala de 1:100 ou de 1:10.000.000.000. Em algum momento eles podem mudar e isso é tão imprevisível que, por esse motivo, eles são considerados completamente caóticos.

          Levei minha mão até a testa e comecei a coçar minha cabeça. Era muita informação. Eu era um simples aluno do ensino médio, era impossível absorver tanta informação que ainda está na área da pesquisa científica.

          — Fuga do tempo. — Julia falou repentinamente, continuando seu raciocínio. — Assim são chamados os fractais dos quais eu estou falando. Agora o que eu vou dizer é realmente importante: É possível calcular e prever um fractal de fuga do tempo?

          — B-bem... Cientificamente falando...

          — Responda com sim ou não. — Julia me cortou.

          — Não.

          ...não chega nem a ser ficção científica. É pura fantasia.

          As palavras do professor começaram a entrar em minha mente novamente.

          — Então como você explica a sua visão? — Julia fez a pergunta mais sem nexo possível.

          — Como assim, "explicar" minha visão? Eu não tenho como "explicar" minha visão. Ela simplesmente aconteceu!

          Não. De fato, minha visão tinha alguma coisa com essa ideia de fractais, mas eu não fazia a menor ideia de qual era a relação. Eu era o mais perdido em toda essa maldita situação.

          — Leitura de fractais. — Julia falou rapidamente. — Se você pudesse ler um fractal de fuga do tempo perfeitamente somente olhando uma única parcela dele, seria algo incrível.

          — Obviamente, mas isso é impossível.

          — Se uma pessoa tivesse uma habilidade "impossível" dessas, não seria fácil de perceber um fractal básico como o fractal que compõe o tempo? — Julia falou, me ignorando.

          Será que... Não.

          Ela está dizendo que eu "li" o tempo?

          Basicamente, isso é algo que somente um supercomputador poderia fazer e ainda assim teóricos dizem ser impossível. Quantos dados eu teria de absorver para isso? Ainda por cima eu nem ao menos sei que fiz isso! Embora seja cientificamente aceitável, é psicologicamente impossível!

          — Você está dizendo que eu "calculei" o futuro?

          — Exato. Sua visão foi o resultado, a solução, de uma equação física.

          Impossível. Não me lembro de ter feito nem ao menos uma conta. Eu sou terrível em física! Se não consigo fazer um cálculo, imagina milhares... Não... Infinitos cálculos! Sem contar que a variação do tempo foi de duas semanas! Isso é simplesmente impossível.

          Entretanto... Fazia sentido.

          Ela não me deu uma explicação como "você viu o futuro por causa de magia". Tudo que acabei de ouvir tinha uma espécie de embasamento científico e isso é o que mais me deixou assustado.

          Basicamente, minha visão foi o resultado de um amontoado de informações. Eu peguei dados básicos, como aceleração da gravidade, e dados complexos, como cálculos de sistemas dinâmicos, e calculei o que aconteceria no futuro utilizando esses valores infinitos.

          — C-como você sabe de tudo isso? Como é possível calcular algo que nem um computador calcularia? E-eu não consigo entender nada disso.

          — Bem... Eu entendo a sua preocupação. Já passei por isso. Você não está sozinho nessa. Sabe... Eu também posso ler um fractal.

          Hã? Ela tem uma habilidade dessas? Então ela pode prever o futuro também? Ah! Talvez seja por isso que ela sabia meu nome e sabia que eu iria morrer, certo?

          — O nome do meu fractal é "Efeito Borboleta".

          Huh? Efeito... Borboleta?

          — Espera... Você pode ver o futuro? Assim como eu?

          — Não, não. "Previsão Linear" é uma habilidade única sua.

          Eu já não entendia mais nada. Usar esses nomes estilosos para uma coisa tão esquisita é uma amostra de que ela realmente tinha alguns parafusos a menos e um sério caso de chuunibyou.

          — De onde veio esses nomes ridículos? — Minha insensibilidade atacou.

          Ela abaixou os olhos, triste.

          Ei! Espera! Eu simplesmente acabei de magoar os sentimentos de Julia Brontë? Que tipo de pecado eu acabei de cometer? Perdoe-me, Deus!

          — B-bem... Então... É... Vamos só dizer que enquanto você prevê o futuro eu posso modificá-lo.

          Julia falou de forma visivelmente constrangida. Ela realmente ficou magoada pelo comentário? Digo, se acordasse com uma habilidade tão maluca assim, a última coisa que eu faria seria dar nome a ela. Aliás, foi exatamente isso que aconteceu.

          — Digamos simplesmente que eu tenho o poder de "mudar o destino". — Julia disse novamente em seu estado normal.

          Então de fato minha teoria estava correta. Assim como eu tinha pensado durante minha conversa com o professor, Julia usaria do caos para mudar o destino certo. Ela usaria esse poder para mudar o meu futuro macabro. Entretanto, algo deu errado. O meu futuro continua o mesmo. Enquanto essa investigação não acabar, as chances de eu ser assassinado no final desta semana são ridiculamente enormes. Diria até que as chances de eu ser morto aumentaram depois dessa confusão toda.

          Não temos mais tempo para ficar conversando sobre trivialidades.

          Agora que realmente a conheço, assim como ela me conhece, nós precisamos traçar uma estratégia.

          Nós temos que vencer a ordem. O destino.

          — Você falou que tinha mais um, certo?

          Falei, lembrando-a do assunto em especial que a fez me chamar para essa conversa.

          — Sim. É possível que mais alguém nesta escola tenha um fractal.

          — Por que você acha isso?

          — Você tentou usar seu fractal nos últimos dias?

          Usar meu fractal? A única vez que essa coisa apareceu pra mim foi na segunda-feira passada. Não é como se eu pudesse usá-lo da maneira que quisesse.

          — N-não. — Eu não sei nem se isso poderia se qualificar como uma mentira. Afinal, eu falava a verdade, só não queria deixar a mostra o fato de que não tenho nenhum controle sobre esse... "fractal".

          — O que tem acontecido foi que independente dos meus esforços para "modificar" o futuro, o destino volta ao seu sentido anterior. — Julia falava enquanto olhava para a janela da sala. — É uma contra força ou, cientificamente falando, um atractor.

          — Atractor?

          — Hum... Imagine que nós estamos em um computador, um computador com códigos criptografados e impossíveis de ler.

          — Esses códigos são os fractais. — Respondi, mostrando que estava compreendendo a comparação.

          — Agora imagine que nós somos... Programas. Nós somos um certo tipo de programa que consegue descriptografar esses códigos.

          — Basicamente, nós somos vírus.

          Julia sorriu ao perceber que eu tinha compreendido completamente o que ela quis dizer.

          — Se existem vírus, o universo precisa de um antivírus não?

          — Algo para nos eliminar?

          — Exato. Esse algo é um atractor. O universo tende sempre a seguir seu rumo sem influência sobrenatural. Essa tendência é o que chamamos de atractor. Pelo bem dessa tendência o universo em si tem a responsabilidade de "atrair" o destino para os trilhos. Basicamente, eliminar os inimigos do destino. — Julia falou a última frase como se estivesse dando uma dica.

          — Os "Agentes do Destino". — Pensei alto. — Espera! Você está dizendo que os Agentes são esses "atractores"?

          — Não exatamente. Se por algum motivo um ser humano servisse de atractor, ele nem ao menos iria perceber isso. Os Agentes, por outro lado, fazem isso de propósito. É exatamente por isso que outra coisa me veio à cabeça.

          — O assassino tem um fractal e é um Agente. — Conclui.

          O Agente está servindo de um antivírus artificial. Seria o mesmo que dizer que ele é um vírus querendo eliminar outros vírus.

          O problema é: Eles querem eliminar os outros vírus por quê?

          Eliminar aqueles que são inimigos da ordem.

          Fractais. Habilidades que modificam as estruturas e as regras desse mundo. Se existe algum tipo de pessoa que pode ser considerada "inimiga da ordem" essa pessoa tem um fractal.

          Inimigo da ordem.

          Um calafrio subiu pela minha espinha. Eu simplesmente estou sendo perseguido porque tenho essa maldita habilidade. Perseguido por algo que está fora de meu controle. Quando foi que eu pedi por isso?

          Não.

          Eu definitivamente pedi por isso.

          Na "sala caleidoscópio".

          Eu quero mudar.

          Essas palavras se gravaram em minha mente. Se eu não tivesse dito os meus desejos, se eu não tivesse ouvido meu álter ego... Tudo estaria bem.

          Irei te dar coragem, mas primeiro você tem de compreender o que é o verdadeiro desespero.

          Então era isso o que ele quis dizer? Tsc. Quando eu voltar lá eu vou arrebentar aquele desgraçado.

          Algo cresceu dentro de mim. Um sentimento que eu nunca imaginei crescer numa situação tão distorcida.

          Por algum motivo me peguei com um sorriso na cara.

          Não era para eu estar assustado? Não era para eu estar fugindo? Estou com uma organização macabra na minha cola, pronta para me matar e...

          Ainda assim...

          Eu estava empolgado.

          — Há! Tudo bem então... Eu aceito o desafio! Nós descobriremos quem tem o fractal e o venceremos em seu próprio jogo. — Falei enquanto ria.

          Julia me olhou assustada. De fato, eu parecia estar ficando maluco, mas... Eu nunca estive tão sóbrio.

          A minha luta é contra o universo. Contra suas estruturas, contra suas regras, suas leis. Contra seus protetores e seus "atractores". Existe uma luta mais injusta que essa? Mas mesmo assim... Eu fui considerado relevante. Relevante a ponto de o próprio universo me considerar como uma ameaça.

          Destino. Quem precisa disso?

          Quem escreverá o futuro seremos nós mesmos.

          Julia compreendeu a situação. Sua expressão assustada deu lugar a um sorriso desafiador.

          — Isamu. Nós vamos mudar o seu destino.

          — Não é? — Respondi com um sorriso.

          Ficamos nos olhando e sorrindo por algum tempo, esse momento foi o bastante para firmar o nosso acordo. Nós estávamos confiantes, estávamos felizes. Mesmo que eu acabasse morrendo, mesmo que nós falhássemos, não iria me arrepender.

          Finalmente recebi o que desejei.

          Obrigado, álter ego.

          Pela primeira vez em toda minha vida...

          Eu soube o que é coragem.

~

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