A Última Nefilim - Livro I (E...

By ZaacFray

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Hailey pensa ser apenas mais uma garota comum e não acredita em anjos ou em demônios, até que conhece Ícaro... More

Prólogo: A Carta do Arcanjo
Capítulo 1: Divinum sagittam
Capítulo 2: Navego em um lago de ácido corrosivo
Capítulo 3: Enfrento uns guardas-esqueleto
Capítulo 4: Um cheiro de canela e jasmim em minha casa
Capítulo 5: Minha amiga tem dentes grandes
Capítulo 6: Bem vinda ao Templo de Betesda
Capítulo 7: Um arcanjo tem cabelos roxos
Capítulo 8: Reencontro meu ex namorado
Capítulo 9: Conhecendo meu pai durante uma invasão
Capítulo 10: Minha "anja madrinha" me empresta suas roupas
Capítulo 11: Rosas perigosas nem sempre possuem espinhos
Capítulo 12: Recebendo um enigma
Capítulo 13: "Ave Halley"
Capítulo 14: O chicote da morte
Capítulo 16: Reencontro minha melhor amiga no inferno
Capítulo 17: Visito o calabouço lá de baixo
Capítulo 18: A Grande Ceia
"Lúcifer, Lilith e Nachash, a serpente do Jardim do Éden"
"O golem"
"Incêndio sobrenatural"
"Apenas uma valsa nos Céus"
"A benção de um querubim"
"No princípio: A guerra primordial"
"O Réquiem Celestial"
"Cuidado com as pedras voadoras"
"Legião, o demônio feito de muitos"
"Supernova"
"Viajando em uma bolha"
"Fiz questão de esquecer como um anjo"
"O Santo Graal e a Esmeralda do Conhecimento"
"Espelho, espelho meu"
"Os cavaleiros do apocalipse"
"Apenas mais uma casca"
"Sombras do passado"
"A humildade torna homens em anjos"
"Epílogo: Dormindo feito uma nefilim"
No princípio: as Estrelas Cadentes e o Relâmpago que cortou os céus
"AVISO!"
"AVISO 2: Minhas outras obras"

Capítulo 15: A Morte me encontra em um túnel alagado

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By ZaacFray

         Ícaro carregava Halley em seus braços; ele corria velozmente em direção ao tanque do templo enquanto seu suor escorria pela testa e unia-se às finas lágrimas que saíam de seus olhos. Ícaro precisava salvar Halley, ele não poderia deixá-la morrer; ele jamais se perdoaria caso algo acontecesse com ela e deixá-la morrer não era uma opção. O corpo gelado e sem vida da nefilim, porém, tornava-se cada vez mais pesado na mesma proporção que seus lábios perdiam a cor. Os lábios de Halley, além de estarem sem um único resquício de sangue, estavam ressecados e literalmente secos. Ícaro só queria agora ouvir uma palavra dela, receber um apertado abraço, ouvir que estava tudo bem... ou talvez dizer que seu coração sentia algo a mais por ela, ainda que aquilo fosse estranho — já que eles mal se conheciam — e Ícaro jamais fora alguém de ter sentimentos por outras pessoas. Halley despertava algo dentro dele que nem ele era capaz de explicar tal sensação; tudo o que Ícaro podia dizer que aquele sentimento era simplesmente sublime.

       Ao chegar perto do tanque, Ícaro viu quando o arcanjo Raphael, seu pretor, voou rapidamente sobre ele com suas asas brancas, mas amareladas, e pairou sobre as águas. O pretor, erguendo a sua mão direita, levou-a até a mão esquerda e cortou sua própria palma, fazendo seu sangue dourado escorrer. O icor de Raphael fazia caminho entre as linhas da mão do arcanjo e pingava no tanque, misturando-se às águas. As asas enormes do pretor batiam de forma graciosa no ar, assim como o bater das asas de um ganso, e formavam pequenas ondas no tanque de Betesda, assim como ele fazia nos tempos bíblicos.

— Coloque-a na água agora, Ícaro Angello! — Disse o arcanjo da cura, gritando para Ícaro.

Ícaro imediatamente obedeceu o seu pretor e deitou o corpo sem vida de Halley na água. O corpo da nefilim boiava sobre o tanque e era atraído para perto de onde o pretor Raphael estava pairando. Os legionários, então, caminhavam todos juntos com Ariel (ainda um pouco tonta) e davam as mãos ao redor do tanque inteiro, compartilhando a energia. Ariel não conseguia conter as suas lágrimas naquele momento; ela não conhecia Halley por muito tempo, mas via na nefilim um coração puro e uma alma boa que infelizmente havia partido de forma tão precoce. Aquilo não podia acontecer, não era possível que Deus não estivesse vendo aquilo. Noah, então, abriu seus lábios e começou a recitar uma oração ao arcanjo Raphael, dando-lhe energias espirituais para curar Halley:

— Glorioso Arcanjo São Raphael, que vos dignastes tornar a aparência de um simples viajante para vos fazer o protetor do jovem Tobias.

— Amém, santo arcanjo! — Todos concordavam em uníssono.

Obtende-nos a graça de uma inteira conformidade à vontade Divina, seja que ela nos conceda a cura dos nossos males ou que recuse o que lhe pedimos. — Noah continuava a recitar a oração com os olhos fechados.

— Amém, valente pretor! — Novamente, todos os legionários de mãos dadas concordavam com as palavras de Noah.

Imediatamente Ícaro, prostrado de joelhos na borda do tanque, olhou para o pretor Raphael e viu que uma aura dourada emanava dele como uma névoa luminosa e espalhava-se sobre a face do tanque por meio de seus pés que desciam em direção à água e lentamente molhavam os dedos.

Ficai conosco, ó arcanjo Raphael, chamado Medicina de Deus! — Continuou Noah, recitando a oração — Afastai para longe de nós as doenças do corpo, da alma e do espírito e trazei-nos a saúde e toda plenitude de vida

E eles começaram a recitar uma ladainha em que Noah dizia: "São Arcanjo Raphael" e um atributo do pretor e os outros legionários respondiam "rogai por nós". A névoa dourada, que emanava do corpo do pretor e estendia-se sobre as águas do tanque, envolveu Halley como um manto denso de fumaça e reluzia sobre ela como ouro. As águas do tanque agitavam-se freneticamente com o bater das asas do arcanjo e formavam alguns espirais na água. Porém, repentinamente, toda aquela névoa se desfez no ar e o arcanjo desceu às águas do tanque e tomou o corpo de Halley em seus braços. Ninguém entendia o que estava acontecendo; o pretor continuava com a cabeça baixa e saía do tanque, caminhando pelas escadas enquanto segurava Halley.

— Senhor pretor — Ícaro ousou falar, levantando-se do chão — Halley está bem?

O pretor parou, ainda de costas para Ícaro, e disse:

— Eu sou o anjo da cura, Ícaro, não o anjo da vida ou da morte. Nem mesmo os meus poderes de cura podem resgatar alguém que já morreu.

Naquele momento, todos pararam de recitar a oração ao arcanjo e permaneceram em silêncio.

— Mas senhor — disse Ícaro para Raphael, correndo em direção ao arcanjo — nós precisamos fazer alguma coisa, não podemos deixá-la morrer!

Raphael ainda assim não virou-se na direção de Ícaro e permaneceu com as costas voltadas para o arcanjo mortal.

Mors omni aetate communis est — disse Raphael para Ícaro — sed  nihil est quod Deus efficere non possit.

Era latim e Ícaro sabia o que o pretor estava querendo dizer. Ele dissera: "A morte é comum aos homens de todas as idades, mas para Deus nada é impossível".

*  *  *

       Halley andava por um túnel escuro sem enxergar nada, pois não havia nem um feixe de luz sequer para guiá-la naquela escuridão. Ela caminhava, mas, por algum motivo, sentia que havia água sob os seus pés, pois sentia-os molhados a cada passo e um som aquoso ecoava no túnel. Halley sabia que se tratava de um túnel cheio de água até os seus tornozelos, porém, algo se movimentava ao lado dela e Halley podia perceber pelo barulho que fazia na água quando esse "algo" se movia. Era algo frio, de presença densa e energia forte e pesada; Halley não sabia o que era, mas sentia seu peito ser tomado por um temor gigantesco. Uma voz grave, então, disse para Halley, ecoando por todo o túnel:

— Por que estás com medo, mixticius? Não sabes quem sou eu?

— Quem é você? E onde estou? — Halley perguntou, sem entender onde estava e com quem estava conversando.

Aquela figura, então, ergueu a mão direita e, erguendo o indicador, fez com que uma pequena chama de cor azul envolvesse seu dedo e iluminasse aquele túnel escuro. Era incrível como aquela pequena chama de luz era capaz de iluminar toda aquela escuridão; Halley agora podia ver melhor quem era aquela pessoa que estava falando com ela e seria até melhor se ela não tivesse visto, pois um grande pavor tomou conta de seu ser. Aquela pessoa era, na verdade, um anjo. Ele era alto e de presença imponente; o anjo possuía tantas asas que era impossível de contar e, aos olhos de Halley, todas eram negras como a noite e com pequenos pontinhos brilhantes, o que a lembrava uma escura noite estrelada, semelhante à pintura de Van Gogh. 

      Halley, assustada, caiu ao chão. Ela se arrastava para trás em ao chão do túnel a fim de distanciar-se ao máximo do anjo, mas a água dificultava que ela se movesse com mais rapidez. A medida que ela se afastava do anjo, ela o via cada vez melhor; ela não havia percebido antes, mas aquele anjo segurava na mão direita uma enorme foice com sete lâminas e, na mão esquerda, uma enorme espada com duas frases gravadas em latim em cada lado: "Dum spiro spero"  e "Hoc non pereo habebo fortior me" . O anjo estava vestido com uma capa e um capuz preto e montado em um cavalo amarelo-esverdeado, cor semelhante à pele de um morto em decomposição. 

     O anjo deu um passo para frente na direção de Halley e, na medida que ela se afastava ainda mais dele, ele dizia:

— Calma, mixticius. — A voz do anjo era grave e forte, ecoando por todo o túnel e fazendo o peito de Halley vibrar — Eu me chamo Azrael, estou aqui para guiar você.

— O que eu estou fazendo aqui? — Halley perguntava em desespero — e quem é você, Azrael?

— Sou o ceifeiro — o anjo Azrael respondeu, erguendo a foice e a espada — pensei que me reconhecerias fácil. Geralmente todos entendem pela foice ou pela capa preta com o capuz.

 — E-espere — Halley respondeu com a voz trêmula — o ceifeiro? Como assim? Ceifeiro como a Morte? Como o Puro Osso de 'As Terríveis Aventuras de Bill e Mandy'?

— Creio que sim — disse o anjo ceifeiro respondeu, mas com a voz um pouco vacilante — eu fui chamado por muitos nomes por séculos: Tanatos, Santa Muerte, Leto, Mors, Anúbis, Shinigami, mas nunca ouvi nada como 'Puro-Osso'. Mas, enfim, você pode me chamar pelo nome de Azrael, é como vocês, legionários, me chamam. 

— Isso é loucura! — Halley exclamou — o ceifeiro... então eu estou...

Halley podia imaginar que o anjo Azrael estava assentindo com a cabeça por debaixo do capuz.

— Infelizmente você faleceu hoje, Halley — disse Azrael — essa sempre é a parte mais difícil do meu trabalho. São os ossos do ofício, se é que você me entende. Pelo que eu soube, um demônio entrou em seu quarto e separou o seu espírito do seu corpo físico e te enviou para cá.

— Lamashtu... — Halley sussurrou o nome do demônio que havia invadido o seu quarto.

— Sim — o ceifeiro assentiu — Lamashtu invadiu seu quarto e separou seu espírito do seu corpo e, após isso, enviou o seu espírito para cá. Não foi nem preciso que eu usasse minha foice, porque ela usou aquele chicote mixuruca do inferno. Mas eu estou aqui para guiar você ao seu destino final.

      Halley finalmente estava entendendo o que estava acontecendo; após Lamashtu invadir o seu quarto e separar o seu espírito do seu corpo, ela abriu um portal para algum lugar pelo chão e fez cair ali dentro. De certa forma, Halley havia morrido, isso explicaria por que ela estaria face a face com a Morte; mesmo não podendo ver os olhos de Azrael, pois o capuz negro os escondia, Halley sabia quando o ceifeiro estava olhando para ela e a encarando.

— Para onde você está me levando?— Perguntou a nefilim, levantando-se do chão cheio de água do túnel.

— Não estou levando você a lugar nenhum, mixticius, pois já estamos onde deveríamos estar. —Respondeu a Morte, apontando para um arco de pedra que estava a frente de ambos.

      Havia na frente deles um arco de pedra bem no meio do túnel; o arco era tão grande que o seu cume tocava no teto, o que surpreendia Halley, já que ela nunca vira algo daquela espécie. No alto do arco estava gravada a frase em italiano: "Lasciate ogni speranza voi ch'entrate", mas Halley não fazia a mínima ideia do que significava. Como se lesse a mente da nefilim, o anjo disse, com a voz em tom cuidadoso:

— Esse arco é a entrada para o inferno. Esse arco é chamado de "Sheol", a entrada para o mundo dos mortos, a faixa que separa o inferno do mundo dos vivos. No topo do arco esta escrito: "Deixais qualquer esperança, vós que entrais" em italiano. Foi dessa entrada que Dante falou.

— O que isso quer dizer? — Halley perguntou.

— Quer dizer que, ao passar pela entrada do Sheol, ao passar por esse arco, você deve deixar para traz toda esperança, todos os seus sonhos, tudo o que um dia você acreditou, porque ali dentro não há esperança, não há salvação, tudo o que há é tristeza, angustia e destruição. Ali é a porta para o inferno.

Halley começou a entrar em desespero; obviamente, qualquer pessoa sã jamais concordaria em atravessar aquele arco e com Halley é claro que não seria diferente.

— Eu não vou atravessar o arco — Halley retrucou — você não pode me obrigar a entrar no inferno.

Azrael soltou um riso muito baixo; mesmo por debaixo daquela capa, Halley sabia que o ceifeiro estava rindo, mas do quê? Ela não sabia.

— Realmente — Azrael falou por fim — eu não posso obrigar você a ir para o inferno, mas ficar aqui nesse túnel eterno não vai ajudar. Alguns temem muito mais ficar ficar aqui do que entrar no inferno.

— Como alguém pode ter mais medo de ficar nesse túnel do que cruzar a entrada para o inferno?

— Sua tola — disse o ceifeiro, perdendo um pouco da sua paciência — esse túnel não é um túnel comum. Alguns enxergam como um túnel, mas outros enxergam como um corredor eterno, outros como uma estrada eterna, outros como uma trilha eterna no meio de uma floresta escura. Independente de tudo isso, esse é o famoso Limbo, o lugar em que ficam as almas daqueles que vagam eternamente, aqueles que não foram para o céu, mas também não foram para o inferno, muito menos para o purgatório. Os gregos chamavam também de Campo de Asfódelos.

— Mas qual é o mal em permanecer aqui? — Halley perguntou.

Ao fechar a boca, Halley ouviu quando um grito estridente ecoou pelo túnel, que agora ela entendia se tratar do Limbo. Halley não sabia porque, mas algo dentro dela dizia que aquela pessoa cujo grito havia sido dado estava sendo esmagada pela forma como o grito havia saído espremido e posteriormente havia sido abafado.

— Escutou isso? — Azrael perguntou para Halley, fazendo-a assentir — esse é o som do Cérbero se alimentando das almas que vagam perto da entrada do inferno. Uma hora ou outra, as almas que insistem em ficar no Limbo, não tendo a permissão de ir para o céu ou purgatório, mas também não querendo ir para o inferno, acabam sendo devoradas pelo Cérbero, o cão do inferno.

— O cão de três cabeças? — Halley perguntou — Isso não é possível!

— O próprio — Azrael respondeu enquanto assentia com a cabeça — se eu fosse você, eu cruzaria logo a entrada para o inferno antes que o cachorro venha atrás de você.

E imediatamente o rugido alto de uma fera começou a ser ouvido mais de perto. Alguns gemidos ecoavam ao redor da nefilim, seguidos por um som estranho de dentes rangendo e choros de pavor em meio à escuridão; certamente eram os espíritos daqueles que estavam condenados a vagar eternamente pelo Limbo lamentando. Eles, porém, murmuravam para si mesmos: "O c-cão está voltando, tenho que sair daqui" e se desesperavam pelo medo do Cérbero. O som de patas de um animal gigante pisando na água do túnel se tornava cada vez mais alto, o que fez Halley, após ouvir o medo das pobres almas moribundas do Limbo, decidir que a única opção mais sentada era cruzar o Arco do Sheol, que era a entrada para o inferno.

— Está decidido — Halley sussurrou para o anjo — vou cruzar o arco. Não importa o que tenha lá, vou atravessar o Sheol.

— Se assim tu desejas, então assim será feito — Azrael respondeu, assentindo com a cabeça — porém, tu já estiveste lá, mixticius. Já foste ao inferno.

— Eu?

—  Sim — disse o ceifador — você mesma. Mas agora precisamos ir antes que o Cérbero venha.

      Halley seguiu o anjo até o arco e se viu frente a frente com a entrada do inferno; ela não sabia o que a esperava, o que ela encontraria, mas ela sabia que precisava cruzar o arco. Todavia, a frase acima de sua cabeça a deixava temerosa; Halley realmente precisaria deixar para trás todas as suas esperanças? O que isso realmente significava? Em uma fração de segundos aquilo não importava mais, Azrael agarrou Halley pelo cabo de sua foice e atravessou o arco com ela, levando-a diretamente ao inferno. Ela permaneceu com os olhos fechados toda a travessia do arco até perceber que seus pés estavam vacilantes e que o chão se movia como se ela estivesse em pé sobre a água. 

       A nefilim, então, abriu os olhos e não acreditou no que estava vendo; todo aquele túnel havia sumido juntamente com Azrael (que já não estava mais com ela) e todo aquele lugar havia se transformado em algo completamente diferente, porém, Halley sabia que já havia estado ali antes; ela reconhecia aquele lugar estranho. Como ela poderia esquecer? Halley estava em pé, dentro de um barco, navegando em um mar esverdeado e borbulhante que exalava o fedor sufocante de enxofre, enquanto ela seguia uma fila enorme de outros barcos que flutuavam sobre aquela água fétida e corrosiva. "Não é possível que eu estou aqui de novo" pensou Halley, respirando fundo.  Ao direcionar os seus olhos para o céu, a nefilim não se espantou quando viu que, ao invés de céu, eram apenas folhas secas que cobriam onde deveria estar as nuvens. Halley estava novamente naquele mesmo lugar onde a água era um mar de ácido corrosivo e onde os corvos voavam enlouquecidamente de um lado para o outro ao mesmo tempo que esqueletos de piranhas pulavam da água, tentando morder qualquer indivíduo que estivesse dentro de um barco, mas agora Halley finalmente sabia que diabos era aquele lugar que fedia como enxofre e que ela havia visitado uma vez em seu sonho; aquele lugar era o próprio inferno e pensar nisso fazia com que Halley sentisse arrepios assombrosos na espinha.

*  *  *

— Ajudai-nos para que sejamos também nós mensageiros de bondade — o pretor Raphael terminava uma oração enquanto despejava seu icor dourado sobre uma chama que saíra de seu cajado assim como no dia anterior — Ó poderoso Arcanjo São Gabriel, Mensageiro de Deus, ouvi o nosso clamor e rogai por nós.

Ícaro observava tudo atentamente; assim como no dia anterior, quando Raphael invocara o arcanjo Gabriel, o pretor repetia os mesmos passos: ele bateu o cajado no chão, uma chama surgiu do contato do cajado com o chão, ele cortou a palma de sua mão, despejou um pouco do seu sangue dourado sobre a chama e começou a rezar uma oração a Gabriel e, assim como no dia anterior, uma luz forte saiu de dentro da pequenina chama e tomou a forma de um homem alado com um terno branco como as nuvens. Era Gabriel, o arcanjo mensageiro, e todos já sabiam disso.

       Aos poucos, a luz foi se tornando cada vez mais fraca e a imagem resplandescente de Gabriel se tornou ainda mais nítida. O arcanjo mensageiro, por fim, foi capaz de dizer em um tom de voz ríspido e, de certa forma, ignorante:

— Raphael, meu irmão, por que me chamas novamente? Tu não sabes que eu também tenho trabalho a fazer? Ou pensas que as orações da Terra chegam sozinhas ao céu?

— Perdoe-me, meu irmão — Raphael respondeu, aproximando-se de Gabriel, que dava batidinhas em seu próprio terno para limpá-lo das cinzas que grudaram-se ali por conta da chama de fogo por onde ele saíra — mas é que precisamos da tua ajuda, pois tu és o anjo das mensagens, das visões e das revelações.

— Sou mesmo — Gabriel exclamou em um tom de voz modesto — mas o que vocês querem? Se quiserem que eu revele onde estão as duas tábuas de Moisés e a Arca da Aliança, não adianta! Acabei de dizer isso a um rabino que queria que eu dissesse onde estava a Arca. Ainda disse que Raziel revelou segredos melhores que eu para Adão, dá para acreditar?

— Não é isso — o pretor Raphael respondeu, cortando a história que Gabriel estava prestes a contar.

— Menos mal, então — disse Gabriel, respirando fundo e soltando o ar, demonstrando alívio — mas então me digam o que querem que eu os revele.

Ícaro, então, aproximou-se do arcanjo — que, aliás, era muito mais alto do que parecia, aparentando ter mais de dois metros — e disse-lhe, ainda que com a voz vacilante e trêmula:

— Precisamos saber onde está Halley.

Gabriel, porém, tornou-se confuso e franziu o cenho de forma que mostrava que o arcanjo estava realmente atordoado com tais palavras.

— Mas como assim vocês precisam saber onde a nefilim está? — Gabriel perguntou, ainda mantendo o cenho franzido — Ela não está com vocês?

— Infelizmente, a nefilim morreu hoje — Raphael respondeu friamente — desde que ela chegou, os demônios tentam atacá-la de todas as formas, mas hoje realmente não fomos capazes de protegê-la. Eles temem que ela possa cumprir a profecia do Último Nefilim e devolver a Sagrada Espada de Miguel a ele.

Um silêncio avassalador tomou conta de todo o salão e, de certa forma, impedia que qualquer um ousasse falar, pois ninguém tinha a mínima ideia do que poderia falar naquele momento, nem mesmo Gabriel, que também era o anjo da comunicação. Raphael, então, disse a Gabriel, como se implorasse a seu irmão:

— Gabriel, tu és o anjo das revelações, mostra-nos o que está acontecendo com Halley. Só tu podes nos ajudar.

E imediatamente Gabriel respondeu, ainda atordoado:

— É claro que mostro onde está a nefilim de Ephizael. — O tom de voz trêmulo de Gabriel mostrava o quão nervoso estava o arcanjo — graças a nosso Pai teremos a oportunidade de recuperar a espada de nosso irmão Miguel depois de milhares e milhares de éons.

       Gabriel, então, tirou do bolso de seu terno branco uma pequena adaga flamejante e cortou a palma de sua mão, fazendo seu sangue dourado escorrer da mesma forma que o pretor Raphael fazia. O icor escorreu da mão de Gabriel até o chão, formando no piso uma poça de sangue dourado que, aos poucos, ia se movimentando sozinho e formando um símbolo de um olho envolvido pelo selo de Salomão; o mesmo selo que Noah usara para selar Belial dentro dele. O sangue de Gabriel, de repente, começou a brilhar intensamente e passou a queimar o piso. Gabriel, por fim, levantou seus braços e exclamou em alta voz:

— Oh Yahweh, meu Pai Criador, dá-me o poder das visões como deste aos profetas. Ajuda-nos e guia-nos pelos caminhos corretos, abre nossos olhos para que vejamos o que nos era oculto a fim de que sejam desatadas as vendas que cobrem nossos olhos. Mostra-nos a nefilim Halley e o que aconteceu com ela em sua jornada após a morte. Que assim seja!

Após dizer "que assim seja", os olhos de Gabriel começaram a reluzir como chamas de fogo azul e, inexplicavelmente, um enorme poço surgiu no meio do salão, revelando-se do meio do chão que abria-se em duas metades. Imediatamente, ao ver o poço surgindo perante eles, o pretor Raphael puxou de seus bolsos uma dracma de ouro e jogou no poço para que a visão viesse até eles. As águas do poço, então, tornaram-se uma espécie de espelho turvo e começavam a formar alguma imagem.

— Já é possível ver algo — disse Gabriel, aproximando-se do poço que surgira perante eles e observando fixamente a imagem que surgia nas águas.

De repente, a imagem nítida de Halley dentro de um barco, flutuando sobre um mar de ácido verde e borbulhante apareceu para todos. Era visível o pavor e o desespero que exalavam do olhar da pobre nefilim, o que fazia Ícaro culpar-se por não ter ajudado-a.

—Mas que lugar é esse? — Perguntou Ariel a Gabriel — não me diga que esse mar verde e borbulhante é...

— Sim — Gabriel respondeu friamente, cortando a pergunta de Ariel — esse é o tão falado inferno que poucos anjos conheceram. O mar verde borbulhante, na verdade, é o rio aqueronte, o rio do inferno que conduz os mortos recém-chegados até seu destino no mundo inferior.

— Gabriel está certo — disse o pretor Raphael — após atravessar o limbo e passar pelo arco da entrada do inferno, o Sheol, a alma é imediatamente levada ao aqueronte, onde será guiada em um barco até o anjo Dumah. O rio aqueronte pode levar a todos os lugares do inferno, mas acaba desaguando no Gehena, no lago de fogo eterno, o lugar de maior sofrimento após o poço do Tártaro.

Indignado com toda aquela situação, Ícaro levantou a voz e disse:

— Mas por que diabos ela está lá? Precisamos fazer alguma coisa!

— Todos sabemos que antigamente esse era o destino dos nefilins e de seus pais — Gabriel respondeu, mesmo sem olhar diretamente para Ícaro — todos eram punidos e selados no Tártaro. Porém, as leis mudaram e, os últimos nefilim puderam escolher os seus caminhos e trilhar o seu próprio caminho ao céu. Porém, eu não sei o que houve com Halley.

Ariel aproximou-se ainda mais de ambos e comentou:

— Eles devem ter levado a alma de Halley de algum forma até o inferno. Eles não podiam deixá-la viva após saber que ela era a chave dos céus para recuperar a Espada de Miguel. Era de se esperar que eles tentariam levá-la de alguma forma.

Ícaro, porém, já não ouvia mais nada que saía da boca das outras pessoas; ele apenas olhava para dentro do poço e observava o rosto amedrontado de Halley, enquanto gritava o nome da nefilim e chorava, pedindo a Deus, ou a qualquer ser que estivesse acima dos céus, para que a trouxesse de volta a vida, mas, no fundo de seu coração, Ícaro sabia que jamais seria ouvido e que seus pedidos jamais seriam atendidos... infelizmente aquela não seria a primeira vez.

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