-Aliça? - Senti a mão de Arthur inclinar meu rosto para o lado. -Devemos ir Hamkins! Se demorarmos, não encontraremos os pais de Johan. -Eu balancei a cabeça fechando os olhos novamente.
-Ela está desmaiada. -Disse uma voz de criança se aproximando. Não liguei, o sono era imenso. Dormimos por volta de 2h.
-Aliça? -A voz era de Arthur. Tentei abrir os olhos, mas acabei tombando a cabeça de lado e cochilando, não sou de ferro. Os barulhos sessaram e graças a Deus, ninguém chamou.
Quando acordei algum tempo depois, abri os olhos e Arthur estava sentado na cama de frente para mim. As cortinas na janela de vidro ainda estavam fechadas
Olhei para ele até lembrar onde estava e porquê estava. Quando você dorme fora e acorda sem saber onde está. Se é que me entende.
Sentia-me um tanto mal pelo fato de dormir com ele. Olhei para o relógio e o ponteiro menor apontava 11h.
–Por que você não me acordou? -Perguntei chateada enquanto levantava. Percebi que o robe estava no chão, mas resolvi não pegar. -Onde está Johan? -Perguntei penteando o cabelo para amarrar. Arthur me fitava ainda sentado na cama. -Onde está Johan? -Perguntei novamente.
-Já deixei em casa. Mandei Thomas os tirar de lá e mudar os pais de trabalho.
-Você não podia ter feito isso! -Joguei com força a escova de cabelo na cama. Eu havia achado o loirinho, não era justo ele tomar atitudes por mim.
-Amanhã levo você até eles.
-Não! Você não podia ter feito isso! De verdade. Eu o achei e "EU" queria resolver.
-Acho melhor, você vestir algo mais comportado. -Ele disse olhando para a camisola branca. Em outras circunstâncias eu não estaria com uma camisola tão indecente, e em outras circunstâncias eu não estaria ali.
-Se está pensando que vou ser acusado de ter passado a noite com você, está enganada. -Ele disse rindo.
-Você está conseguindo ser irritante! Eu que não quero ser acusada de ser a plebéia usada pelo príncipe. Saia! Vou me vestir e voltar para casa. Meus pais já devem ter botado ovos. -Eu disse enquanto o empurrava até a porta.
-Pare de ser criança! Vista-se e vamos. -Ele disse tirando meu braço e me empurrando para dentro do quarto novamente. Com toda a força a mais que tem, não poderia lutar com ele.
-Você pode pegar a roupa que eu estava ontem? -Pedi engolindo o orgulho pós-grito.
-Sim. -Ele disse sério. Esperei olhando na sacada. A vista que o Palace tinha da província era privilegiada.
-Aqui está. -Disse Arthur abrindo a porta. Peguei a roupa e entrei no closet. Vesti e fui até o banheiro escovar os dentes e ajeitar o cabelo.
-Podemos ir! -Eu falei ainda amarrando o cabelo. Ele levantou da cama e saímos.
-Como quiser! –Ele riu meio que de ladinho. Aquele maldito sarcasmo masculino.
-O que fará em relação ao acordo com Pantag? –Perguntei lembrando imediatamente enquanto encostava a porta.
-Se eu não estou louco, vi você no discurso público domingo.
-Eu não... –Pensei bem se ia terminar ou não. Falar que não havia escutado nada do que ele disse seria uma derrota de minha parte.
-Você não conseguiu ouvir nada? Estava ocupada de mais olhando-me.
-Não! É claro que não! –Eu arfei. Caminhamos no corredor e assim que chegamos ao topo da escada, Arthur se calou.
Havia muitas pessoas no restaurante e algumas entrando e saindo do salão de festas. Provavelmente tirando a estrutura do baile de debutantes. Fomos até a recepção. Percebi a encenação do meu amigo quando ele se calou para evitar qualquer exposição.
-Bom dia querida! –Ele se referia à moça sentada de frente para a tela do computador.
-Bom dia, majestade! –Ela respondeu. Percebi que havia corado com a última palavra de Arthur.
-Você pode fechar! –Ele tirou o cartão dourado e fino e entregou a ela.
-Você sabe que para nós é sempre uma honra o ter aqui. Creio que meu patrão não ficará feliz em saber que você pagou.
-Ele não precisa saber! –Ele sorriu gentilmente para moça. Sinceramente! Ela estava encarando tudo como flerte.
-Obrigada e tenham um bom dia! –A moça respondeu usando um tom mais formal e nós fomos pegar o carro no estacionamento interno.
-Preciso abrir a porta? –Ele sorriu.
-Não! –A felicidade dele me irritava. Parecia saborear minha raiva pouco a pouco. No estacionamento só havia carros caros. Mas nenhum mais caro do que o de Arthur. Entrei e bati a porta. Era estranho como a altura me confundia. O carro de meus pais sempre foi o mesmo e alto, já o de Scaëfer era baixo o suficiente para não passar de meus seios. Preto, limpo e de vidros escuros.
Arthur foi dentro da velocidade permitida até chegar ao portão do estacionamento, depois arrancou. Senti um pouco de medo misturado com adrenalina. Como você pode deixar de se conhecer tão rápido? Eu sentia tudo, menos uma coisa de cada vez.
-Gosta de correr?
-Para mim tanto faz. -Respondi. Eu realmente estava chateada. Ele se meteu em algo que eu devia e queria resolver. Ele acelerou até que tudo que eu via eram vultos embaçados do lado de fora. -Se me garante que não vai atropelar ninguém. -Eu disse sorrindo e pondo o sinto. Algumas pessoas conseguem ser tão idiotas ao ponto de te fazer rir quando devia estar cometendo um assassinato. Ele riu e diminuiu a velocidade.
Quando chegamos a minha casa, senti um frio na barriga por tudo que iria ouvir de meu pai.
-Você quer ir até a família de Johan, amanhã?
-Você me deve isso! -Eu disse saindo e batendo a porta. Meu gênio era estupidamente forte e cheio de pirraças. Eu podia ver o risinho de Arthur no banco motorista. Encostei o portãozinho e entrei. Eles já estavam à mesa.
Meu pai perguntou e expliquei tudo sobre Johan, sobre o hotel e sobre a festa.
-Você estava linda. –Comentou meu pai enquanto almoçávamos.
-Como? -Perguntei.
-Vimos você.
-No hotel? –Mamãe pegou o jornal da manhã e jogou na mesa.
A foto que tiramos na porta do salão. Em cima havia um letreiro destacado. "Acompanhante de herdeiro rouba a cena no baile de debutantes em que estavam." "Nessa noite de sábado, Arthur Scaëfer surpreendeu a elite de Wordsands ao chegar acompanhado de uma moça que esbanjou beleza para quem estava na festa. A debutante da noite, Bianca Legali filha do proprietário do Palace hotel, foi "desfocada" ao perder a atenção para Aliça Hamkins, segundo o irmão da aniversariante que informou o nome. Será a escolhida para herdar a coroa de Beatrice?".
Corri até a sala e liguei a tv, a mesma foto estava aparecendo em canal após canal.
-Isso tudo é um absurdo. Fomos por mera precisão a essa festa. Como vou aparecer na Universidade agora?
-Da mesma forma que aparece todos os dias.
-Me perdoe por tudo isso, meu pai. De verdade.
-Perdoar o que? Eu entendo Ali. Qualquer pessoa que gravite ao redor de alguém da alta sociedade, vira alvo. É só isso. –Me senti aliviada.
Lavei as louças e voltei a olhar o papel. Lembro bem do que disse Bianca, quando passou por nossa mesa. E se ela queria tanto aparecer na coluna, agora devia estar sentindo um ódio de alma.
O que me deixava triste era o fato de saber que isso poderia prejudicar Arthur. Larguei o folheto na mesa e fui para meu quarto estudar. Haveria teste em minha turma.
Me debrucei sobre os livros e estudei a tarde toda. Cada vez que lembrava a confusão do jornal e de todo o resto, eu lia ainda mais rápido para espantar os pensamentos. Assim que anoiteceu, tirei os livros da cama e fui para o banho. Que dias! Cadê a monotonia da vida pacata de Aliça Hamkins?
Me enrolei na toalha e soltei os cabelos. Vesti uma camisola e uma blusa de manga por cima.
-Vocês vão assistir por muito tempo?
-Não! Você quer dormir?
-Ultimamente tenho sentido tanto, que dormir tem sido a melhor opção, mãe.
-O que deu nela? –Meu pai perguntou. Ele estava deitado no sofá, a cabeça nas pernas de minha mãe.
-Algumas coisas, só quem sente pode entender. –Ela deu de ombros e eu voltei para o quarto. Dormir cedo ajudaria a acordar mais cedo. Então eu teria algum tempo extra para estudar.
Em geral não sou uma cabeça de ferro, como são chamados os que estudam muito em minha sala. Mas quando há problemas a esquecer, gasto a ansiedade e raiva lendo. Apaguei o abajur e fechei os olhos.
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