LAÇOS MORTAIS | Bonkai |

Von Dark_Siren4

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Logo após o desastroso casamento de Josette e Rick, Bonnie pensa ter se livrado de seu pior pesadelo: Kai Par... Mehr

Antes de começarmos...
1. Que os Jogos Comecem
2. Armadilha
3. Nosso Pequeno Quiz
4. Lacey, minha amiga zumbi
5. Fogo Líquido
6. Minha Droga
7. Minha Bela Adormecida
8. Dentro do Labirinto
9. A Árvore Morta
10: Rosalie
11. Um Passeio com A Morte
12. Bato um Papo com a Minha Consciência Gostosa
13. Zelador, Garoto de Recados e Assassino
14. Estou de Mudança
15. O Rouxinol
16. A Bailarina, o Sociopata e a Tigresa
17. Cúmplice da Morte
18. Silêncio
19. Lição
20. Fogo e Pólvora
21. Meu Novo Ursinho de Pelúcia
22. Jantar Nada Romântico
23. Encontro com o Exterminador do Futuro
24. A Chamada
25. Controle
26. Tentação
27. A Visita
28. Acordo Desfeito
29. Brincando com Facas
30. Ataque de Fúria
31. Le Courtaud Rouge
32. A Caçada
33. Pedaços de Uma Outra Vida
34: Uma Brecha do Passado
35. Onde os Lobos Habitam
36. Desejo e Segredos
37. A Alcatéia de Paris
38. Dentro de Mim
39. Conversas Ocultas
40. Quase Amigos
41. Pratos Limpos
42. O Jantar Sangrento
43. Entre Deus e o Diabo
44. Bandeira Branca
45. Vamos Passear
46. Palavras Secretas
47. O Duelo
48. Despedida
49. Regresso
50. Genesis
51. Pesadelos e Decisões
52. Reencontro
53. Sobre Um Homem Cruel
54. Minha Existência
55. O Lírio
56. Perseguida
57. Sob Sete Palmos
58. Suspeita
59. Feridas
60. Ameaça
61. Descoberta
62. Trégua
63. Pertencer
64. Vozes
65. Fantasmas
66. Renascida
67. Encruzilhada
68. Água e Vinho
69. Convidados
70. Disputa
71. Café da Manhã
72. Jardim Noturno
74. Intervenção
75. Fuga
76. Esperança
77. Profundezas
78. Limbo
79. Decisão
80. A Porta
81. O Monstro em Mim
82. Expostos
83. Limites
84. Lobo Mau

73. Mortos

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Von Dark_Siren4

Eu estava cercado por eles. Os fantasmas de meus pecados.
E o pior de tudo foi que Bonnie era testemunha do total estado de desolação e fraqueza que eu demonstrava diante dela, mas não consegui fazer nada além de choramingar e implorar para que aqueles demônios fossem embora. Mas eles nunca iam, estavam sempre comigo em todos os momentos de minha vida, pois eu os havia atraído para mim.
Juro que tentei levantar a cabeça da porcaria da mesa quando ouvi Bonnie arfar de surpresa e conter um grito de susto, porém, uma quantidade exorbitante de mãos frias forçou meu corpo contra a superfície de madeira outra vez. Ouvi quando a taça de vinho do outro lado da mesa entornou com o impacto, manchando a toalha de vermelho.
Apenas torci para aquele som não atrair a atenção de Sol e das meninas. Elas ficariam assustadas com minha situação. Cara, eu já estava assustado.
E como tudo aquilo ainda podia piorar, as vozes começaram o seu cantarolar tenebroso em minha mente.
— Você não pode fugir de nós, Kai — disse uma das garotas que matei anos atrás apenas por um capricho. Eu não sabia qual delas havia dito isso, porque todas elas pareciam ser a mesma coisa amorfa e terrível em meus pesadelos — Vamos estar com você para sempre.
— Estaremos com você até que desista de sua vida medíocre e vazia — sussurrou uma voz muito conhecida, raspando as unhas afiadas em meu braço, deixando uma trilha avermelhada. Josette, minha irmã gêmea. Tive que morder o lábio para conter um gemido de dor — E quando estiver cansado de tudo isso, vamos arrastar a porcaria da sua alma para o mesmo inferno em que vivemos.
Outra mão fria puxou meu cabelo, arrancando alguns fios pela raiz e fazendo com que meu rosto estivesse exposto.
— O inferno que você criou — disse a coisa com a voz de Olívia.
— Não… — sussurrei, incapaz de me mover — Me deixem em paz… Por favor…
Eu já estava naquela situação há tanto tempo que simplesmente não conseguia mais lutar contra aqueles monstros. Não havia mais escapatória para mim, que imaginei que o Mundo Prisão fora o pior dos lugares para se estar. Porém, lá, apenas meu corpo estava aprisionado. Aqui eu estava sendo prisioneiro dentro de minha própria mente e dela não havia como fugir.
— Por favor… — supliquei, prostrado e sem forças.
Eu achava que minha vontade era infinita e que podia combater a loucura que se apossou de mim, mas eu não sabia que estava me perdendo aos poucos entre a realidade e o pesadelo. Aquilo era o verdadeiro significado de terror.
— Vamos acabar com qualquer resquício de você — Luke cantarolou em meu ouvido — E quando implorar para acabarmos com isso, o faremos matar a menina. Porque assim como você… ela nos pertence.
Ouvir isso fez uma onda de adrenalina e desespero se apossar de mim. Tirando forças provavelmente do inferno, consegui ficar de pé de uma só vez e girei nos calcanhares, avançando sobre os demônios que me perseguiam.
— Eu vou matar cada um de vocês! — berrei, apertando o pescoço de uma daquelas coisas que mudava de rosto a cada segundo, se tornando uma daquelas garotas, minhas irmãs, Luke e todas as vítimas de meu passado — Você não vai tocar na minha filha!
Eu estava tão ensandecido que já não enxergava um palmo diante de meus olhos. Minha única meta era proteger Amy a qualquer custo. Nem que precisasse matar metade do mundo para que ela ficasse segura.
Aquela coisa se debatia e lutava contra mim com uma força descomunal, mas eu não deixaria aqueles demônios levarem minha menina. Eles morreriam nas minhas mãos.
Apertei o pescoço daquele ser disforme e frio, seus olhos de um azul brilhante e etéreo, miravam os meus com ódio e um sorriso de escárnio se desenhou em seus lábios. Estava zombando de mim, fazendo piada do meu sofrimento e o da minha filha.
Cheio de fúria, eu não pensei, apenas fiz um movimento rápido com as mãos e ouvi o pescoço daquele monstro estalar. E antes de deixar se cair no chão, pude ver um último rosto, o de Josette. E ela sorria para mim perversamente, como se tivesse ganho aquela disputa.
Não entendi o que estava acontecendo, até aquela névoa de terror e medo se dissipar e, então, quando meus olhos focaram na pessoa caída no chão, eu juro que minha espinha gelou.
— Oh, meu Deus… — sussurrei para mim mesmo, apavorado — Bonnie…
A garota jazia estendida  no piso de madeira com suas pernas e braços espalhados. Seus olhos estavam abertos, mirando o nada e o pescoço dela estava em uma posição perturbadora e anormal.
— Não, não, não… — caí de joelhos e a coloquei sobre minhas pernas cuidadosamente — Bonnie? — a sacudi, tentando de alguma forma fazê-la acordar — Bonnie? Por favor, Bonnie, me perdoa… Bonnie…
Eu a sacudia freneticamente, passando os dedos por seu rosto delicado e macio, esperando que aquilo pudesse fazê-la sair do estado de morte em que se encontrava. Ela era uma vampira, não? Ela se curaria daquilo com toda a certeza, não é? Não, é?!
Uma voz pessimista começou a discordar em minha mente.
Ela não era uma vampira convencional, pois havia sido criada a partir do meu sangue que também não era o de um vampiro comum. A parte humana dela poderia muito bem ser mais forte que a sobrenatural. E isso poderia fazer com que ela não… voltasse da morte.
— Não… — sussurrei, abraçando contra meu peito e sentindo meus olhos arderem — Bonnie… me desculpa… Eu não queria machucar você… Eu não queria… Eu não estava…
Eles haviam feito o que prometeram, mas não foi Amy quem foi tirada de mim e sim a pessoa que mais sofrera em minhas mãos ao longo dos anos. Foi uma ironia cruel e sádica que ela finalmente tenha voltado ao meu mundo e estivesse sofrendo novamente por isso.
Eu apenas a abracei, incapaz de conceber a ideia de ter terminado tudo ali. Em um rompante de loucura e, então… ela estava morta. E talvez, por causa do feitiço que eu havia feito anos atrás que prendia a vida de Bonnie à de Elena, tinha perdido uma das pessoas mais importantes da minha existência.
Apenas acolhi seu corpo pequeno contra o meu uma última vez e afundei o rosto em seus cabelos, apenas tentando não pensar nas consequências daquilo: Eve me odiaria para sempre, Amy talvez nunca mais conseguisse olhar para mim novamente e eu… sucumbiria àquela loucura lentamente, torcendo um dia após o outro para que não me descontrolar perto de uma das minhas filhas daquela maneira.
E agora, sem Bonnie, tudo parecia ter perdido o sentido, eu não conseguiria lidar com aquilo…
A garota em meus braços arfou desesperada, agarrando-se a mim em busca de algum tipo de apoio. Ouvi quando suas vértebras estalaram e voltaram para o lugar de uma maneira nauseante.
E eu? Fiquei olhando para ela como o idiota embasbacado que era.
— Kai..? — disse erguendo os olhos verde oliva para mim — O que houve? O que..?
E então, as lembranças de minutos atrás a assaltaram e Bonnie me empurrou bruscamente, deslizando para o mais longe possível de mim no piso de madeira.
— Você me atacou — acusou, assumindo uma posição de ataque meio agachada e com as presas a mostra — Tentou me matar! E o que eram aquelas coisas com você?!
Ainda sentado no chão meio embasbacado, fiquei olhando para aquela criatura belíssima de meio metro e furiosa. Eu estava tão feliz de vê-la, apenas sendo a Bonnie, que soltei um riso histérico e emocionado. E devo admitir que eu estava agindo como um lunático; rindo e chorando ao mesmo tempo.
A bruxa juntou as sobrancelhas arqueadas.
— O que deu em você?
— Eu matei você — falei ainda rindo com um louco — E você voltou.
— Está reclamando porque eu me curei de um pescoço quebrado? — ela estava mais confusa que irritada.
Sacudi a mão livre no ar e com a outra sequei as lágrimas. Bem, agora sabemos de quem a Amy havia herdado os dutos lacrimais abundantes.
— Não, claro que não — disse eu — Eu estou muitíssimo feliz que você tenha voltado.
Ela franziu o cenho.
— Espera… Achou que eu não voltaria?
Sacudi a cabeça em afirmativa.
— E está chorando por que está feliz?
Assenti novamente.
— E por que raios você me atacou, Malachai?
— Eu… não estava vendo você — sussurrei, agora mirando o chão — Pensei que eram eles.
— Eles? — ela perguntou e então parou por um segundo, se lembrando de algo — Quando o mantive preso embaixo daquela tumba, lembro de ter ouvido você falando sozinho e pode soar como loucura, mas juro por Deus que alguém respondeu. Mas…
— … não havia ninguém lá — conclui a frase.
Bonnie apenas assentiu, olhando para mim preocupada. Seu corpo relaxou, ela sentou-se com as pernas de lado e mirou meu rosto.
— O que está havendo, Kai? — ela perguntou.
Encostei a cabeça na parede e fechei os olhos por alguns segundos, apenas deixando aquela sensação de desespero e medo ir embora. Deixei meus ouvidos mais aguçados e constatei que as meninas ainda brincavam no quarto e que a TV de Amy estava ligada no último volume. As duas estavam jogando vídeo game.
Elas não haviam escutado nossa discussão. Sorri minimamente.
— Eu estou ficando louco, Bonnie — disse simplesmente.
— Mas você sempre foi…
— Não — cortei, ainda de olhos fechados — Não estou sendo excêntrico ou esquisito. Eu realmente estou enlouquecendo.
Abri os olhos lentamente, vendo a bruxa sentada diante de mim no piso de madeira escura. Seu semblante estava confuso.
— Eu vi aquelas coisas — falou — Você não está ficando louco.
Dei de ombros.
— Elas estão na minha cabeça o tempo todo. E sempre que alguém tenta interferir, elas afastam essa pessoa de uma forma ou de outra.
Bonnie apenas ficou em silêncio, olhando para mim daquela maneira silenciosa.
— Quem era ela? — perguntou.
— Ela quem?
— A garota que você perdeu.
Dei um sorriso triste.
— É tão óbvio assim?
— Você é um livro aberto. Mais até do que eu, Kai.
A bruxa continuou me olhando insistentemente. Suspirei.
— O nome dela era Kate. Trabalhava em um hospital como enfermeira — falei com a voz baixa — Eu a conheci em uma das noites em que a Amy havia tido mais uma de suas paradas respiratórias. Ela era apenas um bebê e eu era um pai de primeira viagem com uma filha meia vampira e bruxa com uma doença desconhecida. Então, no desespero, recorri à medicina tradicional — fiquei em silêncio por alguns segundos, esperando que aquilo fosse o suficiente para Bonnie. Mas ela me encarava insistentemente com os olhos verdes grandes e brilhantes. Hesitante, prossegui - Kate me ajudou muito com os cuidados que eu deveria ter com Amy no início, sem saber o que eu e ela éramos, claro. Porém, as coisas evoluíram para algo… íntimo — as sobrancelhas de Bonnie se franziram, mas ela tentou aparentar normalidade — Quando percebi, eu estava namorando e cuidando de um bebê — sorri e sacudi a cabeça lentamente — Estava tudo indo bem, estávamos juntos a alguns meses. E pensei que finalmente havia encontrado uma mulher que conseguiu me fazer esquecer a maldição tentadora que era Bonnie Bennett na minha vida. Porém, teve essa noite em que estávamos dormindo na minha cama e eu tive um desses pesadelos com aquelas… — estremeci —...coisas. Acho que a Kate tentou me acordar ou algo do tipo, pois quando dei por mim eu estava no chão, sobre ela, a pouco centímetros de rasgar a garganta dela e… porra — coloquei as mãos sobre a cabeça, sacudindo-a lentamente —... eu quebrei o braço dela com tanta força que quase o arranquei fora. Quando entendi o que estava acontecendo, apaguei a memória dela e a curei com meu sangue, mas eu nunca mais conseguiria olhar para ela de novo sem lembrar o que havia feito, então, a fiz se esquecer de mim e mudei de cidade com Amélia e Sol. Depois disso, nunca mais a vi.
Bonnie não disse nada, apenas abaixou os olhos para o piso, ponderando.
— Isso é… por causa da pedra, não? — disse lentamente — O irmão de Cecile, David, também havia sido ressuscitado por aquela coisa e também estava perdendo a cabeça aos poucos.
Franzi o cenho.
— Espera… a Cecile Courtaud tinha outro irmão?
— Irmão mais velho. Do primeiro casamento de Apollon. Uma longa história — ela sacudiu a mão no ar vagamente e olhou para mim de maneira séria — A questão é que você não foi o único a passar por isso. Ela me disse que Apollon fazia experiências com os lobos. Os matava e trazia de volta com a pedra. E todos enlouqueciam, porém, apenas alguns conseguiam passar pela experiência e ficar bem. Pelo menos, a maioria dos Courtaud, sim.
Como eu não estava sabendo de todas aquelas informações? Bonnie era muito boa em manter segredos.
— Você desenha, não? — perguntou subitamente — Claro que desenha — respondeu para si mesma, revirando os olhos.
— Sim — assenti, confuso — O que isso tem a ver com a situação?
— Quando Cecile me levou para conhecer David, ele estava preso em uma sala, num porão de uma das construções do condomínio — explicou, estremecendo com a lembrança — Ele era mantido em cárcere e algemado para sua própria segurança e a dos demais. O fato é que ele também desenhava, só que nas paredes ou em qualquer superfície, seja com materiais próprios e, pelo que deu para perceber, também com as unhas e… — ela engoliu em seco — sangue. O sangue dele.
Continuei escutando seu relato, sentindo arrepios correrem pela minha pele.
— Mas esse não era o problema — Bonnie prosseguiu — O perturbador eram os desenhos que ele havia feito. Atrocidades sanguinárias de todos os tipos que não pareciam se relacionar, exceto, pelo fato de que elas mostravam cenas de morte e extrema violência. E isso me levou a pensar… Kai, você já desenhou coisas assim?
Engoli em seco.
Ergui um dedo no ar e fiquei de pé em um átimo de segundo, atravessando a sala e peguei algo em meu escritório. Tudo isso levou apenas alguns segundos e quando retornei a sala de jantar, Bonnie estava novamente sentada em uma das cadeiras.
Sentei-me de frente para ela e estendi o caderno simples de capa preta e surrado para ela. A bruxa o mirou com curiosidade e o pegou de minhas mãos. Ela o estendeu diante de si e abriu, folheando as páginas rabiscadas com carvão e tinta vermelha.
Sua expressão serena mudou drasticamente para horror em poucos segundos conforme via cada um dos desenhos. E então, algo foi demais para ela e Bonnie fechou o livro bruscamente.
— Você… — ela engoliu em seco, parecendo enjoada —... estava consciente quando desenhou isso?
Sacudi a cabeça em negativa.
— É como estar em um transe e quando eu volto, essa coisa… — apontei com o indicador para o caderno —... está cheia de uma dúzia de novos desenhos. Simplesmente, não dá pra controlar.
Seus lábios se crisparam de preocupação.
— A Amy… tem algum tipo de sintoma como o seu?
— Não — disse eu — Apenas alguns pesadelos, mas nada tão preocupante. Ela sempre pede para dormir comigo quando sonha com essas coisas ruins. Eu não deixo — estremeci novamente apenas em imaginar — pelo que aconteceu com a Kate.
Bonnie assentiu com os olhos arregalados de ansiedade.
— Você me atacou, Kai — começou lentamente — Acha que a Amy está segura com você?
Aquela era a pergunta que me fiz por anos. E sempre evitei a resposta durante todos eles.
Mordi o lábio inferior, hesitante.
— Eu… sinceramente, não sei, Bonnie. Mas sei que nunca faria nada de mal conscientemente à minha filha. Nunca — falei, determinado — E se, um dia, desconfiar que sou uma ameaça para ela, eu mesmo enfio uma estaca no meu peito. Isso é uma promessa.
Bonnie não pareceu muito segura de minha afirmação.
— Eu sei que você preza pela segurança de Amy acima de tudo ou não estaria com ela até hoje — disse, rígida — Mas eu preciso que você me dê uma garantia de que não vai perder o controle como fez comigo. Preciso ter certeza de que você realmente está disposto a tudo para proteger a nossa filha de você.
Respirei fundo, absorvendo suas palavras.
— Toda vez que eu sinto que estou fugindo da realidade — expliquei — Eu saio de perto dela e me tranco no meu quarto. O modifiquei para ter travas especiais que me soltam apenas se eu estiver lúcido. Foi um feitiço que elaborei antes mesmo das coisas ficarem como estão, pois eu sabia que não haveria cura para o que eu tenho. O que aconteceu essa noite, foi um descuido. Eu não estava prestando atenção aos gatilhos que normalmente desencadeiam isso, justamente, porque você estava por perto.
— Espera — ela franziu as sobrancelhas — Está dizendo que é culpa minha?
— Não — sacudi a cabeça — Estou dizendo que sua presença me desestabiliza. Eu esqueço de tudo quando estou com você.
Sabe o elefante na sala? Pois é, ele voltou. Bonnie ficou muda e desconcertada com minha declaração.
Depois de um segundo, eu percebi a idiotice do que havia dito.
— Ok. Isso foi estranho e piegas.
— Um pouco — Bonnie, remexeu-se na cadeira, um tanto vermelha.
Tentei dizer algo estúpido ou engraçado para amenizar a situação, mas quando abri a boca, ouvi Eve exclamar furiosa:
— Papai, a Amy está roubando!
Eu e Bonnie olhamos na direção da menina furiosa que apontava para sua irmã que estava de braços cruzados e um ar de soberba em sua expressão.
— Só porque sou boa no que faço, não quer dizer que eu esteja roubando — declarou, com uma sobrancelha arqueada como sua mãe.
Bonnie apenas riu e sacudiu a cabeça, aparentemente, aliviada por fugir do assunto tenebroso do qual estávamos falando antes.
— Meninas — ela disse — Não briguem.
— Eu não estou brigando — disse Amy na defensiva — Essa bobona que não sabe perder.
— Bobona é você! — Eve exclamou, furiosa — Como você pode ser tão boa em um jogo tão difícil? Isso não é possível.
— Deve ser porque eu não saio de casa e não tenho amigos — Amy disse apenas em tom acusatório — Mas você não sabe o que é isso, já que não está a beira da morte como eu.
E o terceiro elefante do dia marcou presença. Eve se acalmou quase que imediatamente e a culpa atravessou seu rostinho.
— Amy — Eve se aproximou dela, segurando a manga de sua blusa com um beicinho nos lábios rosados — Me desculpa… Eu sou muito boba e idiota.
Amy apenas revirou os olhos para sua irmã.
— Para de ficar me paparicando porque estou doente — resmungou, contendo um sorriso — Você fica parecendo o nosso pai.
Eve fez uma careta.
— Eca. Eu não pareço com ele.
Minhas sobrancelhas se ergueram com aquela ousadia.
— Sinto muito por isso — Amy sorriu, já esquecida de sua raiva e acariciou a mão de sua gêmea — Mas vocês são idênticos.
Eve colocou os olhos azuis sobre mim e coloquei os meus sobre ela.
— Não — dissemos em coro, sacudindo a cabeça em negativa. Isso não ajudou em nada a nossa dificuldade de aceitação um do outro.
— Ela é malvada — resmunguei.
— Você também é — Bonnie cantarolou diante de mim — Do tipo que chuta cachorrinhos e sai feliz da vida.
Franzi o cenho, ofendido.
— Eu nunca chutei cachorrinhos. Eu gosto de cães — e olhei para Eve, alarmado — Você já chutou algum?
Ela cruzou os braços, emburrada.
— Você acha que eu sou algum tipo de psicopata, pai?
Cocei a cabeça e olhei para Bonnie, encurralado. Como eu responderia aquilo sem traumatizar a menina?
— Não, meu amor — Bonnie se prontificou — Você não é uma psicopata. Eu saberia se fosse e a trancaria do lado de fora de casa com Raizo.
Isso arrancou uma risada da menina.
— Ele gosta de você, mamãe.
— Claro que gosta — ela revirou os olhos, magoada — Aquele pulguento.
— Espera… — cerrei os olhos — O cachorro não gosta de você? — e ri com sua expressão irritada — Sabe o que isso diz sobre sua personalidade, não?
— Eu sou mais legal que você, idiota — ela resmungou, cruzando os braços sobre o peito fortemente.
— Os cães gostam de mim — sorri abertamente.
Bonnie me olhou de cima a baixo desconfiada.
— Mentira.
— É verdade.
— Como isso é possível? — ela estava mortalmente ofendida.
— Você não gosta de cães — falei simplesmente — Eles sentem esse tipo de coisa.
— Como assim? Eu amo cães! — exclamou, um pouco fora de si — Diga para ele, Eve.
A menina apenas sorriu e negou com a cabeça.
— Ela não gosta, não.
Eu e as gêmeas rimos em coro, deixando uma Bonnie muito irritada.
— Tá — deu de ombros — E daí que não gosto de cães? Eles soltam pêlo em tudo, destroem seus melhores sapatos e mordem você quando tenta acariciá‐los.
Ergui uma sobrancelha.
— Você está criando um cão ou uma quimera?
— Cala a boca, Kai.
— Quantos anos vocês têm? — Amy perguntou subitamente.
Eu e sua mãe ficamos confusos com aquela pergunta.
— Vinte e nove — respondeu Bonnie
— Quarenta e oito — disse eu.
Eve olhou para mim longamente sem conseguir ligar a aparência com minha idade. Eu teria que explicar essa parte para ela mais tarde.
Amy prosseguiu.
— Como eu e a Eve nos acertamos tão rápido e vocês continuam brigando? — ela ergueu as sobrancelhas — Nós que somos as crianças aqui.
Abri a boca sem saber o que dizer. Bonnie  nem mesmo tentou.
Amy segurou a mão de Eve e a levou de volta para o quarto.
— Caramba — Bonnie sorriu, desconcertada — Ela é boa em dar broncas.
— Tem que ver quando faço algo errado — murmurei — Ela não sossega até que eu admita o erro.
— Droga — ela riu — Eu cuidei de uma mini versão sua e você de uma minha.
Tive que concordar.
— A ironia disso me faz chorar todas as noites.
— Por acaso, a Amy tem mania de estalar os dedos e contar os passos? — perguntou, entusiasmada.
— Como sabe disso? — eu ri — Aquela menina parece uma calculadora humana. Tudo tem que ser extremamente exato!
— Sério? Eu faço isso também!
— Claro, isso tinha que vir de algum lugar — sacudi a cabeça — A Eve por acaso, separa os marshmallows do cereal?
— Nossa, sim! — ela anuiu com a cabeça, rindo — Você faz isso?
— Eu odeio, marshmallow — fiz cara de nojo — Como as pessoas comem aquilo? É molenga e esponjoso, parece que estou comendo uma nuvem.
— Sabe que isso não faz sentido, não é? — ela semicerrou os olhos verdes.
— Você não tem muitos argumentos contra mim — lancei — Seu cachorro não gosta de você.
Isso a fez revirar os olhos e sorrir de maneira contida.
— Eu queria poder voltar no tempo e não ter feito tudo o que fiz no passado — soltei sem pensar — Apenas para poder esperar por você.
A bruxa mirou meus olhos.
— Você seria um cara de quarenta e oito anos muito charmoso.
— Eu teria sido, quem sabe, seu professor na faculdade e faria minha jovem e inocente aluna cair de amores por mim — brinquei, embora tivesse um fundo de verdade naquilo — e ignoraria todas as reprovações dos meus colegas por arriscar minha carreira acadêmica por uma garota que acabou de sair do ensino médio.
Ela sorriu abertamente.
— Conhecendo minha versão adolescente como conheço, com toda a certeza eu teria caído no seu papo e me renderia completamente.
— Nós teríamos nos casado.
— E teríamos nossas meninas.
— E não haveria dor, rejeição ou sofrimento.
— Sim — ela assentiu com os olhos marejados — Acho que eu teria te amado em outra vida, Kai.
Sorri tristemente.
— Eu te amaria em todas elas, Bonnie.
Ficamos nos olhando longamente, ansiando por algo que nunca havia ocorrido. Uma de várias outras possibilidades que nunca vieram a acontecer, mas que teriam me guiado da maneira mais correta para ela. Porém, eu havia escolhido um caminho de dor e sofrimento. E o tinha pavimentado de maneira sólida. De uma forma que nem mesmo eu conseguiria desfazer.
Minha sina seria ansiar por uma mulher que estava fora de meu alcance para sempre e por mais que eu tentasse me aproximar, teria que desistir em algum momento e deixá-la seguir em frente com sua vida.
E cogitar isso, estava acabando comigo.
Bonnie apenas suspirou e enxugou uma lágrima que correu por sua bochecha.
— Está tarde — disse apenas — A Eve tem aula amanhã cedo.
Assenti, vendo a bruxa ficar de pé e fiz o mesmo ainda perdido naqueles pensamentos esclarecedores e dolorosos.
— Sim — concordei — A Amy também precisa descansar.
Bonnie concordou. Entretanto, não se moveu do lugar, atravessando-me com aqueles olhos verdes e brilhantes.
— Eu tenho que ir — sussurrou.
— Você tem — concordei novamente.
— Eu preciso.
— Eu sei — suspirei, sendo o primeiro a cortar contato visual.
Ela entendeu o recado e afastou-se, indo chamar Eve no quarto de Amy.
Ouvi um séquito de reclamações das meninas e, até mesmo Soledad, que quase nunca reclamava de nada, protestou, mas Bonnie estava resoluta em sua decisão. Quando saiu do quarto, segurava a mão de Eve e Amy estava agarrada em sua cintura com cara de quem ia chorar a qualquer segundo. As despedidas pareciam cada vez mais dolorosas para ela.
Bonnie se despediu de Soledad com um abraço e depois de agasalhar Amy corretamente, descemos para acompanhá-las até a saída. Ficamos parados perto dos portões da fábrica, enquanto as meninas se despediram com um abraço apertado. Confesso que para um cara com poucos sentimentos, nesses momentos até eu tinha que desviar o olhar ou corria o risco de ficar extremamente molenga ao ver as duas meninas tristes com a breve separação.
Amy abraçou Bonnie uma última vez, antes de agarrar minha perna e fazer força para conter as lágrimas que queriam sair.
Eve, por sua vez, ficou alternando seu olhar entre mim e sua irmã. Os olhos dela também estavam vermelhos. E, então, subitamente, ela correu na minha direção e abraçou minha cintura.
Eu não soube como reagir, afinal, ela não era como sua irmã. Tentei agir como um pai normal agiria: circulei seus ombros com meu braço e acariciei seus cabelos.
— Se continuar assim, vou ter que dar a parte da herança da sua irmã para você — provoquei, alisando seus cabelos escuros com meus dedos.
— Eu ainda quero meu vídeo game — ela resmungou com a voz embargada.
— Tudo bem, sua mercenáriazinha — eu ri, a abraçando contra mim.
- Certo, Eve — Bonnie disse — Chega de extorquir o seu pai — e levantou os olhos para mim com malícia — Por hoje.
Eve assentiu, soltando os braços e segurou a mão estendida de sua mãe.
Bonnie não disse nada, apenas se afastou sem dizer uma única palavra. Vi que seu carro sumiu noite adentro com Amy em meus braços.
— Papai — ela disse.
— Sim, princesa — mirei seus olhos azuis.
— Tem baba escorrendo pelo seu queixo — riu.
Revirei os olhos com sua piadinha.
— Depois eu que sou criança — murmurei, atravessando o jardim e subindo as escadas.
— A mamãe é mais sensata que você — disse ela com um calor na voz.
— Ela é — sorri tristemente, seguindo pelo corredor — Ela sempre foi.

***

Acordei na manhã seguinte, sentindo minha cabeça pesada com as coisas que haviam acontecido na noite anterior. Foram tantas reviravoltas em apenas algumas horas que eu ainda não havia conseguido me situar direito.
Sentei-me no colchão da cama de casal grande e espaçosa e olhei em volta no quarto escuro. Engoli em seco ao ver silhuetas de tamanhos e formas diversos na penumbra. Seus olhos azuis e brilhantes estavam em mim, esperando por algo. Talvez, a minha rendição.
Fechei os olhos com força.
— Não é real — sussurrei, tentando controlar minha respiração — Não é real. Eles estão mortos. Todos mortos.
Eu precisava dizer aquilo todos os dias. Precisava lembrar o meu cérebro lunático e ferrado de que aquelas não eram as minhas vítimas de verdade e sim um reflexo do que aquela pedra maldita estava fazendo comigo.
— Eles não são reais… — sussurrei uma última vez abrindo os olhos lentamente.
Todos eles estavam ajoelhados em volta da minha cama sorrindo horrivelmente para mim. E com o susto, me lancei para trás batendo as costas contra a cabeceira da cama que rachou com a força do impacto.
— Quem não é real, Kai? — perguntou a Josette pálida como um defunto com a cabeça deitada no colchão bem ao meu lado.
Meu coração morto, quase parou novamente. E empurrei-me mais contra a cabeceira da cama, cercado de todos os lados.
— Você não é a minha irmã! — exclamei, tremendo — Ela está morta!
A coisa com o rosto de Jo sorriu maliciosamente.
— E quem a matou mesmo?
Eu não conseguia e nem queria responder aquela pergunta. Apenas desejava que aquele pesadelo acabasse.
— Então, enfie uma estaca no seu peito — ouvi Joshua, meu pai, dizer.
Girei a cabeça freneticamente e o localizei parado de pé, no canto mais escuro do quarto.
— Acabe com essa tortura e nos dê a justiça que merecemos — prosseguiu, seu rosto ainda envolto em trevas com exceção dos olhos brilhantes — Nossas almas precisam de descanso. Algo que não teremos enquanto você viver.
— É, irmãozão — disse Liv, com o rosto apoiado nas costas das mãos e sorrindo — Um lixo como você não merece viver.
— Não seja tão agoísta, Kai — Luke cantarolou, sentado de pernas cruzadas em uma poltrona perto das cortinas pesadas.
— É, Kai… — disse a garota de cabelos cacheados, subindo em minha cama apoiada nos joelhos. Madison. Uma das garotas que matei anos atrás em um beco atrás de um bar — Venha ficar conosco no inferno!
E ela saltou sobre mim com as unhas em riste e tudo que pude fazer foi cobrir a cabeça, aguardando o golpe que viria.
E então… a luz entrou no meu quarto.
Bom, se eu pudesse chamar Soledad de luz matutina.
Ela estava parada diante das persianas agora abertas e olhava para mim inquisitivamente.
— Otro pesadelo? — questionou, preocupada.
Olhei em volta do quarto bem decorado e agora iluminado. Eu estava meio deitado e meio sentado com um dos braços ainda erguidos sobre o rosto.
Respirei fundo e tentei me acalmar para não preocupar a mulher idosa.
— Está tudo bem — falei, sem conseguir mentir na cara dela com tanta facilidade agora.
— La puerta estava abierta — disse ela, apontando para a própria.
Olhei para a madeira pintada de preto do outro lado do quarto, confuso.
— Não é possível — disse eu ainda incrédulo — Eu sempre tranco antes de dormir.
— No dessa vez — deu de ombros.
Eu me lembrava perfeitamente de ter trancado a porta com todas as travas embebidas em verbena e feitiços que me impediam de sair caso eu estivesse em transe ou fora de mim.
— A Amy… — comecei a perguntar, agora aterrorizado.
— La bebé está bien — disse Sol rapidamente — No se preocupe.
Assenti com a cabeça, respirando fundo algumas vezes.
— Lo café está pronto — murmurou, se dirigindo a porta.
– Ok — falei, debilmente, ainda olhando para as trancas abertas da porta.
Eu tinha certeza de ter feito aquilo antes de dormir. Era uma rotina que eu seguia fielmente há anos e não iria quebrá-la e colocar minha filha em risco por desatenção.
Mas… se eu havia trancado a porta, quem a abriu durante a noite?
Pensar nisso estava me deixando mais apavorado que de costume, então, resolvi me levantar e tomar uma ducha rápida. Vesti uma camisa simples e jeans. E ainda descalço segui para o quarto de Amy que ficava ao lado do meu.
Bati na porta e entrei, vendo a menina ainda encolhida sob as cobertas e dormindo profundamente. Era a parte do dia que eu mais gostava, pois sabia que ela estava em um mundo de sonhos, um lugar onde ela não era doente e vivia como uma criança normal e feliz.
Entretanto, tinha minhas obrigações como pai. E uma delas era ser responsável e, consequentemente, chato.
Abri as cortinas cor de rosa da enorme janela de vidro, deixando a luz do sol invadir o quarto decorado de rosa e com livros a perder de vista nas prateleiras, que tomavam quase todas as paredes. Amy amava ler e, embora, eu tenha cultivado esse costume nela, sabia que ela havia herdado esse gosto de sua mãe.
Sentei-me na beirada de sua cama, vendo a menina se encolher sob as cobertas cor de rosa e franzir o cenho.
Afastei alguns fios de cabelo negro de seu rostinho pálido e ajustei a canula transparente em seu nariz.
— Bom dia, princesa — dei um beijo em sua bochecha.
— Eu não quero levantar, papai — resmungou, ainda de olhos fechados — Hoje é domingo. Não tem aula.
Sorri para sua esperteza.
— Hoje é terça-feira e temos aula — falei, puxando os cobertores para baixo e ela se encolheu sob o macacão de zebrinha — Levanta, Amy. Não estou criando uma preguiça.
— Preguiças são legais — ela abriu os olhos azuis com uma careta — Elas podem dormir a vontade.
— Pode dormir quando morrer — rebati, tocando a ponta de seu nariz e isso a fez revirar os olhos.
— O que não está longe de acontecer — sentou-se de cara feia.
Foi minha vez de revirar os olhos.
— O que eu falei sobre drama de manhã?
— E o que eu disse sobre me acordar cedo? — cruzou os braços, fazendo um beicinho.
— Você acorda cedo todos os dias e reclama em todos eles. Se usasse essa reclamação para estudar, terminaria suas tarefas muito mais rápido.
Ela franziu os lábios em desagrado e puxou uma pilha de papéis do criado mudo ao lado da cama e os colocou em meu colo.
— O que é isso? — perguntei.
— Minha dissertação sobre Hamlet — ergueu as sobrancelhas, irritada.
Fiquei com cara de bobo.
— Mas era apenas para mês que vem.
— Eu tinha tempo de sobra e estava sem sono — explicou, dando de ombros — Então resolvi terminar.
Olhei para a pilha de papéis organizados. A capa estava perfeita — como sempre — e eu sabia que nem precisaria ler o conteúdo para saber que ela havia sido genial como de costume.
— Você é tão parecida com a sua mãe que me dá medo — sorri para ela, acariciando sua bochecha.
Isso a fez sorrir ternamente.
— Você acha mesmo?
— Tenho certeza disso.
— Então, eu acho que não precisamos ter aulas de matemática hoje, não é?
— Sim — sorri maldosamente — Nós precisamos.
Amy bufou, irritada.
— Se vista para o café da manhã — avisei, me levantando e seguindo com o trabalho debaixo do braço.
— Por que eu preciso me trocar se nem vou sair de casa? — resmungou.
— Porque você fica muito fofa de pijama e eu não vou conseguir levá-la a sério — cantarolei por cima do ombro.
— Papai! — ela exclamou, brava.
Eu na estava rindo ao sair e fechar a porta do quarto. Segui para a mesa de café da manhã que Sol havia terminado de colocar.
A mulher já estava sentada em uma das cadeiras, tomando seu café chileno preferido. Juntei-me a ela, já entretido na leitura do trabalho de Amy.
Dei um gole em meu cappuccino com chocolate, ainda preso na leitura.
— Meu Deus — soltei, erguendo os olhos para Sol — Essa menina é genial.
— Solo percebeste ahora? — ela riu.
— Eu me surpreendo a cada dia — falei e sorri — Mas ela é minha filha. É um gênio como o pai.
— Espero que no seja una imbecil como el, también — provocou a governanta.
— Se depender de você, ela vai ser uma menina mimada pela vovó.
— E usted és muy rígido com ella — lançou de volta.
— Aprendi com você.
— Pero, ella és una niña.
— E daí? — dei de ombros — As crianças de hoje em dia são mimadas e preguiçosas. Minha Amy não vai ser assim.
Sol apenas bufou e revirou os olhos.
Eu sempre achei que meu pai era um babaca inflexível e cheio de regras — embora, minha opinião não tenha mudado muito —, porém, agora, na mesma posição que ele, eu entendi que os pais desejam apenas o melhor para os seus filhos. E era isso que eu desejava para Amy. Por isso eu era tão rígido sobre sua educação e instrução. Eu queria que ela fosse uma adulta mil vezes melhor que eu e que fosse auto suficiente, caso eu não estivesse mais por perto para cuidar dela.
Não que eu pretendesse morrer, mas era uma possibilidade da qual ninguém podia escapar. Sendo bruxo, lobisomem ou vampiro.
Amy juntou-se a nós, usando uma blusa lilás, jeans simples e meias cor de rosa.
— Onde estão seus sapatos? — ergui uma sobrancelha, vendo a menina se sentar ao meu lado.
— No meu quarto — respondeu, servindo-se de suco e pegando uma fatia de bolo. Sol logo tratou de colocar algumas frutas picadas em cubinhos e uma tigela para ela.
— Não pode andar descalça, vai ficar resfriada — suspirei, pesadamente.
— Por isso estou usando meias — rebateu — E uma que você também não usa sapatos em casa, papai.
Olhei enviesado para ela.
— Eu nunca mais vou ficar resfriado.
— Não sabe o que está perdendo — cantarolou — A febre, a coriza e os enjoos. A pura definição de sublime.
A encarei de braços cruzados.
— Tá legal, tá legal — disse erguendo os braços e correu com sua velocidade de vampira até o quarto e voltou usando pantufas de coelhinhos — Pronto. Estou usando calçados.
— São pantufas — ergui uma sobrancelha.
— Deja a la chica — Sol sacudiu a mão no ar. Ela não gostava que eu aborrecesse Amy — Ella está usando o que pedió, no?
— Não exatamente… — comecei, porém, fui interrompido ao ver com canto do olho, Amy desfalecendo.
A peguei antes que caísse no chão.
— Amy? Princesa, está tudo bem?
Ela respirou fundo pela canula e abriu os olhos lentamente.
— Eu estou bem, papai — disse com a voz fraquinha — Eu corri até o quarto. Não devia ter feito isso. Desculpa.
— Está tudo bem — falei, a sentando na cadeira com cuidado — Eu não vou brigar com você. Me desculpe.
Seu rostinho havia ficado alguns tons mais pálido. Sol a cercou de cuidados, assim como eu, mas em poucos minutos Amy já havia se recuperado e voltou ao seu modus operandi de comer tudo o que via pela frente. Ela tinha um apetite como o meu, mas também tinha o lado daquela coisa que a sugava, então, comia três vezes mais que uma criança da sua idade.
E isso deixava Soledad radiante, pois ela associava isso à uma boa saúde. Eu que não tentaria explicar à ela que as coisas não eram bem assim.
Após o café da manhã, seguimos para o meu escritório onde passamos algumas horas estudando as matérias que Amy precisava reforçar. Ela era boa em quase todas elas, porém, com as quais não se dava bem tinha mais dificuldade.
Nem preciso dizer que com nossa situação de perseguição por aquela irmandade bizarra e a doença de Amy, ela não podia frequentar uma escola, então, eu quem cuidava desse departamento para ela. Ser o melhor aluno do colegial e ler tanta besteira no Mundo Prisão havia feito maravilhas ao meu intelecto. E agora eu conseguia repassar facilmente o que tinha aprendido para minha filha.
Algum tempo depois, Soledad chamou nós dois para o almoço, mas eu não estava com fome e deixei Amy seguir com ela. Passei a maior parte do meu tempo livre, lendo os grimórios de Bonnie e tentando achar uma saída para a doença de nossa filha e uma forma de libertar Elena daquele feitiço que eu havia criado anos antes.
E droga, nessas horas eu odiava ser tão bom em criar feitiços inquebráveis. Como iria contornar o caos que havia criado com aquela ligação entre a Gilbert e Bonnie? Se fizesse algo errado poderia matar a mãe de minhas filhas ou sua amiga dorminhoca.
E nenhuma das opções era aceitável.
Sem falar no fato de que, se tentasse separar Amy daquela pedra, acabaria matando ela novamente. E isso também não era aceitável.
Eu estava ferrado pra caramba.
***
A semana passou rapidamente e com isto, seguimos com nossa rotina.
Até que Amy simplesmente apareceu na minha frente enquanto eu assistia uma sitcon que passava na TV.
— Papai, posso ter  um celular?
Franzi o cenho, com uma pipoca a poucos centímetros da boca.
— Por que você quer um celular? — questionei.
— Para falar com a Bonnie e a Amy sempre que eu quiser, ué — disse apenas.
Coloquei a tigela de pipoca de lado e limpei as mãos.
— Princesa, você pode usar o do papai sempre que quiser — falei — Não tem nenhum problema…
— Não — ela disse de uma vez — Eu quero ter o meu próprio. A Amy tem um. Por que não posso ter também?
Como eu explicaria para ela, que a mãe dela era uma molenga que fazia as mínimas vontades de sua irmã sem titubear.
— Porque você é muito jovem para ter uma dessas coisas — murmurei, olhando-a nos olhos. Eu sempre a tratava com igualdade e escutava suas questões. Algo que meu pai nunca fez comigo — E não tem nada de interessante em tecnologia. Essas coisas só tiram sua atenção do que importa.
Ela franziu as sobrancelhas, em agonia.
— Mas eu só quero poder conversar com a Eve sempre que eu quiser. Ele é minha irmã. Quero ficar perto dela.
Droga. Isso não era justo.
— Eu posso pedir para sua mãe trazê-la aqui outra vez — tentei.
— E se tivermos que ir embora daqui como fizemos das outras vezes? — questionou com os olhos marejados — Eu quero poder conversar com ela, mesmo que estejamos longe uma da outra. A abuelita disse que você também tinha uma irmã gêmea.
— Espera, quando ela disse…
— Você também não sente falta dela? — me cortou, ainda emocionada.
Ela havia me pegado de surpresa com aquela pergunta. Ponderei por alguns segundos. Então, resolvi ser verdadeiro com ela.
— Sim. Todos os dias.
— Não gostaria de ter uma forma de poder falar com ela? Dizer o que sente e que se preocupa?
Minha garganta ficou apertada.
— Sim. Sempre.
Quando tirei minha vida para me tornar um vampiro, eu estava tão obcecado com a ideia de me vingar de todos que não parei para pensar um segundo em todos os integrantes da Gemini. Não pensei em Jo, que esfaqueei friamente em seu casamento, enquanto, ela estava grávida de minhas sobrinhas. Eu nunca pensei um dia sequer nela quando estava no Mundo Prisão, exceto quando se tratava de remoer meu remorso por ter me enganado e enjaulado naquela dimensão horrível e imutável. Mas, depois de absorver as emoções de Luke e passar pela fase torturante de ser um vampiro jovem, consegui entender que ela fez tudo aquilo para me salvar de mim mesmo. E para salvar a si própria, porque eu era o monstro que a aterrorizou metade da vida dela.
E agora, olhando para Amy, que era a minha imagem — a imagem de Jo —, não conseguia parar de pensar na atrocidade do que eu havia feito.
Amélia fitava meu rosto em expectativa.
Forcei um sorriso e a abracei.
— Claro, princesa — sussurrei contra seus cabelos — Eu dou tudo o que você quiser.
Amy ficou tão feliz e ansiosa que me fez ir até a cidade para comprar o tal celular na mesma hora.
Quando estava saindo da loja com a última geração em ligação telefônica em uma sacola, reparei no homem do outro lado da rua.
As pessoas passavam de um lado para o outro atarefadas, mas não ele. O grandalhão apenas ficou ali me encarando como se eu tivesse um alvo bem no meio do peito.
Parei e fiquei olhando para ele sem nenhum resquício de medo. Eu sabia à qual turma ele pertencia.
— Malachai Parker — o ouvi dizer com minha audição de vampiro — Sabemos que a pedra está com você — disse com uma voz gutural — É apenas uma questão de tempo até sabermos onde a escondeu. Enquanto isso, se fosse você, ficaria de olho nas suas filhas. Algo ruim pode acontecer a elas.
Um tremor de puro ódio me percorreu inteiro. Dei um passo na direção da rua atabalhoada de carros, pouco me importando que houvesse uma porção enorme de humanos em volta. Eu mataria aquele cara ali mesmo.
Um carro buzinou e freou derrapando, parando a poucos centímetros de me acertar. E isso me distraiu apenas um segundo, porém foi o que bastou para que aquele maldito desaparecesse no meio da multidão.
Fiquei ali, parado olhando para os transeuntes na calçada oposta, enquanto, os carros buzinavam formando uma fila. Mas eu havia perdido ele de vista.
Meu primeiro instinto foi pensar em correr até Amy para saber se ela estava bem, mas isso seria idiotice e os levaria diretamente até ela. Eu precisava raciocinar e ser mais frio.
Marchei de volta até o carro e o vasculhei de cima abaixo, procurando Deus sabe o que. E pensei que estava realmente ficando paranoico até que fiz um feitiço simples de desocultação. E então, uma coisa caiu no meu colo, vinda do nada.
Peguei o emaranhado de palha, misturado à uma vela queimada e penas de animais. Vudu. Aquilo era uma espécie de rastreador.
Aquele cara não estava apenas me ameaçando, estava me distraindo enquanto outro deles colocava aquilo no meu carro.
— Merda — soltei, dando um murro no volante.
Eles estavam ficando cada vez mais ousados. Tudo isso porque eu me recusava a fugir deles. E se o fizesse agora, viveria assim para sempre ou até minha filha morrer.
E isso eu não aceitaria.
Tirei a caixa do celular da sacola de papel e o guardei no bolso da jaqueta. Tirando isso, abandonei tudo o que estava nele. Não dava para ter certeza se ele não estava repleto de feitiços.
Então, caminhei para longe dali, olhando para todos os lados. Olhei para o relógio de pulso. Eram duas e meia da tarde. Bonnie ainda estava no escritório e Eve na escola.
Segui para o local mais próximo.
Adentrei a pequena recepção bem decorada e com uma pequena escrivaninha organizada e cheia de bibelos. Não havia ninguém para me atender ali, então, lembrei de que Bonnie havia dito que sua secretária fora morta pelos Irmãos. Provavelmente, eles ainda não haviam contratado alguém.
Então, me aventurei pelos corredores do pequeno prédio, torcendo para encontrar a sala da bruxa rapidamente.
E para minha surpresa, deparei-me com um rapaz alto, musculoso, metido em uma roupa social estúpida. Tyler Lockwood.
— Kai — meu nome saiu como um rosnado por seus lábios.
— Oi, Tyler — falei simplesmente — Eu não vejo você desde que mordeu meu ombro com suas presas no casamento da minha irmã.
— Que você matou — salientou — Assim como matou, Luke e Liv.
— Sim — concordei com pesar.
— Você continua o mesmo sádico frio e cruel — acusou — Seu rosto nem mesmo muda com o assunto.
— O que eu fiz foi horrível — anui com a cabeça — E não tenho como voltar atrás e mudar o passado.
— Só isso? — seu olhos negros estavam cheios de ódio e mágoa — Você diz que se arrepende e pronto? Isso não muda o fato de que matou a mulher que eu amava!
— Acredite — falei — Eu vivo no meu próprio inferno.
— Não mais do que eu! — exclamou e veio na minha direção com os punhos em riste.
Pelo que sabia, Tyler não se transformava mais fazia algum tempo, então, ele não seria um empecilho tão grande em meu caminho.
Foi o que pensei até receber o maior soco da história e meu maxilar sair do lugar. Quando me voltei para ele, com o rosto queimando de dor, vi seus olhos amarelo ouro.
O fato de ter sua maldição sob controle, não significava que ele não tinha um resíduo dos genes licantropos em suas veias.
Coloquei meu maxilar no lugar e me preparei para lutar de igual para igual, porque simplesmente não tinha tempo para brincar de macho alfa com Tyler Lockwood.
Até que Bonnie abriu a porta subitamente, ficando entre nós dois.
— Tyler o quê…? — e parou ao ver seus olhos dourados, olhando-me com ódio — Kai? O que está fazendo aqui?!
— Bonnie, sai da frente! — urrou Tyler, com uma postura um tanto animalesca demais — Eu vou matar esse monstro!
E lançou-se na minha direção. Tive tempo apenas de empurrar Bonnie para dentro do escritório, antes do corpo enorme daquele cara se chocar contra o meu e empurrar-me contra o piso, fazendo nós dois deslizarmos até atingir uma das paredes que rachou fazendo o reboco chover como neve.
Ele tentou abocanhar meu pescoço com suas presas e, rapidamente, ergui meu braço, criando uma espécie de barreira. Porém, isso foi ruim, pois aquele cachorro louco, o mordeu, afundando suas presas em minha carne.
Pude sentir o veneno de lobisomem queimando na região da mordida.
— De novo, não! — urrei, usando os braços e as pernas para lançá-lo do outro lado do corredor.
Tyler bateu na parede com uma força de esmagar ossos e caiu no chão como uma boneca de trapos. Mas, isso, não o impediu de levantar-se e ficar em posição de ataque novamente.
Fiz o mesmo e me preparei para derrubá-lo de novo. E do nada, Bonnie saiu de sua sala e sem dizer uma palavra me prendeu contra uma parede com um movimento de mãos e ergueu a outra na direção de Tyler.
— Terra Mora Vantis, Quo Incandis! — recitou — Terra Mora Vantis, Quo Incandis! Terra Mora Vantis, Quo Incandis!
A cada vez que dizia isso, Tyler se encolhia mais contra o piso, ganindo e arranhada o ar com as garras. Mas, não podia fazer nada, pois estava incapacitado pelo feitiço. Bonnie o forçou ao seu limite, até que pelo esforço da mini transformação, ele acabou desmaiando.
Bonnie parou, arfando e tremendo.
— Que droga… — disse, apoiando uma das mãos em uma parede — Vocês sabem que eu não posso usar meus poderes assim! Vão acabar me matando!
Ela parecia enjoada e a ponto de desmaiar.
Senti a pressão em meu corpo ceder de imediato.
— O que veio fazer aqui, Kai? — perguntou, erguendo a cabeça e pude ver que seu nariz estava sangrando e seu rosto estava pálido.
— É urgente — falei rápido — Eles ameaçaram as gêmeas.
Não precisei dizer seus nomes para Bonnie assimilar quem eram "eles."
— Como assim?
— Um deles me disse isso agora. Em plena luz do dia.
Os olhos dela ficaram maiores.
— Eve — sussurrou, já atravessando o corredor em direção à saída — A Amy está segura?
— Sim — falei, sugando a magia da mordida de lobo em meu braço, o que o fez se curar rapidamente — Os feitiços na casa impedem qualquer ameaça de entrar.
— Tem certeza disso? — perguntou, pegando um lenço de papel na mesa da secretária e limpou os resquícios de sangue de seu rosto — Ela está segura mesmo?
— Tenho certeza — assenti.
Bonnie apenas correu até sua picape prateada e entrou. Fiz o mesmo, me juntando à ela no banco do carona.
Ela dirigiu loucamente pela cidade, costurando entre os carros e atravessando vários sinais vermelhos. Tudo para conseguir chegar a tempo.
O automóvel nem havia parado de andar direito e ela correu para a entrada da escola primária no exato momento em que o sinal tocou e todas as crianças saíram. Fiquei avistando de longe e dando cobertura caso houvesse um ataque surpresa.
Quando viu nossa filha, Bonnie caiu de joelhos e a abraçou chorando. Eve ficou sem entender nada e apenas abraçou sua mãe de volta.
A bruxa pegou a menina no colo e praticamente correu com ela nos braços para o automóvel. Tentou afivelar o cinto da criança, mas suas mãos tremiam, então, eu me encarreguei disso.
— Pai — Eve murmurou, preocupada — O que está acontecendo? Por que a mamãe está tão nervosa?
Afastei alguns fios de cabelo de seu rosto e tentei ser o mais confiante possível.
— Nós explicamos depois, certo?
Ela assentiu, séria.
— Certo.
Bonnie dirigiu até sua casa rapidamente. Sua cabeça girando de um lado para o outro em busca de uma possível ameaça latente. Depois que ela estacionou e pegou Eve nos braços, a segui até dentro da construção branca e antiga.
E mesmo protegidos na residência, Bonnie andava de um lado para o outro com Eve nos braços. A menina não parecia entender nada do que estava ocorrendo.
— Mamãe — ela disse, tocando delicadamente o rosto da vampira — Pode me soltar agora.
Bonnie piscou aturdida e a colocou no chão. Seus olhos verdes miraram os meus com seriedade.
— Querida — disse — Eu preciso conversar com seu pai. Vá para o seu quarto.
Eve ainda a fitou por alguns segundos, avaliando a situação e, provavelmente, viu que sua mãe não estava no melhor dos humores, então, apenas assentiu e caminhou para fora da sala.
— O que houve exatamente, Kai? — perguntou.
Relatei rapidamente a pequena ameaça sofrida em plena luz do dia e as características de nosso coleguinha assediador.
— É o mesmo homem que vi a alguns anos atrás no território de Apollon e no Mistyc Grill — assentiu.
— Eles estão apertando o cerco, Bonnie. Estão tentando nos encurralar até em lugares conhecidos.
Bonnie apenas ergueu uma sobrancelha, me encarando.
— Eu sei onde está querendo chegar. Não vou fugir com você.
– Eu não disse nada — ergui as mãos, em sinal de rendição. Embora, isso tenha soado cínico até para mim mesmo.
— Não precisa. Dá para ver as engrenagens se movendo nessa cabecinha pérfida — ralhou com as mãos na cintura — Não. Aqui é minha cidade, eu cresci aqui e todos os meus amigos estão aqui. Eles não têm esse direito.
Cruzei os braços.
— Enquanto, você faz esse discurso sobre direitos e tal, os Irmãos estão procurando uma forma de pegar a pedra. E não vão parar apenas porque você quer que eles o façam. Eles vão passar por cima de tudo e qualquer um para chegar no objetivo deles que é a Amy.
Toda a sua postura se desarmou.
— Eu não quero ter que me esconder para o resto da vida com as meninas.
— Eu sei — assenti — Isso não é vida para ninguém. Mas você precisa encontrar uma forma de se proteger deles. Porque eles não vão hesitar em usar você e Eve para me atingir.
— Eu estou protegida — ela disse apenas, gesticulando em volta — Minha casa possui uma barreira mágica…
— A barreira que Eve destruiu quando estava em transe? — sorri para sua ingenuidade — A mesma que ruiu e as fez serem perseguidas pela cidade? Não me leve a mal, Bonnie, mas você sempre foi ingênua no que se trata do inimigo — e dei um tapinha na parede, fazendo uma chispa de luz irradiar no ar — Eu consigo derrubar essa barreira novamente sem nem mesmo usar dez por cento do meu poder. Eles ainda não invadiram sua casa novamente porque provavelmente estão esperando por algo. Talvez mais tempo para conseguir localizar a pedra com exatidão.
Bonnie engoliu em seco.
— O que sugere, então?
— Eu poderia reconstruir a barreira com um feitiço mais complexo, mas duvido que suas ancestrais deixariam um poder estranho se misturar com os dela — olhei em volta, suspirando — A casa está cheia da presença das Bennetts. E elas não parecem gostar de mim nem um pouco.
Dava para sentir no ar as emoções das ancestrais mortas de Bonnie. Toda vez que eu entrava ali conseguia escutar todas as vozes daqueles mulheres fortes me mandando sair como se eu fosse um intruso. Era bem irritante na maioria das vezes. Já era suficiente que eu tivesse uma multidão que me odiava em minha mente, não precisava de outra.
— Acho que você deveria achar outro lugar para ficar — finalizei — Um com energia mais maleável.
Ela pensou por um segundo.
— Tem a casa do meu pai — sugeriu — Bom, mas está alugada nesse momento…
Cruzei os braços e fiquei esperando que ela se desse conta em seu próprio tempo.
— Também temos a Caroline — pensou em voz alta — Acho que ela não se importaria de ficarmos lá… — e parou por um segundo — Não. Não é uma boa ideia. Não posso envolver as filhas dela nisso.
— Que tal o Rick? — lancei no ar, torcendo os lábios para não rir — A esposa dele é uma bruxa, não? Poderia ajudar.
Bonnie pensou por mais alguns segundos.
— Não. Eu não posso arrastar esse tipo de problema para o Rick e a Gen. Eles não merecem isso. E uma que a Genesis já fez tanto por mim, que eu não poderia pedir mais nada à ela.
Aquela era uma parte desconhecida da vida de Bonnie para mim. Pelo menos ao que se refere aos primeiros anos de vida de nossas filhas. Muita coisa havia sido construída sem a minha presença e isso era doloroso. Saber que ela teve uma vida sem mim e que foi melhor assim.
— Bom, sempre temos os amados irmãos Salvatore — cantarolei, já ficando entediado com a situação — A casa deles é como coração de mãe, não? Sempre cabe mais um.
Eu teria que conduzir a situação o mais suavemente possível, pois Bonnie percebia certas sutilezas como a manipulação de longe.
— Sim — ela deixou as unhas longas correrem pelos lábios cheios — E teríamos o adicional de dois vampiros mais fortes para nos proteger.
Bonnie ficou em silêncio, pensativa.
— Mas a mansão é muito desprotegida. E não acho que minhas ancestrais ajudariam a levantar uma barreira em volta da casa de dois vampiros — bufou — E nem posso ousar pedir ajuda à Tyler e Matt. Eles odeiam você.
Eu quase podia sentir o gostinho da vitória.
— E… — iniciei, como quem não quer nada —... se você e a Eve ficassem lá em casa? A barreira é muito mais forte e com o adicional das armadilhas, aquilo é quase como uma fortaleza. Eles não conseguiriam entrar nem que quisessem. Você e Eve estariam seguras.
Bonnie me olhou de cima a baixo com cara de poucos amigos.
— Você estava planejando isso desde o início, não é?
— Não sei do que está falando — sorri maldosamente — Apenas estou oferecendo a proteção e conforto do meu lar para a mãe das minhas filhas.
A bruxa sacudiu a cabeça em negativa.
— Não vou ficar naquela casa com você.
— A Amy também mora lá — lancei, tentando seduzi-la com a ideia — E a Sol. Sei que gostaria de ficar perto delas.
Bonnie mordeu o lábio inferior, hesitante.
Dei um passo em sua direção.
— Poderia ver a Amy todos os dias. E abraçá-la sempre que quiser e a veria crescer.
Pude ver em seus olhos, uma vida feliz com as meninas se desenrolando e tomando forma. Amy era seu sonho inalcançável. E eu poderia oferecer isso à ela.
Então, Bonnie respirou fundo.
— Não — disse apenas — Eu posso continuar onde estou. E vou proteger Eve com os meus meios. Se o fiz até agora, não vai ser porque esses desgraçados surgiram que eu não vou esmagar qualquer um que tentar machucar minha filha.
Seus olhos se encheram de veias negras e suas presas se alongaram.
A parte racional de minha mente apenas se rebelou contra sua decisão como uma criança birrenta. E a outra, mais animalesca, apenas pensava: "Que mulher sexy do caralho!"
— Bonnie — falei, usando meu último recurso — Tente ser racional e não ser tão cabeça dura para variar, ok?
Seus olhos suavizaram e ela voltou a forma humana. Prossegui.
— Você tem um lugar seguro para ficar e ainda tem o adicional de poder ficar com Amy. E está trocando tudo isso porque não gosta de mim?
— Sim — ela assentiu simplesmente.
— Você está achando o que? Que vou prendê-la num quarto feito o Barba Azul?
— Sim — respondeu.
Revirei os olhos e a encarei de cima abaixo com desdém.
— Você é muito arrogante, sabia?
— Arrogante?
— É — afirmei — Acha que eu não superei você depois de todos esses anos? Eu conheci garotas mais legais que você e tive relacionamentos saudáveis que não me deixavam fora de mim.
Ela ergueu as sobrancelhas com cinismo.
— É mesmo? Não estou vendo você casado.
Tive que segurar minha língua para não dar uma resposta mordaz e botar tudo a perder. Porém, eu não sou de ferro:
— E você nem é tão bonita assim — soltei, cruzando os braços.
— Não sou? — o sorrisinho cínico ainda estava lá.
— Não — sacudi a  cabeça — Você tem esses olhos que ficam encarando as pessoas com ar de julgamento o tempo todo. Isso é irritante pra caramba.
— Sério? — ela imitou minha postura.
— É — concordei — Sem falar que você é baixinha demais.
— Sou, é?
— Sim — assenti novamente — Você mal bate na metade do meu peito. Discutir com você é como brigar com uma adolescente por causa da sua altura.
— Acho que isso diz muito sobre seu gosto, não? — lançou, ainda sorrindo.
Semicerrei os olhos, irritado.
— E você parece uma defunta quando dorme — nem eu sabia de onde havia saído aquilo — Nunca vi uma pessoa tão imóvel quanto você. Eu tinha que checar para ter certeza se ao menos estava respirando.
Seu sorriso se alargou.
— Você me olhava dormir?
Droga. Meu rosto ficou tão quente que até senti as pontas de minhas orelhas ardendo.
— Não muda de assunto — resmunguei, olhando para qualquer lugar, menos seu rosto delicado com aquele sorriso estonteante — Quer saber? Eu vou pra casa. Se perceber que eu estava certo todo esse tempo, sabe meu número.
E marchei em direção à saída.
— Ei, irritadinho — ela chamou.
Eu pretendia sair com o que restou de minha dignidade, mas como a droga do cachorrinho estúpido que eu era, girei em sua direção quase que de imediato.
— Você está convidado para um jantar na casa da Caroline amanhã — disse apenas.
Ergui uma sobrancelha.
— A Caroline me convidou?
— Sim.
— Para um jantar?
— Uhum.
— Na casa dela?
— Isso.
— Por que? — inclinei a cabeça, confuso.
— Ela quer conhecer a Amy — deu de ombros — E apresentar suas filhas à ela.
Eu estava entendendo a situação tanto quanto um urso de saia. Fiquei tão pasmo que apenas assenti com a cabeça.
— Então, esteja amanhã na casa da Caroline às oito. E Kai.
— Sim? — eu ainda estava desconfiado.
— Se comporte, por favor. Se não por mim, ao menos, pelas suas sobrinhas.
Franzi o cenho e assenti lentamente.
— Ok.
Saí sem dizer mais nada.

💀💀💀💀💀

Nota da Autora:

Olá meus queridos!

Rolou de tudo um pouco nesse capítulo, não? Nisso que me soltar de madrugada sem ter nada pra fazer 🤣

E eu tinha deixado no meu perfil uma mensagem sobre capítulos maiores. Acho que vai ser muito melhor pra todos manter essa linha, pois assim, eu consigo entregar capítulos mais completos pra vocês e também consigo ficar mais satisfeita com meu trabalho.

Espero que tenham gostado. No próximo capítulo teremos coisas inusitadas 😎

Beijinhos XXX 💋 Até o próximo!

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