As Incertezas da Fortuna

Av Noveletter_

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Autora: Marina Orli "Mylène Dupain e Gaspard Orléans estão noivos!" E em meio à nobreza de Chambeaux, os dois... Mer

Conheça os Personagens!
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19 - Fim da Temporada
Disponível em E-book!

Capítulo 16

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Av Noveletter_

Aviso: Essa obra de ficção contém cenas incômodas envolvendo abuso psicológico e gaslighting parental. Este capítulo menciona internação forçada, homofobia e violência étnica.

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Depois de chorar feito uma criança por horas, Gaspard teve uma febre tão alta que quase o fez desmaiar. Na cama, seu estado de consciência alternava entre sonho, delírio e flashes de lucidez que o faziam balbuciar palavras soltas e lamentar ter vindo ao camp até, em algum momento, conseguir adormecer no final da tarde. Ao despertar, reparou que Teresa colocava uma compressa de água fria em sua testa mais uma vez. Ela tinha sido a única constante em meio ao dia que, para ele, só poderia ser descrito como um borrão.

— Finalmente seus lábios voltaram a ter cor — comentou assim que percebeu que ele estava acordado. — Está com fome?

Gaspard respondeu por impulso, negando levemente com a cabeça.

— Ainda assim, precisa se alimentar.

Dizendo isso, ela mergulhou a compressa num balde de madeira e se virou para trás. Quando retornou, trazia em suas mãos uma garrafa de água e uma tigela com uvas, maçãs e avelãs. Na mesma hora, o estômago de Gaspard se revirou. Não saberia afirmar se de enjoo ou fome.

— Bom, você não precisa comer agora, mas não vai escapar da água! — Teresa disse, colocando a garrafa ao lado dele. — Consegue se levantar?

Ao tentar se mexer, deu-se conta de sua fraqueza. Ainda assim, não pediu ajuda. Teresa já o ajudara demais e, de certa forma, começava a sentir vergonha por tudo que não conseguira fingir ou controlar na frente dela. Ela o provocava, mas em nenhum momento fazia piada da sua vulnerabilidade.

Agora notava o quanto estava vulnerável desde o momento que se conheceram. Era como se, aos poucos, ele tivesse tirado várias camadas de uma armadura de guerra. Só que, ao despi-la por completo, não havia mais o Gaspard Orléans que ela avistara no festival da primavera.

Parecia leviano focar em sua imagem naquele momento, mas havia certa lógica por trás: ele era um homem vaidoso. Sim, a alta sociedade Beau exigia ternos alinhados, sapatos polidos e cabelos sem um fio fora do lugar. Só que, no fundo, ele gostava daquilo. E, pensando bem, era o único aspecto de si que nunca mudara.

— Como eu estou? — ele perguntou, antes de tomar um longo gole de água.

— Não é você que deveria me responder essa pergunta? — Teresa rebateu, confusa com o questionamento de Gaspard.

— Eu me sinto como um trapo humano... — resumiu o seu estado mental e emocional. — Mas estou falando de aparência mesmo. Como estou?

— Sem dúvida, um trapo humano — ela respondeu com um meio sorriso.— Mas nisso podemos dar um jeito agora, se quiser.

— Eu... quero.

Sem perguntar mais nada, Teresa se levantou e foi até o baú onde guardava seus pertences. De onde estava, Gaspard viu que ela pegou um pente e um vidrinho de bálsamo parecido com os que já vira Mylène portar na bolsa. Depois se sentou no colchão com ele e pediu que virasse de costas para "lavar" e pentear o seu cabelo.

— Às vezes, durante as viagens da caravana, não temos tempo para tomar um banho decente. Daí eu gosto de aplicar essência no couro cabeludo — ela explicou com uma voz branda no ao mesmo tempo que Gaspard sentia algo sendo derramado sobre a sua cabeça. — Minha vó me dizia que era para evitar piolhos, mas confesso que uso até hoje apenas por conta do aroma.

Gaspard fechou os olhos por alguns segundos e inspirou fundo. Imediatamente, os cheiros de canela e hortelã tomaram suas narinas. Era o mesmo perfume que sempre emanava de Teresa.

— E você pegou piolho alguma vez na vida?

— Por incrível que pareça, não!

Gaspard não podia vê-la, mas conseguiu imaginá-la sorrindo com a constatação.

— Preciso levar essa essência para a capital. Vou ficar rico, porque eu mesmo tive a cabeça infestada por eles mais de uma vez. Da última que me lembro, precisei raspar todo o cabelo.

— Não acredito! — ela exclamou, até parando de massagear a cabeça dele. — Olha, eu não conheço a sua fama, mas tenho certeza que ela envolve aquele seu rabo de cavalo alto... Como foi ficar completamente careca?

— Foi até refrescante, mas apenas porque era verão. Lidar com as outras crianças do liceu era complicado, mas não tinha problema, Marianne sempre aparecia para...

"Me defender" seria o final da frase Gaspard que não conseguiu terminar.

— Ela te defendia, não é? — Teresa perguntou, impedindo que o silêncio caísse sobre eles.

Como resposta, Gaspard soltou apenas um "aham".

— Isso é tão a cara da Marianne — ela continuou. — Sei que deve ser difícil de acreditar, mas fui uma adolescente um tanto desengonçada. E ainda assim, eu almejava ser uma dançarina de caravana. Virei a chacota entre os jovens do camp na época! — exclamou, parando de massagear a cabeça dele e começando a pentear seus longos fios lisos. — Quando Marianne percebeu o que estava acontecendo, ela não só deu uma lição de moral em todo mundo, como virou a minha maior incentivadora.

"É, isso era a cara de Marianne", Gaspard pensou. Não achava que Teresa desistiria da dança por conta de adolescentes idiotas, mas se sentia orgulhoso em saber que a irmã a apoiara daquela maneira.

— Que inveja... — ele acabou falando sem perceber. Porém, diferente das outras vezes, não sentiu vergonha de expressar o que realmente estava sentindo. — Minha adolescência foi bem solitária. Muitas vezes me peguei perguntando se as coisas seriam diferentes se Marianne estivesse comigo.

— E você ainda acha que seriam?

— Costumava pensar que sim. Mas agora, depois de tudo que descobri, sei que a resposta é "não" — Gaspard respondeu com um sorriso amargo. — Marianne estaria no hospício ou casada por obrigação. De todo jeito, eu acabaria sozinho.

— Nada de sorte para o jovem Gaspard — Teresa disse num tom brincalhão e carinhoso. — Vou te contar um segredo romani. Como Beau, você naturalmente não merece saber isso, mas acho que por ser a pessoa que é, você deveria ter essa informação.

Intrigado, Gaspard se afastou o suficiente de Teresa para se virar e ficar de frente para ela na cama. Isso fez com que a Romaine o encarasse e soltasse mais uma de suas provocações:

— É, não tenho mais dúvidas de que a sua fama reside no cabelo mais bem cuidado de Chambeaux!

— Presumo que minha aparência não seja mais de um trapo humano. — Ele não se intimidou como das outras vezes.

— Interprete como quiser! — Teresa brincou, mas logo sua expressão provocadora se abrandou. — Como estava dizendo, vou te contar um segredo do meu povo. Promete guardá-lo com carinho?

— Sim, eu prometo — respondeu sinceramente, como se o General Nord estivesse lhe passando uma incumbência de segurança nacional.

— Certo... — ela disse, segurando uma das mãos de Gaspard. — Nós Romaines acreditamos na leitura da sorte e das estrelas, mas nunca completamente.

— Como assim?

— Por exemplo, quando analiso a sua palma, vejo que a sua linha da vida é longa e nítida, o que significa que você é um homem forte e capaz de ultrapassar qualquer desafio. — Teresa apontou uma linha perto de seu polegar. — Mas digamos que ao invés de seguir em frente após a separação de Marianne e da morte de seus pais, você tivesse se tornado alguém que não se alimenta bem e que ainda desenvolveu um vício por xerez. Como estaria a sua vida nesta realidade paralela?

Depois de pensar por um breve instante, Gaspard respondeu:

— Se tivesse entrado no exército nessas condições, talvez já tivesse sido morto durante a Guerra do Leste.

— Morto apesar de sua sorte indicar que superaria tudo! — Teresa exclamou. — Porque é isso que a sorte é: possibilidade e escolha. Não adianta ter a roda da fortuna ao seu favor se você não escolhe estar a favor de si.

O Beau ficou sem palavras.

Em sua confissão, Teresa assumia que a leitura romani era falha. Esse tipo de autocrítica Gaspard nunca seria capaz de fazer. Se tivesse ouvido isso no dia em que se encontraram, teria rido e dito novamente que tudo não passava de charlatanismo. No entanto, a fala ganhava um significado completamente diferente, mostrando que os Romaines acreditavam que cada um possuía o poder de construir a própria sorte. Era uma crença muito poderosa.

Refletindo mais um pouco, conseguia enxergar que, de certa maneira, havia cumprido o que a sua linha da vida ditava. Mesmo com uma adolescência solitária, infeliz e repleta de crises de insônia, Gaspard em nenhum momento deixou de se cuidar, frequentar o liceu e almejar o sucesso. Claro que isso também fora possível por conta do marquesado da família Orléans, mesmo que quase falido, já que nunca lhe faltara recursos mínimos para sobreviver. E também poderia contar com Tia Greta, que não saíra de seu lado desde a morte dos pais.

Ainda assim, quantos colegas da nobreza Beau haviam fracassado ou perecido tendo o mesmo ou muito mais do que ele?

Pela primeira vez desde que começara a jornada para reencontrar Marianne, Gaspard sentia um pouco de orgulho de ser quem era. Sim, tinha muitos defeitos, mas estava ali, enfrentando suas decisões do passado e buscando tomar outras melhores no futuro. Ainda que não estivesse completamente bem, tinha um pouco mais de confiança para encarar seus medos.

— Obrigado por compartilhar esse segredo comigo, Teresa — ele agradeceu com um raro sorriso, apertando a mão dela. — Você poderia chamar a Marianne, por favor?

***

Dessa vez, Gaspard recebeu Marianne no cort com uma boa aparência, cabeça erguida e coração aberto. Quanto à irmã mais velha, ela já não portava as feições tensas e, depois de tantos anos, Gaspard estava feliz por presenciar o sorriso gentil que sempre via em suas lembranças. Separados por tanto tempo, apesar dos laços sanguíneos, ele agora reconhecia que os dois eram completos estranhos e a relação que um dia tiveram já não existia mais.

— Que tal se a gente sentar e simplesmente conversar? — Marianne sugeriu após esse momento inicial. — Eu sei que te abandonei, mas não teve um dia desde que fugi que eu não tenha pensado em você.

Gaspard observou os olhos de Marianne marejarem. Provavelmente, ela estava revivendo o encontro que tiveram mais cedo, no qual ele a acusou de deixá-lo.

— Se não tivesse me abandonado, você teria sido enviada para um hospício. Da mesma forma que fizeram com Adele Curriel.

Ao ouvir aquilo, Marianne levou as mãos à boca, completamente horrorizada com o destino da antiga "melhor amiga". Um destino que também seria o dela, se ela não tivesse escolhido a si mesma.

— Na noite anterior à minha fuga, papai e mamãe fizeram a última ameaça. Eles descobriram que eu me correspondia com Tamara sempre que ela passava perto da capital... Foi aí que eu percebi que não podia mais ficar na mansão... dos Orléans.

Da maneira que pronunciou o nome da família, Gaspard compreendeu o quanto de mágoa a irmã ainda guardava. Agora ele sabia o que a levara a fugir, mas quanto mais Marianne deve ter sofrido antes, em silêncio? Talvez se fosse mais velho na época, pudesse tê-la apoiado de alguma forma.

— Como... Como estão os nossos pais? — Marianne tomou a fala novamente, segurando as mãos que pareciam tremer um pouco.

— Os dois já faleceram.

— Oh... — foi tudo que Marianne conseguiu expressar.

Da forma que Teresa narrara a chegada de Marianne ao camp, Gaspard achou melhor não entrar em detalhes sobre a morte dos pais quando encontrasse a irmã. Se fosse para ela se sentir responsável pelo que acontecera com eles, Gaspard preferia carregar essa culpa sozinho.

— Somos eu e tia Greta desde então. Ela não mudou quase em nada. Apenas a língua está mais afiada. Sim, isso é possível.

— Pelo menos não dá para ficar entediado perto dela!

— De fato, disso não posso reclamar.

Apesar das lágrimas escapando pelos olhos cinzentos, Marianne sorriu diante da constatação sobre a tia. O plano de desviar o assunto espinhoso que era a morte dos pais havia dado certo. Ele continuou, engatando mais perguntas sobre Tamara e a vida no camp.

Porém, enquanto Marianne ficava cada vez mais calma e descontraída, ele precisava disfarçar a ansiedade que crescia dentro do seu peito. Em algum momento, sabia que o assunto sobre quem ele era e o que fazia surgiria. Gaspard ainda estava munido de coragem após a conversa com Teresa, mas isso não o deixava menos nervoso.

— Agora chega de falar de mim! — Marianne falou depois de sentir que já tinha contado tudo para o irmão. — Teresa comentou rapidamente que quando se conheceram no festival da primavera, você estava acompanhado de sua noiva. Quem é a felizarda?

"Mylène..."

Gaspard estava tão preocupado com a revelação de que era um capitão do exército Beau que acabou se esquecendo completamente da amiga. Quer dizer, noiva. E foi aí que percebeu o quanto o arranjo entre os dois era um absurdo. Em troca do dote e de herdeiros, Mylène se casaria para salvar a mãe e estudar o que amava. Como ela aceitara aquele acordo?

Desespero.

Lembrou-se do estado em que ela se encontrava quando se viram pela primeira vez. Ele ouvira o relato de Mylène e, mesmo revoltado com a situação de Avril Dupain, tivera a audácia de sugerir um noivado falso entre eles. Como ele pudera ser uma pessoa tão desprezível?

— É um casamento arranjado. Mylène definitivamente não merece alguém como eu...

— Por que diz isso? — Marianne perguntou preocupada.

— Ficamos noivos porque o pai de Mylène é um crápula completo, que envenena a esposa em segredo e só se importa em entrar oficialmente para a nobreza Beau. E ao invés de ajudá-la a sair das garras dele, propus que nos casássemos porque precisava de alguém para perpetuar a família Orléans. — Gaspard soltou tudo de uma vez, para o completo espanto da irmã mais velha. — E como se não bastasse eu ser esse tipo de pessoa fria e calculista, ainda sou o Capitão do Oeste, um cargo de alta patente do exército. Eu sou um Beau perfeito e eu me odeio por conta disso.

Marianne ficou sem reação por alguns segundos, tamanho o susto com o despejo de palavras do irmão mais novo. Não sabia o que falar, tampouco como agir. E, de repente, ela não conseguia se concentrar devido a uma briga que acontecia do lado de fora e chegava aos seus ouvidos.

— Eu não acredito que você trouxe um cão do exército aqui! — a voz de Tamara ficou mais clara do que nunca.

— Ele é o irmão da Marianne! — Teresa argumentou.

— Não interessa quem ele seja! Se faz parte do exército, não é confiável! — Tamara rebateu, surgindo pela entrada do cort e apontando o dedo indicador para Gaspard. — Você vai embora daqui agora mesmo!

— Por Kali, Tamara! Controle-se! — exclamou Teresa, aparecendo logo atrás da irmã.

— Eu não vou me controlar! Você sabe muito bem o que aconteceu da última vez que soldados Beau apareceram no nosso camp — ela vociferou antes de agarrar o braço de Gaspard.

COD ROSU! COD ROSU! — uma voz masculina surgiu aos berros pelo acampamento, fazendo com que Tamara, Teresa e Marianne trocassem olhares entremeados de surpresa e pavor.

— Oh, não... — Teresa lamentou.

— Foi você, não foi, seu cretino?! — Tamara voltou a se concentrar em Gaspard, enquanto "cod rosu" continuava a ser entoado pelo camp. — Confesse que você deu a nossa localização para o exército! Como pôde fazer isso com a sua própria irmã?!

— Hã? Claro que não! — Gaspard finalmente conseguiu reagir para se defender. — Apenas meu cocheiro de confiança, tia Greta e Mylène sabem da minha viagem, mais ninguém tem ideia de onde estou!

— Mentira! — Tamara gritou.

— Pare, Tamara! Se não confia nele, confie em mim! Eu estava com ele o tempo todo, lembra? — Teresa interveio mais uma vez.

— Sim, assim como eu também me lembro do quanto você tem uma tendência de confiar em qualquer homem bonito que aparece na sua frente!

O último comentário fez com que os olhos de Teresa se arregalassem, ardendo de raiva. Teresa, porém, teve a proeza de se controlar. Respirou fundo duas vezes, ainda encarando a irmã mais velha e disse entre os dentes:

— Vamos logo. O frate logo dará os detalhes do cod rosu na clareira.

— Vamos nada! Este homem precisa ir embora daqui agora!

— Ele vai assim que ouvirmos sobre o cod rosu. Estamos perdendo muito tempo aqui!

Claramente, Tamara ainda não estava satisfeita com a resposta de Teresa, mas concordava com a irmã. E ela mais do que ninguém sabia o quanto tempo era valioso naquele momento.

***

Frațilori! — o homem começou a falar no meio da clareira, onde todos do camp estavam reunidos. — Chegou às cidades do sudeste a notícia de fugas da prisão da capital e, entre os fugitivos, estão dois Romaines. Como eles são aliados do rebelde Henri De la Source e acredita-se que ele tenha uma base por esta região, temo que todos corramos perigo.

Ao ouvir sobre o homem mais procurado de Chambeaux, Gaspard não conseguia acreditar que De la Source havia feito o impossível de novo, visto que a prisão da capital era o local mais vigiado de Chambeaux, assim como a Maison d'Argent e o castelo do rei. Entretanto, ainda não compreendia a ligação entre ele a segurança do camp. Pela quantidade de "Por Kali" que surgiram após a fala do homem, inferira que era algo grave.

— Vocês ouviram o frate — uma senhora que parecia a mais velha do camp se manifestou. — Peguem seus pertences. Partiremos em uma hora!

— O quê?! — Gaspard exclamou, sem entender o que estava acontecendo.

— Hipócrita... — Tamara sussurrou, mas de um forma que somente os quatro pudessem ouvir. — Vamos, Marianne. Precisamos pegar as nossas coisas e partir!

— Partir? Partir para onde? — o Beau se desesperou e se voltou para a irmã mais velha, que não proferira nenhuma palavra desde que deixaram o cort de Teresa. — Marianne, o que está acontecendo?

— Não se aproxime dela! — Tamara o empurrou com uma força inesperada para alguém com pouco mais de um metro e sessenta de altura. — Teresa, trate de dar um destino para esse cretino antes de se juntar à caravana de partida.

— Certo... — ela respondeu, cerrando os pulsos ainda com raiva da atitude de sua irmã. — Vamos, Gaspard.

— Calma, isso é uma despedida? — ele questionou exasperado enquanto Tamara puxava Marianne para longe dele. — Marianne! Ei, Marianne! — gritou.

Porém, em nenhum momento, ela se virou para encará-lo. Aquela seria a última vez que os dois se veriam? Sabia que em algum momento precisariam se separar de novo, mas aquela definitivamente não era a cena que queria guardar na memória.

Isso acabou com ele.

— Teresa, você pode me explicar... — Gaspard começou a sentença sem terminá-la.

— Não temos muito tempo. Vamos...

Na escuridão da noite, Teresa guiou Gaspard para um local do camp que não conhecera até então. Era uma espécie de estábulo ao ar livre, onde vários cavalos e outros animais repousavam tranquilamente. A lua nova iluminava a noite, sua claridade distinguível em meio ao céu estrelado. Seria uma paisagem belíssima de se observar se não estivesse confuso pela situação e desolado pela falta de reação de Marianne.

— Ainda bem que você vestiu seu traje completo para conversar com Marianne... — Teresa constatou quando finalmente parou para encará-lo. — Escolha um cavalo e parta agora mesmo. A cidade mais próxima está a três horas daqui.

— Teresa, eu não entendo... Por que o exército Beau atacaria vocês? O que isso tem a ver com a fuga de dois Romaines lá na capital? — Gaspard quis saber, aproximando-se do cavalo que estava mais perto deles.

— O exército não precisa de justificativas para nos atacar.

— Isso não faz sentido, Teresa...

— Não faz sentido para você que, apesar de tudo, é um homem correto... — Teresa disse com um sorriso triste.

— Então você acredita em mim, não é?! — ele parou o que estava fazendo para ficar de frente para ela. — Não podemos voltar agora para esclarecer tudo para Tamara e me despedir melhor de Marianne?

— Sim, eu acredito em você, mas... Entenda. — Teresa soltou um longo suspiro. — Quando eu e Tamara éramos pequenas, uma mulher surgiu no nosso camp gritando "cod rosu". Na época, acreditávamos que três horas na evacuação dos assentamentos eram o suficiente para despistarmos qualquer investida do exército. Não contávamos que, na segunda hora, vários soldados apareceriam, torturariam e matariam vários de nós, inclusive os nossos pais.

Gaspard sentiu sua garganta ficar seca. Já tinha ouvido histórias de soldados indisciplinados que abusavam de seu poder, mas até onde sabia, os que agiam dessa forma sempre eram devidamente punidos. Além disso, nenhum dos relatos que chegaram aos seus ouvidos era abominável como aquele.

— Poucos dias depois, soubemos que aquela ação tinha sido fruto de uma aposta entre os soldados alocados na divisa entre Chambeaux e Piedmont. Quem perdesse, teria que trazer as mãos de dez Romaines para os vencedores.

Não era à toa que Tamara o odiava tanto e que Teresa preferisse que ele fosse um bobo da corte a ser um membro do exército Beau. Ainda assim, queria acreditar que o crime absurdo que o camp sofrera fora um episódio isolado. O exército era uma instituição honrada e não permitiria que histórias como essa se repetissem, certo?

— Eu... Sinto muito.

— Tudo bem. Eu sei que você não ordenou o ataque. Até porque temos a mesma idade e você, sem dúvida, estava no conforto da sua mansão quando tudo aconteceu — Teresa o provocou e Gaspard entendeu que aquela seria a última vez. — Bom, preciso correr para a arrumar os meus pertences também.

Dizendo isso, ela o abraçou rapidamente e deu um rápido beijo em sua bochecha. O Beau, que pensava já estar imune aos atos da Romaine, sentiu as orelhas queimarem mais uma vez. Percebeu, pela primeira vez, que sentiria falta da companhia dela.

— Eu... Eu sei que Tamara nunca mais vai querer me ver novamente e acho que nem Marianne... — Gaspard começou a falar e a dor no seu peito reapareceu. — Mas saiba que se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, você sempre pode procurar por mim na mansão dos Orléans.

Teresa sorriu, concordou com a cabeça. Gaspard sorriu de volta, mesmo sabendo que, muito provavelmente, ela nunca mais o procurasse.

Continua...

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CRÉDITOS
Autora: Marina Oliveira
Edição e Preparação: Bárbara Morais e Val Alves
Revisão: Mareska Cruz
Diagramação: Val Alves
Ilustração: Fernanda Nia

Fortsett å les

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