LAÇOS MORTAIS | Bonkai |

Von Dark_Siren4

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Logo após o desastroso casamento de Josette e Rick, Bonnie pensa ter se livrado de seu pior pesadelo: Kai Par... Mehr

Antes de começarmos...
1. Que os Jogos Comecem
2. Armadilha
3. Nosso Pequeno Quiz
4. Lacey, minha amiga zumbi
5. Fogo Líquido
6. Minha Droga
7. Minha Bela Adormecida
8. Dentro do Labirinto
9. A Árvore Morta
10: Rosalie
11. Um Passeio com A Morte
12. Bato um Papo com a Minha Consciência Gostosa
13. Zelador, Garoto de Recados e Assassino
14. Estou de Mudança
15. O Rouxinol
16. A Bailarina, o Sociopata e a Tigresa
17. Cúmplice da Morte
18. Silêncio
19. Lição
20. Fogo e Pólvora
21. Meu Novo Ursinho de Pelúcia
22. Jantar Nada Romântico
23. Encontro com o Exterminador do Futuro
24. A Chamada
25. Controle
26. Tentação
27. A Visita
28. Acordo Desfeito
29. Brincando com Facas
30. Ataque de Fúria
31. Le Courtaud Rouge
32. A Caçada
33. Pedaços de Uma Outra Vida
34: Uma Brecha do Passado
35. Onde os Lobos Habitam
36. Desejo e Segredos
37. A Alcatéia de Paris
38. Dentro de Mim
39. Conversas Ocultas
40. Quase Amigos
41. Pratos Limpos
42. O Jantar Sangrento
43. Entre Deus e o Diabo
44. Bandeira Branca
45. Vamos Passear
46. Palavras Secretas
47. O Duelo
48. Despedida
49. Regresso
50. Genesis
51. Pesadelos e Decisões
52. Reencontro
53. Sobre Um Homem Cruel
54. Minha Existência
55. O Lírio
56. Perseguida
57. Sob Sete Palmos
58. Suspeita
59. Feridas
60. Ameaça
61. Descoberta
62. Trégua
63. Pertencer
64. Vozes
65. Fantasmas
66. Renascida
67. Encruzilhada
68. Água e Vinho
69. Convidados
70. Disputa
71. Café da Manhã
72. Jardim Noturno
73. Mortos
74. Intervenção
75. Fuga
76. Esperança
77. Profundezas
79. Decisão
80. A Porta
81. O Monstro em Mim
82. Expostos
83. Limites
84. Lobo Mau

78. Limbo

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Von Dark_Siren4

Eu recitei aquele feitiço durante horas, prolongando o máximo de tempo possível e tentando servir de canal entre Bonnie e seja lá qual mundo ela estivesse habitando naquele momento. Porém, em algum ponto da madrugada, a nossa conexão se rompeu e eu não consegui mais encontrá-la.

Ou seja, seu corpo ainda estava presente, mas a alma dela estava perdida em algum limbo estranho e desconhecido para mim. E por mais que eu tentasse restabelecer aqueles laços novamente, eu simplesmente não conseguia achá-la. Essa foi a situação mais apavorante da minha vida.

Abri os olhos, percebendo que todas as velas no escritório haviam queimado por completo e estávamos em meio a escuridão. E Bonnie ainda dormia profundamente.

— Não — sussurrei para mim mesmo e entrei no círculo com ela, sabendo que o ritual já estava concluso — Bonnie — sussurrei, tocando seu rosto — Bonnie, volta para casa, por favor. Você disse que não ia morrer.

E de certa forma, ela havia cumprido sua promessa, pois ainda respirava e seu coração batia. Porém, ela não estava presente. Eu podia sentir.

Tentei me comunicar com ela, achando que talvez isso fosse guiá-la de volta como um farol.

— As meninas — falei, acariciando seu rosto com os polegares — Você disse que não queria deixá-las sozinhas. Seja a Bennett certinha que eu sei que você é e volte para elas — minha voz tremeu por um segundo — Por favor, Bonnie. Elas ainda precisam da mãe delas aqui. Eu preciso.

E ainda assim, nada mudou. Ela continuava imóvel com aquela mesma expressão serena e calma de quando estava dormindo.

— Droga — suspirei, deixando um beijo em sua testa e encostei a minha contra a dela — Eu vou esperar por você — prometi — Como fiz todos esses anos. Nem que leve uma vida inteira. Você é a única para mim.

Um tempo imensurável se passou, antes que eu tivesse coragem de me afastar dela. Então, a peguei em meus braços, percebendo como ela continuava pesando tanto quanto uma pena e saí do escritório, indo para o seu quarto.

A depositei sobre a cama e a cobri com os cobertores, tentando, talvez, me enganar e dizer que ela estava apenas dormindo. Sentei em uma poltrona e fiquei olhando para aquela garota que havia roubado tudo de mim, até mesmo meu poder de escolha e que, simplesmente, entrava a saía da minha vida quando bem entendia.

Ela era tão dona de mim e nem mesmo se dava conta disso.

— Por que você tinha que se sacrificar por eles outra vez? — falei, sentindo o peso da raiva em minha voz — Por que tem que viver fazendo tudo por eles e nada por si mesma? — dei um pequeno sorriso triste — E por que essa é a parte que eu mais adoro em você? — suspirei profundamente cansado, vendo os primeiros raios da manhã invadirem seu quarto — Por que, Bonnie?

Fiquei pelo que se pareceram horas ali, apenas aguardando algum sinal dela. Uma respiração, um movimentar das sobrancelhas arqueadas, um suspiro. Mas ela apenas dormia. Talvez para sempre.

E não bastasse as toneladas de culpa que eu carregava comigo, aquele seria apenas mais outro fardo. Eu havia amaldiçoado aquela garota e sua amiga. Eu havia brincado com suas vidas como se não fossem nada. E agora, era eu quem estava amaldiçoado a nunca ver a mulher que permeou meus sonhos por mais de duas décadas. Tudo por um capricho.

Não pude aproveitar bem o momento de comiseração e autoflagelo, pois com minha audição de vampiro, pude escutar os barulhos que vinham do quarto das meninas.

E eu não tinha ideia do que dizer para elas. Aquilo foi uma das piores partes.

Respirei fundo e tentei me encher de coragem para encarar aquelas duas meninas e dizer que eu havia falhado em trazê-la de volta. Que eu era um ser malévolo e cruel.

Caminhei até o quarto delas, tentando pensar em como começar aquela conversa assustadora. E quando finalmente consegui contar, segurando suas mãos pequenas nas minhas, as crianças permaneceram em silêncio.

Amy parecia preparada para a situação, embora, não menos afetada pela dor e o medo. Já Eve, reagiu da pior maneira possível. Ela correu até o quarto de Bonnie e tentou acordá-la aos prantos, sacudindo-a e gritando que não queria ficar sozinha. Por fim, desistiu e apenas se enfiou sob as cobertas com sua mãe adormecida e chorou copiosamente até desmaiar de cansaço.

Eu simplesmente fiquei sentado, assistindo aquela cena dolorosa e terrível, sem coragem de consolar minha filha e sabendo que eu era o culpado de sua dor e desespero.

Não percebi que estava chorando até Amy surgir do meu lado e tocar meu rosto, secando as lágrimas e me acolhendo em seu pequeno abraço.

— Não fica triste, papai — ela disse, contendo as lágrimas — A mamãe sempre vai estar conosco. Ela disse que nunca nos abandonaria.

Cerrei meus braços ao redor da pequena menina, tentando acreditar que aquilo era verdade.

— Obrigado, princesa — sussurrei contra seus cabelos.

O restante do dia foi um inferno, pois eu mesmo tive que ligar para Damon e contar o ocorrido. Pensei que ele iria me xingar de todos os nomes possíveis — e até preferia isso —, mas para minha surpresa, sua voz estava cheia de pesar quando disse:

— Agora nós ficamos sem as duas — sussurrou — Era isso que você queria?

Não pude responder. Como poderia?

Damon apenas desligou na minha cara, deixando-me no completo silêncio do escritório vazio e escuro.

***

Três dias haviam se passado e nada de Bonnie acordar. Tentei seguir a mesma rotina do dia-a-dia, mas eu não tinha cabeça para pensar em planejar aulas para as meninas ou simplesmente pensar em formas de nos proteger daquela Irmandade fora dos portões da fábrica. Foi como se a usina de força que me dava energias, estivesse completamente desligada. E a única que possuía a chave para isso era Bonnie.

Mas como eu voltaria a ser eu mesmo se ela não estava mais aqui?

E as meninas não estavam diferentes de mim.

Amy estava tão triste que havia perdido peso naqueles poucos dias. Ela simplesmente não tinha mais apetite e preferia ficar trancada em seu quarto com a cara enterrada nos livros para tentar esquecer da dor. Eve, por outro lado, não saia de perto de Bonnie, passando o dia todo abraçada à mãe e chorando sem parar. E quando não estava com ela, apenas me dirigia olhares de puro ódio. Acho que mesmo sem ter sido informada, de alguma forma, ela sabia que eu era o causador daquele inferno que ela habitava agora.

Nas poucas vezes em que tentei conversar com ela, Eve agiu com agressividade e lágrimas, gritando que eu era culpado de tudo. Que eu não consegui trazer sua mãe de volta e ela tinha toda a razão.

Aquilo foi o estopim para o inferno dentro daquela casa, pois Amy entrou na briga, tentando me defender e acabou partindo para cima de sua irmã que a empurrou no chão com facilidade, pois ela não oferecia resistência física para isso. E então, eu vi… aquele mesmo brilho raivoso nos olhos de Amy. Ela se levantou e caminhou em direção à Eve com a mão em riste, pronta para sugar cada gota de magia de sua irmã.

Eu que estava apático e sentado no sofá da sala, apenas olhando para o nada e deixando Eve me insultar de todo o repertório infantil e limitado dela, ergui meus olhos para a gêmea mais nova rapidamente.

— Amélia — chamei, usando um tom sério e mortal que eu quase nunca usava com ela.

Isso a fez parar no ato, congelando na mesma posição.

— Mas, ela me empurrou, papai! — exclamou, furiosa e com as bochechas coradas de raiva.

Ergui uma sobrancelha e a encarei.

— Você, por acaso, quer matar sua irmã? Porque é isso que vai acontecer se sugar toda a magia dela.

Os olhos de Amy se arregalaram e ela olhou horrorizada para a própria mão estendida. E então, ela correu para o quarto, trancando a porta logo em seguida. Não precisei de minha super audição para saber que ela estava aos prantos.

Mirei Eve, que estava parada na minha frente com os punhos cerrados e irritada. Eu já estava cansado daquela birra sem sentido.

Fiquei de pé com minha agilidade de vampiro e a peguei pelos ombros, girando e coloquei sentada no sofá.

— Você sabe o que acabou de fazer? — questionei com uma das mãos apoiadas no encosto do sofá e mirando seu rosto de perto.

Eve continuou em silêncio, encarando com aqueles olhos desafiadores.

— Você acabou de provocar sua irmã ao ponto de ela quase matá-la — expliquei — Escuta aqui, Eve Helen Bennett, eu sei que você está com ódio de mim por não ter conseguido trazer sua mãe de volta e está triste e apavorada com a situação, mas isso não lhe dá o direito de bater na sua irmã. Você é maior e mais forte que ela, pode quebrar um osso dela com a mesma facilidade com a qual parte um galho. E me insultar toda vez que me vê e eu simplesmente não revidar não significa que não posso ser seu pior pesadelo na Terra — rosnei — Eu estou tão preocupado com sua mãe quanto você e estou triste da mesma forma. A diferença entre nós é que não estou sendo uma bebê chorona malcriada e boca suja. Então, não me provoque!

Conforme eu ia falando, a menina se encolhia cada vez mais no sofá, apavorada com o meu olhar. Eu detestava assustar minhas filhas com a minha personalidade ruim, mas Eve pediu isso no momento em que empurrou sua irmã no chão.

— Você me entendeu? — rosnei.

Eve assentiu, lentamente; uma lágrima correndo por sua bochecha. Parte de mim queria abraçá-la e pedir desculpas para ela por estar sendo tão assustador, mas eu sabia que ela não aprenderia nada se eu continuasse a mimando como sua mãe fazia.

— Você vai se desculpar com a sua irmã? — perguntei, ainda fitando seus olhos assustados.

— S-Sim! — gaguejou, balançando a cabeça com força.

— E vai parar de ser rude com as pessoas? — finalizei.

— Uhum — ela soluçou, chorando com mais veemência — Eu juro, papai!

Fiquei de pé com os braços cruzados e relaxei meu semblante.

— Espero que nunca mais tenhamos essa conversa, Eve — murmurei — Eu detesto dar sermões. Não me dê mais oportunidades como essa — resmunguei, apertando a fonte do nariz — Certo?

Ela sacudiu a cabeça mais uma vez e eu liberei com um gesto de mãos.

Sol que estava parada na cozinha, fazendo suas tarefas, tencionou pegar a menina nos braços quando esta passou chorando.

— Soledad — avisei.

E isto a faz parar no ato, deixando Eve passar para o corredor que interligava aos quartos.

— Pero… — Tentou dizer.

— Ela precisa aprender a respeitar os outros — falei, rígido — Ou quer que ela seja como eu?

Isso a fez parar o que estava prestes a dizer no ato.

— Comprendo — ela anuiu e voltou para suas tarefas sem dizer mais nada.

Ela mais do que ninguém sabia do que já fui capaz. E Eve tinha tanto de minha personalidade que me apavorava o fato de um dia ela vir a ser como eu um dia.

A única que ela respeitava e admirava de fato, era sua mãe. Mas, como ela não estava exatamente presente, eu teria que desempenhar esse papel por enquanto. E sabia que nunca conseguiria ser como ela.

No dia seguinte, as coisas estavam mais calmas e as meninas, aparentemente, haviam se entendido. Soledad parecia satisfeita com a situação, embora, também estivesse preocupada com Bonnie, pois a cada meia hora ia até o quarto da bruxa checar se estava tudo bem, ocasionalmente, trocando suas roupas e penteando seus cabelos. As gêmeas a ajudaram nessa tarefa algumas vezes.

E o máximo que eu conseguia fazer era ir visitá-la algumas vezes ao dia, sentar ao seu lado na cama e segurar seus dedos delicados com aquelas unhas longas e bem feitas. Eu sempre buscava algum resquício de sua mente, mas era como se ela tivesse desaparecido.

Isso me preocupava e assustava ainda mais.

Foi no meio de uma dessas visitas, que Eve apareceu na porta do quarto, usando um vestido branco simples, com os cabelos longos soltos pelos ombros e segurando um tabuleiro de xadrez embaixo do braço.

— Papai… — ela disse, ainda incerta e olhando para o piso —... eu pedi para a Amy vir brincar comigo, mas ela fica lendo aqueles livros e não liga pra mim. E a vovó Soledad não sabe jogar… então… — ela ergueu os olhos cinzentos para mim, ainda assustada pela conversa que tivemos no dia anterior. E isso me fez sentir um monstro estúpido por apavorar uma menina de oito anos.

Sorri para ela e me levantei.

— Eu jogo com você — falei, a pegando no colo e seguindo com ela para a sala de estar.

Nos sentamos no chão com uma pequena mesa de centro entre nós dois e iniciamos a partida de xadrez. E tive que admitir que ela era muito boa naquilo, pois eu já havia perdido três peças em poucos minutos.

— Você joga muito bem — afirmei — Foi sua mãe quem a ensinou?

Ela sacudiu a cabeça.

— Não. Foi o tio Damon.

Isso me arrancou uma risada.

— E ele a ensinou a roubar nos jogos também?

— Não. Ele diz que isso é coisa de trapaceiro e que ele nunca faria algo assim — ela deu de ombros, movendo um peão — Mas ele acaba fazendo de qualquer forma.

Movi uma de minhas peças também, avaliando seu semblante.

— E você sempre o perdoa porque gosta muito dele, não?

Eve fez uma careta engraçada.

— Ele é chato, faz umas coisas estranhas e é meio malvado com todo mundo. Mas comigo ele é muito legal e cuida de mim desde que nasci.

Franzi o cenho, sentindo o peso de suas palavras.

— Me desculpa por ter brigado com você ontem — falei subitamente — Você é tão parecida comigo que me assusta um pouco. É como se eu estivesse olhando para o Kai de oito anos. Eu também era temperamental, briguento e raivoso.

A menina não pareceu gostar de ter seus defeitos expostos com tanta naturalidade. E isso me fez sorrir. Ela também era narcisista assim como eu.

— Mas eu também amava muito a minha mãe — prossegui, vendo seus olhos se encherem de curiosidade — E também brigava muito com o meu pai. Ele era um chato cheio de regras, que vivia enchendo o meu saco.

— Assim como você — ela riu e aquilo me fez ficar aliviado, pois ela estava tão silenciosa desde o dia anterior.

— Eu sou chato? — perguntei.

— Muito — ela riu.

— Poxa — cocei a cabeça — Eu achava que era tão descolado. Devo ter me enganado.

Eve moveu mais uma peça e eu perdi um dos meus cavalos. Ela era uma danadinha esperta.

— Papai — ela chamou.

— Sim? — falei, ainda chocado com suas habilidades no xadrez.

— Você gosta mais da Amy do que de mim?

Aquela pergunta me pegou tão desprevenido que derrubei uma peça no chão e logo a coloquei em seu devido lugar.

— De onde veio isso? — perguntei, ainda chocado.

— É que… — ela começou —... você é mais gentil e carinhoso com ela. E vive abraçando ela o tempo todo e, sempre me ignora — seus olhos tristes baixaram para o chão.

— Ei — falei, esticando meu braço por sobre a mesa e tocando seu rosto, fazendo com que ela erguesse os olhos para mim — Não há diferenças entre você e sua irmã. Eu amo as duas da mesma forma. O fato é que eu dou mais atenção para a Amy porque ela está doente e precisa de mais cuidados. Sem falar que ela é carinhosa como a sua mãe, então, ela gosta de abraços e essas coisas fofinhas e piegas.

Isso a fez sorrir tristemente para mim.

— E uma que tivemos mais tempo de convivência juntos — continuei — Assim como você teve com a sua mãe. Você acha que a sua irmã não sente o mesmo quando Bonnie abraça apenas você?

— Mas a mamãe gosta das duas da mesma forma — a defendeu.

— E então porque eu seria diferente? — questionei, movendo uma das minhas torres.

Ela deu de ombros.

— Eve — falei — Mesmo que eu não estivesse presente fisicamente, eu acompanho sua vida desde o seu nascimento. Sei que você ama tempestades, dorme na metade de todos os filmes, que detesta maçãs e que não gosta do fato de ser meia vampira. Sei também que ama muito a sua mãe, porque pensa que tem apenas ela no mundo. Que gosta de confeitar doces, que canta escondido quando ninguém está vendo e que gosta muito do seu cachorro porque ele é seu melhor amigo. Você odeia monotonia, gosta de comemorações e ama que todos olhem pra você porque isso faz com que se sinta amada. Eu sei disso, porque vejo você, amo você e sei tudo sobre você.

A menina ficou parada olhando para mim com os olhos cheios de lágrimas.

— Então, porque demorou tanto para aparecer durante todos esses anos? — questionou com a voz embargada.

Peguei sua mão e a envolvi com a minha que era muito maior. Ela era tão quebradiça e pequena.

— Porque os homens maus que invadiram sua casa estavam atrás da Amy — expliquei — E eu não podia deixá-los chegar perto de você. Mas, eu fui egoísta e fiquei tão curioso sobre como minha Eve seria que comecei a me comunicar com você por meio de feitiços e a fiz acreditar que era outra pessoa. Então, eu fiquei com tanta saudades que não consegui mais ficar longe e vim para Mystic Falls. No início, disse para mim mesmo que seriam apenas alguns dias, mas, então, eu vi você saindo da escola em um dia ensolarado e ali eu percebi que não conseguiria mais ir embora — acariciei suas mãos — Não vê? Eu amo tanto você que coloquei a mim e sua irmã em perigo, porque não quero ficar longe mais um dia sequer.

No início, eu havia colocado em minha cabeça que tinha voltado para achar uma solução para a doença de Amy, mas lá no fundo era apenas a dor de ficar longe de Eve que me fez voltar para aquela cidade. Era como se uma parte de mim estivesse faltando e ficou completa no momento em que a vi pela primeira vez. Minhas filhas eram o que eu tanto busquei a vida toda.

— Você não está mentindo, está? — ela soluçou, com lágrimas descendo por seu rosto — Porque se estiver, eu nunca mais vou perdoá-lo.

Isso arrancou um sorriso de mim.

— Vem cá — estendi os braços na sua direção e ela ficou de pé e correu para me abraçar — Se eu mentir algum dia para você — sussurrei contra seus cabelos — Pode me dar um soco no nariz. Juro que não vou reclamar.

Isso a fez rir em meio ao choro.

— Papai — ela disse contra o meu ombro, suas lágrimas molhando minha camisa — Promete que nunca mais vai embora?

Franzi as sobrancelhas.

Seria difícil prometer algo tão sério para minha filha. Ainda mais nas circunstâncias nas quais nos encontrávamos, entretanto, eu não deixaria mais ninguém me afastar de Eve e Bonnie.

— Eu prometo, filha — jurei.

Isso pareceu deixá-la mais calma e feliz. Depois de conversarmos mais um pouco, continuamos a partida, na qual, eu perdi descaradamente. Então, partimos para um "melhor de três'', porque eu me recusava a perder para uma criança.

***

Os quatro dias seguintes foram mais calmos e, de certa forma, "melhores." Porque eu finalmente tinha conseguido me entender com Eve. Havíamos voltado a ser amigos como quando eu ainda era um ser imaginário em sua mente chamado Peter.

Admito que aquela não havia sido uma forma nada ortodoxa de me aproximar de minha filha, mas eu estremecia só de pensar em Bonnie descobrindo a existência de Amy e a tirando de mim. E agora eu percebi que havia sido apenas um babaca ganancioso, pois deixei ela e nossas filhas infelizes.

E falando em infeliz… levou algum tempo para que Amy me perdoasse por ter falado com ela daquela maneira, mas após uma longa conversa — e várias desculpas da minha parte — ela entendeu que apenas queria seu bem. Ela era uma menina inteligente e gentil a ponto de perceber no mesmo segundo que tinha errado ao atacar sua irmã daquela maneira.

Fiquei satisfeito em saber que ela seguiria sempre o caminho certo.

A tarde caía lentamente, enquanto eu estava sentado no sofá da sala junto com minhas filhas assistindo a um filme de ação super violento que sua mãe desaprovava na mesma hora. Amy estava deitada no sofá com a cabeça apoiada em minha perna e Eve estava sentada em meu colo com o rosto enterrado em meu pescoço e no último estágio de sono. Ela nunca terminaria de assistir a nenhum filme assim.

Sorri acariciando seus cabelos e os de sua irmã, que abraçou minha perna ternamente, ainda focada nas cenas de luta e explosão.

Uma parte de mim se sentia culpada por estar aproveitando a companhia de minhas filhas, enquanto Bonnie estava no outro cômodo presa em algum lugar estranho e vagando no limbo. Porém, eu sabia que uma vez colocado em curso, não era possível interromper um feitiço. Era arriscado demais para os envolvidos e poderia deixar sequelas maiores ainda. Então, tudo o que eu podia fazer era esperar que ela simplesmente encontrasse seu caminho de volta para nós.

Agradeci ao fato de não precisar dormir como uma pessoa normal, pois desde que Bonnie havia caído naquele fatídico sono, eu não conseguia pregar os olhos. Enquanto todos dormiam, eu ficava tarde da noite, sentado em uma poltrona, olhando para ela a noite toda e completamente atento para o caso de ela precisar de algo.

Tudo o que eu conseguia dizer nessas noites era aquele mantra estúpido:

— Bonnie, acorda. Por favor.

Mas ela nem mesmo se movia. E isso estava me matando.

Acho que depois de todo o estresse daquela semana, meu corpo simplesmente sucumbiu, pois eu apaguei completamente. Acordei quando os créditos do filme subiam na enorme tela com o barulho irritante do celular tocando sobre a mesa de centro.

Cuidadosamente, me levantei devagar para não acordar as meninas e atendi aquela porcaria sem nem mesmo ver quem era.

— Quem é? — perguntei, ainda grogue de sono, percebendo que a casa estava escura, por causa da noite que caíra.

— Quem mais pode ser, verme? — resmungou Damon do outro lado da linha — O seu fã clube?

Revirei os olhos, irritado.

— O que é, Damon?

— Ela acordou.

Franzi o cenho, confuso.

— Não, a Bonnie ainda está dormindo.

— Não foi uma pergunta. Foi uma afirmação. A Elena acordou.

Pisquei, aturdido e sentindo o mundo girar loucamente ao meu redor.

— A Elena acordou?

— Me deixa falar com ele, Damon… — disse uma voz feminina ao fundo. E aquilo fez meu estômago afundar.

Houve uma deslocação do aparelho e, então, a voz que pensei que nunca mais ouviria ecoou em meus ouvidos:

— Oi, Kai.

— Elena? — minha garganta estava seca.

— Eu mesma — disse fria — Em carne e osso. Onde está a Bonnie?

— Ela… — apurei meus ouvidos e o som do coração dela ainda estava calmo e ritmado — Ela ainda está dormindo.

Aquilo só podia ser um sonho. Ou um pesadelo muito nítido.

Ela suspirou pesadamente do outro lado da linha.

— Sabe o quanto eu odeio você? — disse por fim — O odeio por ter roubado quase uma década da minha vida. Mas, acima de tudo, o odeio por tudo que fez com a Bonnie. Você é um monstro.

Cada frase era como um soco em minha consciência pesada.

— Damon contou tudo para você — conclui com uma voz fraca.

— Como pode fazer isso com a Bonnie? — cuspiu, furiosa e com asco — Você a sequestrou, torturou e estuprou. E não satisfeito, roubou a filha dela e a fez pensar que era culpada da morte dela durante todos esses anos — sua voz estremeceu de ódio — Eu posso não ser mais vampira, mas saiba que ainda tenho os meus meios para matá-lo a qualquer momento. Você precisa morrer, Kai. Ouviu? Você devia estar morto há muito tempo! Eu odeio você!

Ouvi a voz de Damon ao fundo, tentando acalmá-la, mas Elena continuou berrando aquelas palavras frias e cheias de ódio. Tudo o que pude fazer era ficar parado e escutando. Ela merecia ao menos isso.

— Se não fosse pela situação em que vocês se encontram nesse momento, eu mesma já estaria aí para levar minha amiga embora e as filhas dela — rosnou — Mas isso não vai ficar assim, Kai. Não vai mesmo!

E desligou.

Fiquei parado no meio sala, sem saber como reagir. Elena estava de volta e estava furiosa.

Pelo que sabia, ela havia arranjado uma maneira de voltar a ser humana, antes do feitiço. E mesmo sabendo que ela não oferecia risco nenhum a mim, tive a nítida noção do poder de influência que ela possuía. Todos arriscaram suas vidas por ela sem pensar duas vezes. Era como se ela tivesse algum tipo de magnetismo que enlouquecia as pessoas.

Nem mesmo Bonnie era imune a esse apelo. E isso havia sido sua ruína.

Mesmo que ela estivesse certa sobre tudo que havia dito sobre mim, nada tirava sua culpa pela situação da mãe de minhas filhas. Era culpa de Elena que Bonnie tivesse se sacrificado tanto a vida toda. Era culpa dela que a única mulher que importava para mim naquele mundo estivesse em um sono sem nenhuma perspectiva de acordar.

Obriguei-me a conter a fúria que inundou cada célula de meu corpo.

Desliguei a TV e peguei as meninas adormecidas nos braços e as levei para seu quarto. Depois de ajeitá-las na enorme cama de Amy, sai do quarto, fechando a porta atrás de mim.

Caminhei até o quarto de Bonnie, que estava com as luzes acesas. Soledad estava lá dentro, terminando de escovar os cabelos de Bonnie e acariciando seu rosto com delicadeza e uma tristeza profunda.

— Sol — chamei, vendo a governanta se voltar para mim — A Elena acordou.

Soledad ficou em silêncio por longos segundos, apenas absorvendo a informação e, então, olhou para Bonnie inquisitivamente.

— ¿Entoces, porque ella no se acorda también? — perguntou, confusa.

— Eu não sei — sussurrei, dando de ombros — Talvez seja um castigo pelas coisas que fiz no passado.

Soledad ficou de pé, deixando a escova de cabelo no criado mudo ao lado da cama e caminhou na minha direção, parando bem diante de mim.

— Esto no es una justificación — disse apenas com aquele olhar bondoso — Usted fue una persona má, pero Dios no puede permitir algo como esto. Ella no és culpada de sus pecados — murmurou, tocando meu rosto gentilmente.

Dei um sorriso cansado.

— Eu espero que não.

Sol apenas assentiu e saiu do quarto, me deixando a sós com a bruxa adormecida.

Sentei-me na beirada de sua cama, percebendo a camisola simples de seda clara com a qual Sol a vestiu. Seus cabelos longos e com fios dourados nas pontas estavam espalhados pelos ombros magros e suas feições continuavam suaves e bonitas.

Enfim, o feitiço havia sido quebrado e Bonnie não havia morrido como profetizei, mas ela também não estava exatamente aqui.

Acariciei sua bochecha com delicadeza e sussurrei:

— Você já deve saber, mas sua amiga está de volta. E está mais furiosa que nunca pelo que aconteceu com você — sorri tristemente, segurando sua mão — Não tiro a razão dela. Se alguém fizesse tudo o que fiz com você a uma de nossas filhas, eu também iria querer matá-lo.

Segurei uma madeixa de seus cabelos escuros entre meus dedos e deslizei lentamente pelos fios, sentindo a suavidade deles.

— Por favor, Bonnie — sussurrei — Acorde.

Um tempo imensurável se passou antes que eu me levantasse e fosse ocupar a poltrona próxima de sua cama. Eu não gostava da ideia de dividir a cama com uma mulher desacordada. Pois é, eu estava criando consciência.

Provavelmente, eu devo ter pego no sono e ao abrir os olhos, me assustei pelo ato em si, pois eu não podia pregar os olhos assim próximo de Bonnie. Ainda mais a noite, quando aquelas assombrações que me perseguiam pareciam ainda mais fortes.

Pisquei, ainda grogue de sono e ajeitei-me na cadeira, percebendo que apenas a luz do abajur estava acesa criando sombras bruxuleantes no teto. Sol provavelmente nos fez uma visitinha durante a noite.

Passei a mão no rosto  para espantar o sono, espreguicei-me e olhei para o amontoado de cobertores sobre a cama e… estavam vazios.

Bonnie não estava lá.

Com o coração na garganta, girei a cabeça em todas as direções, buscando pela ex-ocupante daquele colchão. E localizei uma silhueta parada em frente a janela do quarto, olhando para fora. Era uma figura feminina e de longos cabelos ondulantes.

Fiquei de pé, torcendo para minhas pernas não fraquejarem naquele momento.

— Bonnie? — sussurrei com a voz rouca.

A garota voltou-se para mim e a luz do abajur iluminou seu rosto pequeno e de feições delicadas.

— Você finalmente acordou — disse ela sorrindo — Pensei que teria que fazer isso aos berros.

Eu não conseguia acreditar no que estava vendo. Eu só podia estar sonhando. E se fosse mesmo um sonho, eu queria nunca mais acordar dele.

Nem preciso dizer que atravessei o quarto em uma batida de coração e abracei contra meu corpo como uma jiboia. Inclusive até ouvi uns estalinhos vindo de seus ossos.

— Kai — ela riu — Você vai me esmagar assim.

— Cala a boca — sussurrei, inspirando o perfume em seus cabelos — Eu tenho todo o direito de esmagar você nesse momento, sua bruxa suicida e maluca.

E pela primeira vez na história da humanidade, Bonnie, retribuiu meu abraço.

— Está tudo bem agora — disse ela, com uma voz gentil, afagando minhas costas.

— Nunca mais faça isso comigo, droga — resmunguei com o rosto ainda escondido em seus cabelos — A Eve quase me matou. E a Amy pode estar entrando em uma grave depressão agora mesmo.

Isso chamou sua atenção, fazendo-a se afastar alguns centímetros para olhar para mim.

— Eles reagiram tão mal assim?

— Você não está sentindo a aura fúnebre da casa? — perguntei, fazendo graça — Parecia que você tinha morrido. Foi assustador.

Ela inclinou a cabeça, olhando para mim com aqueles olhos verdes e espertos.

— Então, quer dizer que você sentiu minha falta tanto assim?

— E-Eu… — gaguejei feito um idiota —... Eu não sou bom em lidar com crianças apavoradas. Acho que isso é coisa mãe. Deixo esse cargo para você sem reclamar.

— Sei — ela sorriu de canto — Onde estão as meninas?

— Onde mais? Dormindo, ué — dei de ombros.

Bonnie revirou os olhos e se afastou de mim, saindo do quarto em passadas rápidas. A segui pelo corredor, vendo ela adentrar o quarto das gêmeas.

Bonnie acendeu um abajur sobre o criado mudo ao lado da cama e a luz iluminou o rostinho adormecido das duas meninas.

Sua mão acariciou suas bochechas e soltou um suspiro entrecortado.

— Pensei que nunca mais as veria — sussurrou — Eu amo tanto vocês, meus amores.

Com isto, Eve se remexeu na cama e espreguiçou-se, abrindo os olhos lentamente. E quando eles se fixaram em Bonnie, ela deu um grito para lá de engraçado:

— Mamãe?!

— Oi, minha vida — disse Bonnie, sorrindo amorosamente para ela.

Eve pulou por cima de Amy e quase derrubou Bonnie no chão, agarrando seu pescoço e enroscando as pernas em volta da cintura de sua mãe.

— Eu pensei que você nunca mais acordaria! — ela disse, entre soluços e lágrimas.

Toda essa barulheira e quase ser pisada pela irmã, fez Amy acordar ofegante, assustada e olhando para os lados como se estivesse caçando o monstro que a acordou. E sua reação não foi diferente da de sua irmã ao ver Bonnie, embora Amy tenha chorado tanto que pensei que fosse desidratar.

Depois de quase uma hora as acalmando e dizendo que sua mãe nunca mais ia dormir naquela vida, elas finalmente soltaram Bonnie que estava esmagada debaixo de bracinhos e perninhas, porém, ostentando um brilhante sorriso de felicidade.

O sol já estava quase nascendo, quando finalmente consegui achar espaço no meio daquele turbilhão para contar a Bonnie que sua amiga dorminhoca e furiosa também estava acordada.

Nem preciso dizer que sua reação foi de choque e pura felicidade.

— Você tem certeza disso? — perguntou com uma das mãos apoiadas em meu braço como se pudesse arrancar a verdade de mim assim.

— Sim, eu falei com ela ao telefone — expliquei — E ela não estava exatamente feliz comigo.

— Isso é compreensível — Bonnie assentiu — Vai demorar muito para ela aceitar essa… situação — disse, gesticulando para as gêmeas sentadas na cama e olhando para Bonnie como se ela fosse a representação de alguma santidade na Terra.

Cruzei os braços, fazendo pouco caso.

— Eu quero que a Elena Gilbert enfie a opinião dela onde lhe convier.

— Kai! — Bonnie deu um tapa em meu braço — As meninas!

— Eu não disse nada demais — resmunguei.

— Espera — disse Eve, se dando conta — Você está dizendo que a tia Elena acordou?

Bonnie assentiu, sorrindo para a menina.

— Aquela tia Elena que é como a Bela Adormecida? — perguntou Amy impressionada.

— Sim — sua irmã sacudiu a cabeça — Ela é namorada do tio Damon.

— Daquele bobão? — ela fez uma careta.

— Ei, ele é legal e… — Eve começou, pronta para defender Damon de todos.

— Meninas… — sua mãe avisou, cortando a discussão pela raiz.

Ela fez isso com tanta facilidade que me perguntei se eu era um pai tão ruim a ponto de não conseguir separar duas meninas numa briga ou se aquela era uma habilidade inerente apenas às mães.

Depois disso, Bonnie se retirou para tomar um banho e trocar de roupa e as gêmeas a seguiram como mosquinhas atraídas pela luz. Elas precisariam de alguns dias para se acostumar com a ideia de que sua mãe não iria cair no sono da morte outra vez.

Aproveitei para fazer o mesmo e durante o banho posso ter agradecido à todas as entidades regentes do universo por tê-la deixado voltar para nós. Quando sai do quarto, já vestindo uma camisa preta simples e jeans, encontrei Bonnie na cozinha com Soledad a abraçando e chorando copiosamente.

A bruxa a acalmou prometendo que nada mais como aquilo aconteceria outra vez. E Sol fez o que ela fazia com maestria, empurrou Bonnie para uma mesa de café da manhã farta e a empanturrou com tudo que podia. Eu e as gêmeas observamos, assustados, a forma como a mulher baixinha obrigava sua mãe a comer tudo. Inclusive trouxe uma variedade de bolsas de sangue. E isso arrancou risadas de mim e das meninas.

Quando estávamos tirando a mesa do café, ouvi um som de buzina próximo.

Olhei para Bonnie inquisitivamente e seguimos para fora da casa. A vi caminhar pelo corredor com aquele vestido cinza claro de tecido fino que colava em todas as suas curvas e os cabelos longos que balançavam bem abaixo das costelas. E isso me fez lembrar daquele beijo de uma semana atrás.

Era para ter sido apenas um beijo bobo e inocente, mas quando nossos lábios se encontraram, amordacei aquela voz que mandava eu me afastar dela e apenas continuei tocando aquele corpo incrível e sentindo seu perfume viciante. E quando Bonnie se afastou de mim, o predador que vivia em meu interior, cogitou fortemente, voltar a beijá-la, arrancar suas roupas e a possuir ali mesmo no chão. Porém, felizmente, a bruxa me trouxe de volta para a realidade.

Eu era perigoso para ela. E Bonnie para mim. Não podíamos ficar juntos. Nunca.

Descemos as escadas que levavam aos jardins e nos aproximamos das enormes portas de metal enferrujado.

O sol brilhava sobre a floresta ao fundo, iluminando aquele descampado, enquanto, duas figuras se aproximavam. Reconhecemos Damon de imediato com seu habitual look monocromático. Entretanto, mais alguém vinha ao seu lado.

Ela era alta, estava vestindo jeans e botas de couro marrom até acima dos joelhos, usava uma blusa vermelha coberta por uma jaqueta de couro e seus longos cabelos castanhos e lisos esvoaçavam com a brisa da manhã.

Senti meu estômago afundar. Seria um dia incrivelmente desagradável.

Bonnie arfou ao meu lado e vi seus olhos verdes encherem-se de lágrimas e ela se precipitou em direção a porta e tive que agarrá-la pela cintura para que ela não corresse para fora.

— Kai — ela disse, tremendo — É ela! É a Elena!

— Eu sei, Bonnie — falei, ainda a segurando. Vendo que sua amiga não parecia surpresa em vê-la acordada. Talvez elas tenham criado algum laço psíquico que a alertou no momento em que Bonnie acordou. Isso não seria estranho. Pelo menos, não para seres como nós.

Quando os dois finalmente se aproximaram da porta, dei permissão para que entrassem. Elena me lançou um olhar assassino, antes de ser engolida em um abraço por Bonnie. A Gilbert retribuiu, esquecendo da raiva por um segundo e apenas abraçando sua melhor amiga fortemente.

— Eu pensei que nunca mais veria você — disse Bonnie, acariciando seu rosto e sorrindo.

— E você acha que eu seria capaz de abandonar vocês? — ela disse, igualmente emocionada — Muito obrigada, Bonnie. Você me salvou mais uma vez. Não conseguirei saldar essa dívida nunca.

— Fique conosco para sempre e será o suficiente — disse a bruxa.

— Eu prometo — ela sussurrou, a abraçando mais uma vez.

Elas se afastaram segundos depois e, então, Elena olhou para mim com mais acuidade. E ela fez uma expressão das menos agradáveis.

— Você não mudou nada, Kai — disse por fim, azeda.

— Você também não — murmurei de braços cruzados.

— Talvez seja por causa do feitiço que você colocou em mim — disse com frieza — Eu ainda tenho a mesma aparência de oito anos atrás — e enfatizou os anos com bastante veemência.

Eu estava ciente de que Damon e Bonnie nos observavam silenciosamente.

— Elena, eu…

— O quê? Me usou de bode expiatório para se vingar de Damon e Bonnie? Porque eles prenderam você num outro Mundo Prisão, porque você é um sociopata doente que não pode viver em sociedade? — ela ergueu uma sobrancelha — Me diga onde, raios, você achou que estava no direito se vingar de algum de nós, Kai? Você é uma ameaça para Bonnie e agora para as suas filhas.

Eu estava quietinho até o momento em que ela citou as meninas.

— Não fale do que você não sabe, Elena — rosnei — Eu posso ter sido o monstro que a prendeu em um sono eterno, mas você não esteve presente para saber o que se passou entre mim e Bonnie. E tudo o que pensa que sabe não chega nem próximo do que vivemos juntos.

Ela franziu o cenho, contrariada.

— O que você acha que sente por ela não é amor — ela disse — Não passa de um sentimento de possessão. Você é incapaz de amar alguém, Kai.

Semicerrei os olhos contrariado.

— Você não sabe nada sobre mim, Elena.

— E você muito menos sobre mim, Kai — ela rosnou de volta dando um passo na minha direção.

Eu sabia que tinha força o suficiente para quebrar seu pescoço feito um graveto e mandá-la de volta para a Terra dos Mortos num piscar de olhos. Porém, ao relancear o rosto preocupado de Bonnie, eu soube que não podia magoá-la mais uma vez.

Elena colocou aqueles olhos castanhos-amendoados sobre mim, que provavelmente, faziam os homens irem à loucura, mas não fez o mínimo efeito sobre o meu ser. Ela era arrogante, cínica e dramática. Eu nunca me interessaria por alguém que se esconde atrás de uma máscara de bondade constante.

— Kai — Bonnie chamou com sua voz delicada, me fazendo voltar minha atenção para ela — Se comporte.

Voltei a mirar Elena, que fitava a mim e Bonnie com uma expressão confusa e incrédula.

— Eu peço desculpas pelo que fiz a você, Elena — as palavras vieram duras e difíceis, mas precisavam ser ditas — Você não tinha culpa dos meus problemas e ainda assim foi arrastada para isso. Eu nunca vou poder lhe dar o tempo que passou de volta, mas espero que os anos que vierem sejam melhores.

Me senti um cãozinho adestrado ao ter que dizer tais coisas para agradar Bonnie. Mas, de certa forma, aquilo fez com que eu me sentisse bem. Foi como se um pedacinho daquela culpa tivesse se desprendido de mim.

O poder do pedido de desculpas era incrível. Eu teria que trabalhar aquilo mais vezes.

Elena continuou olhando para mim longamente, e quando, por fim falou saiu apenas um rancoroso:

— Eu não aceito suas desculpas, Kai. E nem sei se vou aceitar um dia — ela respirou fundo, desviando o olhar por um segundo e depois se voltou para mim — Mas vamos ter uma pequena trégua hoje. Afinal, eu quero conhecer minhas sobrinhas.

Bom, acho que eu faria pior no lugar dela. Então, apenas aceitei aquilo sem reclamar e seguimos para o andar de cima.

Quando adentramos a sala e as meninas viram Elena, elas correram para abraçar a garota. Esta que ficou estupefata por um segundo e cochichou para Bonnie:

— Meu Deus, elas são a cara dele.

— São sim — ela apenas riu e apresentou as meninas à sua nova tia.

Apesar do susto inicial, Elena logo se encantou pelas meninas, as enchendo de beijos e mimos. E Bonnie apenas observava tudo com um sorriso radiante nos lábios.

Eu sabia o que ela estava sentindo. Plenitude. Ela estava genuinamente feliz e mais nada faltava em sua vida. E isso me fez feliz.

Fiquei parado, longe delas, na cozinha, observando as garotas conversando e rindo juntamente com as crianças.

— Você ferrou tudo completamente — disse Damon, surgindo subitamente ao meu lado. Olhei para seu rosto pálido — Mas, ainda assim, consegue colocar as coisas nos eixos novamente apenas com força de vontade e pura obsessão — seus olhos glaciais focaram em mim e ele deu um breve sorriso de canto — Eu admiro isso.

Juntei as sobrancelhas.

— Espera… Você não está tentando ser meu amiguinho ou coisa do gênero apenas porque eu acordei sua namorada, né?

O vampiro deu de ombros.

— E quais opções você tem? — ele olhou em volta teatralmente — Não estou vendo ninguém fazendo fila para convidá-lo para tomar uma cerveja no bar.

Revirei os olhos.

— Eu não bebo.

— Apenas mata, não? — e ergueu as mãos no ar — Eu não julgo. Cada um com seus hobbies, não é?

Soltei um risinho cínico.

— E se afogar em álcool para esquecer os erros parece ser um hobbie bem instigante, não é?

Sua expressão se tornou sombria.

— Garoto, no momento em que você faz tantas coisas horríveis quanto eu fiz, precisa sim achar uma maneira de expiar os pecados ou vai enlouquecer.

Franzi o cenho, lembrando-me do quão certo ele estava.

— Acho que pulei para a fase da loucura bem rápido.

— Tem pesadelos à noite? — perguntou subitamente.

— Alguns — dei de ombros.

— E fica relembrando os rostos das suas vítimas?

— Na verdade, elas pulam na minha cara. Mas é quase isso.

— Que droga — ele disse, ficando de costas para a sala e apoiando os quadris no balcão, enquanto cruzava os braços — Então, somos mais parecidos do que eu imaginava.

Olhei para Bonnie sorrindo e acariciando os cabelos de Amy em seu colo, enquanto conversava com Elena e Eve.

— Não acho — comentei — Você nunca machucou a Elena.

Olhei para o vampiro ao meu lado e ele sorriu amargamente olhando para o chão.

— Errado, meu caro — disse — Eu a machuquei e magoei tanto que não sei como ela ainda está comigo. E mesmo depois desses oito anos, ela ainda continua me amando.

— Eu não sei se um dia a Bonnie vai me perdoar pelo que fiz a ela — murmurei mais para mim do que para meu ouvinte ao lado — Na verdade, não existe nada para perdoar em mim.

Damon ficou em silêncio por um segundo.

— A Bonnie pode ser muito teimosa — voltou a falar — Tem um temperamento forte dos diabos. Eu lembro que quando nos conhecemos, ela era apenas uma menininha assustada que estava aprendendo a controlar sua magia e que morria de medo de vampiros. Mas, então, ela cresceu. Mesmo através da dor e do sofrimento que foi sua vida. E ela odiava tudo relacionado a criaturas como eu. Inclusive… eu! — isso o fez rir — Mas aí, a vida nos juntou de maneiras estranhas e acabamos nos tornando amigos. Porém, isso levou anos. E como eu disse à você: a Bonnie é teimosa. Contudo — falou lentamente — Se você for merecedor, ela vai acabar desistindo e acolhendo você na vida dela. Porque é isso que ela faz: ama com tudo o que ela tem. Então, Kai, seja paciente — ele cutucou meu braço com seu cotovelo — E sabemos que esse não é o seu forte, não é?

Bufei, contendo um sorriso.

— Cara, eu tenho duas filhas. Aprendi a ser paciente na base do choro e com troca de fraldas periódicas.

Damon estremeceu com a ideia e isso me fez rir de sua expressão. Nosso estranho papo foi interrompido pela aproximação de Elena e Bonnie. As duas ostentavam expressões sérias.

— Kai — disse Bonnie — Vamos precisar do seu escritório. Pode dar uma olhada nas meninas por mim?

— Claro — assenti, vendo as duas garotas seguiram pelo corredor.

— O que elas precisam conversar que é tão sigiloso? — questionou Damon, coçando o queixo.

— Acho que elas precisam colocar os assuntos sérios em dia — e apontei para as meninas que assistiam uma animação na TV, sentadas no sofá — E são assuntos dos quais crianças não devem participar.

Damon assentiu compreendendo. Um segundo depois ficamos nos encarando sem saber o que fazer, afinal, estávamos nos dando bem fazia apenas 20 minutos.

— Bom, o que você tem de bebida, aí? — perguntou ele, olhando em volta.

Revirei os olhos e caminhei até um dos armários. O mais alto, onde Amy não conseguiria mexer com tanta facilidade e puxei do fundo, uma garrafa de uísque doze anos ainda lacrada.

Damon ergueu uma sobrancelha.

— Pensei que não fosse fã de bebidas.

— Não sou — eu disse, pegando um copo em um dos armários e o depositei ao lado da garrafa sobre o balcão — Eu estava guardando isso para o dia em que os pesadelos ficassem tão ruins que fosse preciso pegar no sono rapidamente.

Damon anuiu com a cabeça e abriu a garrafa colocando um dedo de bebida e entornou.

— Vai por mim — murmurou — Depois de 300 anos, tudo fica insuportável.

Eu nunca havia parado para pensar em como seria viver para sempre. Na verdade, só pude desfrutar disso nos primeiros meses de transformação, porque depois do nascimento das gêmeas e a doença de Amy, eu meio que vivia um dia de cada vez.

Vi os olhos de Damon focados nas meninas sentadas na sala.

— Você acha que elas vão envelhecer como humanas normais ou viverão para sempre como vampiras? — questionou — Afinal, elas são mestiças, não? E isso ferra minha cabeça até hoje.

Suspirei, dando de ombros.

— Acho que elas serão vampiras completas daqui alguns anos — comentei — Pois a cada dia que passa, eu sinto menos magia dentro delas. E elas sentem mais sede de sangue e comem menos comida humana.

Damon franziu o cenho.

— Mas você e Bonnie estão entre as duas espécies, então, porque elas seriam diferentes?

— Nós dois nascemos humanos, já nossas filhas nasceram vampiras com um pouco de magia — expliquei — Elas são algo totalmente novo nesse mundo. E eu sinto muito por isso.

— Pelo que exatamente? — perguntou, sorvendo mais uma dose de uísque.

— Para bruxos, a magia é como ter um membro a mais. E quando você perde isso é como ter sido violentamente amputado — olhei tristemente para minhas filhas que riam e conversavam — Elas vão viver para sempre com a sensação de que falta algo nelas.

O Salvatore ficou em silêncio ao meu lado, absorvendo aquela informação.

— Foi assim que você se sentiu a vida inteira — aquilo não foi uma pergunta.

— Eu nasci vazio, sem magia alguma — falei, tentando não soar tão ressentido quanto me sentia — E tentava preencher isso, roubando o poder alheio. E com isso, acabei me afastando da minha humanidade apenas para não sentir o buraco que tinha aqui dentro — coloquei a mão sobre o peito — Claro que não é justificativa para as coisas que eu fiz.

— Se eu fosse tentar justificar todas as coisas estúpidas que fiz ao longo dos séculos — resmungou — acho que passaria uns 80 anos meditando e nunca chegaria a uma conclusão diferente da que somos uns babacas egoístas, sádicos e loucos.

— Puxa — cocei a cabeça — Você resumiu bem todo o meu drama pessoal, não é?

— Se quiser desfrutar a eternidade com plenitude — devaneou — Aprenda a enterrar essas coisas debaixo do tapete e beber um bom uísque.

Sacudi a cabeça com uma careta.

— Depois da ressaca que tive que 1989 e de beber feito um alambique nos primeiros anos no Mundo Prisão, eu peguei aversão a bebidas.

Só de lembrar um tremor de puro asco desceu por minha espinha. E aquilo fez Damon rir feito uma hiena.

Se passou um bom tempo até que Bonnie e Elena saíssem do escritório e, enquanto isso, eu e Damon ficamos jogando conversa fora e tomando conta das meninas. Ele era um cara bem divertido quando não estava sendo um otário irônico e cruel.

Quando as duas garotas se aproximaram com olhares sérios, nossa súbita animação foi embora.

Elena foi a primeira a falar.

— Nós decidimos algo.

— O quê? — perguntou Damon ainda com o copo de uísque na mão.

Bonnie se pronunciou.

— Vamos caçar a Irmandade.

💀💀💀💀💀

Nota da Autora:

E aí, meus amores!

Missão dada é missão cumprida! Vimos nesse capítulo que quase perdemos a BonBon e tivemos finalmente — depois de anos! — o retorno da Elena. Que eu particularmente gosto muito, mas não foi bem aproveitada na série 😒

E o que vocês acharam desse capítulo? Comentem aí! E que a caçada comece!

Beijos 💋 Até o próximo!

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