Lizzie olhou para Minho no chão, sem acreditar. Tinham entrado ali para tentar ajudar, e aquela era a forma como ele os agradecia. Com sarcasmo.
De forma lenta, Minho se levantou. Ainda estava com dificuldade para se manter de pé, mas ainda assim o fez, esforçando-se para não precisar se apoiar em alguma parede. Embora a luz do local fosse fraca, era possível notar com clareza sua aparência horrível ─ suado, sujo e todo arranhado. Mas Alby estava pior. Ainda jogado no chão, na exata posição em que havia sido deixado pelo Corredor momentos antes, o líder tinha cortes e manchas vermelhas espalhadas pelo corpo, sujando sua camisa com o sangue.
─ Se acham que foram corajosos vindo aqui, escutem uma coisa ─ Minho começou, mirando Lizzie e Thomas com um olhar severo ─ Vocês são os caras de mértila mais mertilentos, fedorentos e nojentos que já existiram. Podem se considerar mortos, assim como nós.
─ Não podíamos ficar só olhando e deixar vocês aqui ─ Thomas defendeu.
─ E qual é a vantagem de estar aqui com a gente? ─ Minho revirou os olhos ─ Seja como for. Quebrem a Regra Número Um, matem-se, quem se importa?
Para Lizzie, aquilo foi a gota d'água.
A garota sentiu seu rosto ferver, irritada. Ela se aproximou de Minho com segurança, sua fúria exalando pelos poros do rosto.
─ Isso se chama tentar ajudar, seu ingrato de mértila ─ ela bateu o dedo indicador no peito de Minho acusadoramente, sem poupar força.
─ Não pedi ajuda ─ respondeu, afastando a mão da garota.
─ Ótimo! Na próxima vez, vou me sentar e assistir você e Alby receberem uma sentença de morte.
─ Seria muito melhor. Pelo menos assim você estaria segura.
Thomas os chamou uma vez, enfim tentando dar algum sinal de que ainda estava ali, mas foi ignorado. Lizzie e Minho ainda concentravam-se em discutir um com o outro, ambos frustrados e preocupados com a falta de segurança com a qual estavam lidando.
─ E você morreria sozinho.
─ Então esse é o seu plano brilhante? ─ perguntou ele, rindo ─ Uau, que ideia maravilhosa, realmente genial. Agora vou morrer, mas ao menos você esse trolho idiota vão morrer junto. Isso é muito reconfortante, obrigado, Lizzie.
Um pouco tenso e incerto, Thomas se aproximou mais deles. Sabia que os dois precisavam se acalmar e parar com aquela troca inútil de farpas. Precisavam continuar juntos e encontrar uma forma de tentar sobreviver àquela noite ─ e manter Alby, que permanecia inconsciente, em segurança, longe das guarras dos Verdugos.
─ Ei, gente ─ Thomas tentou chamá-los mais uma vez.
Agora, os dois se viraram na direção do garoto, ambos respirando fundo e direcionando toda a irritação que sentiam a ele.
─ O que foi? ─ perguntaram, ao mesmo tempo.
O olhar de Thomas se revezou entre Minho e Lizzie. Ele demorou um pouco para falar, não se mostrando abalado pela forma como os dois o transformaram em um alvo para a grosseria em tão pouco tempo.
─ Eu sei que estão nervosos ─ começou Thomas, um pouco incerto, mexendo nos próprios dedos ─ Mas precisamos pensar em alguma coisa. Essa discussão idiota não vai nos ajudar em nada.
Minho e Lizzie se olharam por um segundo, sérios. O garoto forçou uma risada amarga e voltou a se sentar no chão ao lado de Alby, desesperançoso. Lizzie bufou, frustrada ao perceber que o Corredor não queria nem mesmo tentar. Ele apenas aceitara que estava à beira da morte e aquilo a deixava desapontada. Como poderia apenas aceitar algo assim com tamanha facilidade?
─ O que aconteceu? ─ perguntou Thomas, apontando para o garoto desacordado.
─ Não quero falar sobre isso ─ respondeu Minho, inclinando-se para verificar a pulsação de Alby ─ Vamos dizer apenas que os Verdugos sabem se fingir de mortos muito bem.
Aquilo pegou Lizzie de surpresa.
─ Então o Verdugo estava vivo?
─ Foi o que eu acabei de dizer.
─ Quer dizer que ele foi mordido? Picado, seja lá o que for? ─ Thomas apressou-se em perguntar, afim de impedir que os dois voltassem a discutir ─ Ele vai passar pela Transformação?
─ Você tem muito o que aprender ─ foi tudo o que Minho respondeu.
Thomas sentiu vontade de gritar, mas forçou-se a respirar fundo para tentar manter a calma.
─ Se não conseguirmos tratá-lo até o pôr do Sol, provavelmente vai morrer ─ Minho falou, dando de ombros ─ Claro, vamos morrer também, portanto não adianta ficar choramingando por causa dele. É isso aí, vamos estar mortinhos logo, logo.
Lizzie percebeu que a expressão de Thomas se tornou, aos poucos, desesperançosa, assim como a de Minho, como se estivesse começando a acreditar que não havia nada que pudesse ser feito.
─ Vamos morrer mesmo? ─ perguntou, receoso ─ Você está me dizendo que não temos a menor chance?
─ Nenhuma.
─ Cala a boca ─ Lizzie mandou ─ Se quer ficar sentado aí se lamentando e dizendo que vai morrer, ótimo, faça o que quiser. Mas pare de tentar nos fazer acreditar no mesmo.
Minho abriu a boca, e por um instante Lizzie pensou que estava prestes a dar uma resposta repleta de sarcasmo, apenas para ser aquele quem dá a última palavra. Mas não falou nada. Ele se calou. Olhou para os próprios pés, parecendo pensativo, quase como se estivesse se lamentando por algo.
Lizzie fechou os olhos e respirou fundo, puxando todo o ar que conseguia para si, apenas para soltá-lo vagarosamente logo em seguida, em uma tentativa de manter-se calma. Então, ela se virou para Thomas.
─ Vamos ficar bem ─ garantiu, otimista ─ Precisamos pensar em um jeito de manter Alby seguro, não podemos passar a noite toda nos preocupando com ele.
Thomas assentiu, olhando ao redor. Precisava pensar em algo, qualquer coisa, mas aquilo parecia inútil. Tudo o que havia ao seu redor eram muros altos com heras longas que desciam até a ponta. Um lampejo surgiu na mente de Thomas e ele sorriu para si mesmo.
─ Acho que tive uma ideia.
As palavras chamaram a atenção de Minho, que ainda estava sentado ao lado de Alby, mas agora olhando para o novato, curioso.
O garoto correu na direção de um dos muros e segurou uma das heras com as mãos, puxando-a com toda a sua força para baixo, tentando desprendê-la do topo do muro para ver se era forte o bastante.
─ Podemos prender o Alby aqui ─ explicou ─ Acho que vai aguentar.
─ Isso! ─ Lizzie concordou, animando-se ─ Tenta subir nela, para termos certeza que é forte.
Thomas franziu o cenho, parecendo um pouco inseguro com a ideia.
─ Por que eu?
─ Porque eu claramente sou mais leve, então ela pode me aguentar, mas não aguentar o Alby ─ ela explicou, então apontou para Minho no chão atrás de si ─ E porque o Corredor ali está ocupado demais agindo como uma criança birrenta.
Aquilo foi o bastante para fazer Minho se levantar, num impulso. Ele obrigou a si mesmo a se manter minimamente calmo.
─ Certo, vamos fazer isso ─ Minho concordou com a ideia ─ Eu subo.
─ Essa foi a melhor coisa que você disse desde que entramos aqui ─ Lizzie murmurou, alto o bastante para que Minho a escutasse.
Fazendo um grande esforço para não responder algo à garota, Minho se encaminhou até o muro, tirando a hera das mãos de Thomas e a segurando com força entre as mãos. Num pulo, ele apoiou ambos os pés no muro, pendurando-se para testar a força.
─ É, ela aguenta.
─ Acho que o Thomas devia subir também, só para termos certeza ─ Lizzie concluiu ─ Seria péssimo se o Alby acabasse caindo.
Minho olhou para baixo, fuzilando-a com o olhar.
─ Você está se divertindo muito com isso, não é?
─ Pode apostar que sim.
A garota riu fraco. Apesar da situação amedrontadora em que estavam, ela se esforçava para esconder o medo, dando seu máximo para parecer calma e descontraída. Depois de passar seis meses presa em um ambiente cercada de garotos duvidando de sua capacidade, ela aprendera que não poderia se dar ao luxo de demonstrar fraqueza.
Ignorando completamente a garota, Minho desceu da hera, indo em direção a Alby, segurando-o por baixo dos braços.
─ Vamos acabar logo com isso.
Alby já estava consideravelmente longe do chão quando os três jovens escutaram o som alto da movimentação de um dos Verdugos. Os três, que até então haviam se concentrado ao máximo para erguer o corpo do amigo, usando uma das heras para isso, agora haviam parado, todos olhando para a direção de onde o som viera, assustados.
Parecia estar próximo, como se estivesse vindo para a direção deles.
─ Precisamos continuar ─ Thomas constatou, desviando o olhar para Alby novamente.
─ Precisamos nos separar ─ Minho respondeu, sem tirar os olhos do corredor de onde o barulho tinha soado.
─ Não. Temos que erguer ele mais um pouco, estamos quase lá ─ Lizzie o contrariou ─ E nos separar é a pior coisa que poderíamos fazer.
O som tornava-se cada vez mais alto, indicando que a criatura se aproximava.
Minho tentou voltar a se concentrar em ajudar com Alby, mas logo se distraiu. O aperto de sua mão na hera enfraqueceu, fazendo com que Thomas e Lizzie fossem arrastados para frente, perdendo o equilíbrio por um instante.
─ Temos que ir. Agora.
─ Ainda não!
─ Minho, precisamos terminar isso ─ Thomas pediu, esforçando-se para não deixar Alby cair.
Mais uma vez o barulho soou, agora ainda mais alto do que antes. Lizzie percebeu que Minho estava hesitante, intercalando sua atenção entre puxar a hera e olhar para a direção por onde o Verdugo apareceria a qualquer instante.
─ Foi mal, novato ─ Minho falou por fim, puxando Lizzie pelo braço enquanto corria para longe dali, arrastando a garota consigo.
─ Minho, não, espera! ─ ela ouviu Thomas gritar.
Lizzie ficou completamente sem reação. Tinha sido pega de surpresa, mas não demorou muito para enfim se recompor, esforçando-se para manter os pés firmes no chão, em uma tentativa de fazer Minho parar de correr.
E deu certo. O garoto foi forçado a parar, mas agora já estavam longe o bastante para não conseguirem mais ver Thomas, que havia sido deixado para trás.
Furiosa, Lizzie puxou sua mão para si, desvencilhando-se de Minho.
Antes que o garoto tivesse a chance de se pronunciar, ela socou seu ombro.
─ Ficou maluco?! Não podemos deixar o Thomas ali sozinho!
─ Acabei de salvar a sua vida!
─ Não. Você acabou de abandonar alguém que precisa de ajuda.
─ Você ainda não entendeu? Vamos todos morrer. Todos nós ─ Minho voltou a insistir.
Lizzie balançou a cabeça em negação. Não poderia permanecer de braços cruzados, sentada, apenas esperando que a morte viesse até ela.
Sem se dar ao trabalho de tentar conversar com Minho sobre aquilo, ela apenas lhe deu as costas, caminhando com passos firmes para longe dele.
─ Aonde você vai? ─ ele perguntou, sem sair do lugar, observando-a se afastar.
─ Você disse que devíamos nos separar ─ respondeu, sem olhar para trás ─ Então é isso que vamos fazer.