A ƑILHA ƊO ƑOƓO - A MALƊIƇ̧Ã...

By HadassaOlv

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♦️ Eleita uma das "MELHORES HISTÓRIAS DE 2020" pelo perfil dos AmbassadorsPT ♦️ ▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼▲▼ Até... More

✥ㅡ CINZAS DAS CHAMAS ㅡ✥
✥ㅡ DESAFIOS ARRUINADOS ㅡ✥
✥ㅡ SONHOS QUEBRADOS ㅡ✥
✥ㅡ PESADELOS ㅡ✥
✥ㅡ MEDO FURIOSO ㅡ✥
✥ㅡ PROMESSAS ㅡ✥
✥ㅡ DIA ESCURO ㅡ✥
✥ㅡ A PRIMAVERA ㅡ✥
✥ㅡ ESCOLHAS ㅡ✥
✥ㅡ A KANAE ㅡ✥
✥ㅡ FÚRIA DE FOGO ㅡ✥
✥ㅡ LIGAÇÕES ㅡ✥
✥ㅡ O TREINAMENTO ㅡ✥
✥ㅡ O SONHO ㅡ✥
✥ㅡ A BRUXA ㅡ✥
✥ㅡ DESCOBERTAS ㅡ✥
✥ㅡ PENSAMENTOS ROUBADOS ㅡ✥
✥ㅡ A MISSÃO ㅡ✥
✥ㅡ FALHAS ㅡ✥
✥ㅡ O ATAQUE ㅡ✥
✥ㅡ A BARREIRA ㅡ✥
✥ㅡ O TRATADO ㅡ✥
✥ㅡ A VISÃO ㅡ✥
✥ㅡ O PARCEIRO ㅡ✥
✥ㅡ TREINOS ㅡ✥
✥ㅡ O LIVRO ㅡ✥
✥ㅡ O JANTAR ㅡ✥
✥ㅡ DESTRUIÇÃO ㅡ✥
✥ㅡ Capítulo Extra ㅡ✥
✥ㅡ A PISTA ㅡ✥
✥ㅡ O ESCONDERIJO ㅡ✥
✥ㅡ Capítulo Extra 2 ㅡ✥
✥ㅡ ARMADILHA ㅡ✥
✥ㅡ PRISÃO SILENCIOSA ㅡ✥
✥ㅡ AMEAÇA SOMBRIA ㅡ✥
✥ㅡ INVISÍVEL ㅡ✥
✥ㅡ RUNAS SAGRADAS ㅡ✥
✥ㅡ O POÇO ㅡ✥
✥ㅡ O HOMEM ㅡ✥
✥ㅡ REVELAÇÃO ㅡ✥
✥ㅡ UM PASSO ㅡ✥
✥ㅡ O CAMINHO ㅡ✥
✥ㅡ CORAÇÃO ABERTO ㅡ✥
✥ㅡ O PLANO ㅡ✥
✥ㅡ A AURAㅡ✥
✥ㅡ AS FERAS ㅡ✥
✥ㅡ A TEMPESTADE ㅡ✥
✥ㅡ O TEMPLO ㅡ✥
✥ㅡ O TRAÇO ㅡ✥
✥ㅡ SEM VOLTA ㅡ✥
✥ㅡ A FILHA ㅡ✥
✥ㅡ A CHAVE ㅡ✥
✥ㅡ A VERDADE ㅡ✥
✥ㅡ MENTIRAS ㅡ✥
✥ㅡ O TRAIDOR ㅡ✥
✥ㅡ A FÊNIX ㅡ✥
✥ㅡ EPÍLOGO ㅡ✥
Agradecimentos + Aviso

✥ㅡ A MALDIÇÃO ㅡ✥

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By HadassaOlv

✥ · ✥ · ✥

   ㅡ Como foi esse sonho?

   Quase dou um pulo de onde estou debruçada sobre a mesa de olho nos símbolos mais uma vez. Korian se aproximou de mim e eu sequer ouvi.

   ㅡ Eu preciso contar de novo? Já falei que consegui conversar com a bruxa de Amelin.

   Korian estreita os olhos e cruza os braços, fazendo sua camisa esticar ainda mais sobre o peito. Desvio o olhar rapidamente, mas não antes sem perceber seus olhos queimando meu rosto em busca de qualquer emoção escondida.

   ㅡ E o que exatamente você disse a ela? Sinto que está escondendo alguma coisa.

   Porque eu estava. Mas não podia contar a ele o que conversamos no sonho. Mantive qualquer pensamento sobre isso bem longe da minha mente e comecei a imaginar cavalos amarelos pulando cercas enquanto eram perseguidos por coelhos gigantes cor-de-rosa.

   Korian estreita os olhos.

   ㅡ Se eu não estivesse desconfiando antes, agora com certeza estou. Que diabos é isso que você está pensando?

   Finjo não estar escutando-o enquanto cantarolo uma canção antiga, ainda tentando mantê-lo longe da minha cabeça.

   ㅡ Que droga, Asterin! Estamos fazendo isso há semanas e você não confia em mim?
  
   Ergo o olhar para ele, ouvindo pela milésima vez a voz da bruxa sussurrando em meus sonhos.

   O lobo solitário está observando.

   Ela já havia mencionado este lobo antes, quando, há muitos meses, eu visitei a caixa preta no Reino Floral. Na época, eu acreditei que o lobo era Korian, mas agora as dúvidas iniciaram em minha cabeça. Seria Yura? Dakar? As bruxas eram conhecidas por falar em enigmas, mas eu jamais imaginei que seria tão difícil decifrar algo tão aparentemente simples.

   Não confie nele, Asterin.

   As palavras de Yura ainda cavam buracos em meu cérebro. Não consigo encontrar uma conexão entre as duas, afinal, não sei de quem estão falando. Yura me disse isso enquanto agonizava em febre após os açoites, logo após de eu ter contado a Korian sobre os sonhos.

   Korian olha para mim novamente, os olhos verdes vibrando suavemente. Pisco algumas vezes, encarando aquelas íris novamente. Nada acontece. Mas o que foi essa ondulação?

   ㅡ Asterin! ㅡ exclama ele, impaciente.

   Assumo uma expressão inocente.

   ㅡ Sim?

   Ele bufa, encostando as costas na parede.

   ㅡ Você está muito distraída hoje. E pensativa demais, o que com certeza significa problemas.

   ㅡ Estou tentando encontrar uma conexão entre tudo que sabemos. Por que não conseguimos encontrar a resposta?

   ㅡ Sabe, eu li um livro uma vez sobre o castelo de Dakar. Lembrei disto na noite passada, mas você estava ocupada demais sonhando com seu príncipe encantado ㅡ fico tensa quando sinto um ligeiro ciúme envolvendo suas palavras. Ou percebi errado? ㅡ De qualquer forma, este lugar é descrito inteiramente como um local mágico.

   Ergo a cabeça dos livros.

   ㅡ Como mágico? Não senti qualquer indício de magia aqui.

   Korian sacode a cabeça.

   ㅡ Eu sei que não. Nem eu senti. Mas o que quero dizer que o castelo é mágico, não as coisas nele.

   Ergo as sobrancelhas, estupefata.

   ㅡ Dakar fez isso? Já ouvi falar sobre pessoas que possuem grande poder e... meio que catalisam isso em objetos ou lugares grandes.

   Korian assentiu, aproximando-se e passando a mão por uma das páginas que eu estivera observando.

   ㅡ É um feitiço antigo, e só os mais poderosos podem executá-los. Eu ouvi falar apenas de uma pessoa que conseguiu fazer isso, e que tinha poder suficiente para dividir sua magia em três objetos diferentes.

   ㅡ É mesmo? Quem fez isso? ㅡ pergunto, curiosa com a tensão que envolve seus músculos.

   Korian suspira.

   ㅡ Há muito tempo, em Taryan, existiu uma única rainha. Não existia a divisão dos reinos, e apenas ela era a Soberana. Muitas especulações foram criadas a respeito da rainha. Acreditava-se que seus poderes foram dados pelos próprios deuses, já que muitas vezes nem ela conseguia controlá-los direito.

   Olho para ele. Korian parece perdido em pensamentos. Toco levemente em sua mão, sentindo-o apertar o punho diante do meu toque.

   ㅡ Qual era o nome dela? ㅡ pergunto suavemente. Seria ele íntimo dela? Por isso o olhar triste em seus olhos?

   ㅡ Althaea ㅡ responde, tenso, virando a palma para cima. Hesito antes de apoiar minha mão sobre a dele, mas acabo cedendo. Ele entrelaça os dedos nos meus, quase como se precisasse de forças para continuar. ㅡ Ela era uma pessoa boa. Governava a todos com alegria, justiça e respeito. Todos em Taryan a adoravam. Você pode imaginar o que uma pessoa com tanto poder como ela sofria, porém?

   Balanço a cabeça, concordando.

   ㅡ Muitos queriam o que ela tinha ㅡ digo, e ele concorda, apertando meus dedos.

   ㅡ Sim. E isso desencadeou tantas guerras que até mesmo os mendigos mais miseráveis foram chamados para lutar. Não havia mais soldados treinados para combater, de modo que qualquer um que poderia segurar uma espada era chamado. Crianças, mulheres, idosos. Nenhum foi poupado durante a Guerra.

   Ele vira os olhos para mim, e fico chocada ao ver um pequeno brilho de lágrimas ali.

   ㅡ Althaea morreu na guerra. ㅡ diz Korian bem baixinho, olhando em seguida para nossas mãos unidas. Ele passa o polegar suavemente onde um antigo anel meu repousava em meu dedo do meio. ㅡ Ela e milhares de outros. Não sei bem o que lhe aconteceu, mas ela parece ter sido acometida por um feitiço poderoso que ninguém conhecia na época. Nenhum especialista conseguiu identificar o que aconteceu com a rainha de Taryan. Eles estavam mais preocupados com a divisão de Taryan, que veio a se tornar os cinco reinos que conhecemos hoje.

   ㅡ Como não sabem o que aconteceu com ela? ㅡ pergunto, franzindo a testa. ㅡ Ela não foi morta como... os outros?

   ㅡ Sim, foi, por uma espada atravessada no peito. Mas uma mulher como Althaea, mais poderosa do que qualquer deus que já passou por estas terras, podia facilmente evitar isso. Maldição, ela podia exterminar todos os inimigos de uma vez. Mas preferiu lutar como um soldado no meio de seus companheiros.

   Demoro um pouco a ligar os pontos. Quando consigo, meus olhos se arregalam.

   ㅡ Lutar? Você está dizendo que ela estava no campo de batalha?

   Korian assente, ainda assistindo os movimentos de seu polegar sobre minha mão. Sinto um ligeiro arrepio.

   ㅡ Estava. E quando perceberam o que ela tinha feito, já era tarde demais. Como eu já disse, ela era respeitosa e muito leal. Jamais deixaria seus soldados morrendo enquanto estivesse a salvo em sua tenda, pronta para ser levada embora caso algo ruim acontecesse.

   ㅡ Ela deve ter sido uma mulher incrível.

   Ao mesmo tempo em que digo isso, uma estranha sensação toma conta do meu corpo. Quase como se esta situação fosse familiar demais. Como se falar o nome dela fosse... certo.

   Jogo esse pensamento de lado e me concentro em Korian.

   ㅡ Ela era ㅡ ele abre um pequeno sorriso triste. ㅡ É por isso que Dakar quer o Círculo.

   ㅡ Catalisar o poder para certo objeto faz com que o peso dele seja diminuído em você, certo? Mas ainda assim como alguém poderia tocar nele? Histórias dizem que apenas o dono da magia pode...

   ㅡ Pode pegá-la de volta. Sabemos disso, sim, mas Dakar é esperto. Ele não está nos contando a história completa. Ele deve ter algo de extrema importância para os deuses permitirem o uso do poder de Althaea. Por isso está tão desesperado para encontrar o Círculo.

   ㅡ Porque o Círculo é um dos artefatos que Althaea usou para aprisionar seus poderes.

   Korian assente, os olhos sombrios. Ele ergue o olhar de nossas mãos ainda entrelaçadas e me encara no fundo dos olhos.

   ㅡ Isso mesmo. A rainha fez isso pouco antes de entrar no campo de batalha. Ninguém sabia o que ela fizera, apenas seu companheiro mais fiel, Caedrus. Era como um filho para ela, apesar de não ser legítimo. Althaea nunca se casou, mas tinha Caedrus. Ele era seu conselheiro, consorte e o amigo dela. Porém, as histórias dizem que Caedrus não sabia o que ela faria quando concordou com o feitiço. Sabe, realizar algo desse tamanho necessita de um parceiro que compartilhe de seu poder igualmente grande.

   ㅡ Esse Caedrus... era tão poderoso como ela?

   ㅡ Não, mas chegava perto. Pensaram por muito tempo que era filho dela, mas não teria como. Ele a auxiliou no feitiço e usou três objetos de muita importância para Althaea. Enquanto ele saía da Guerra para escondê-los, a rainha foi para o campo de batalha. E nunca retornou.

   Fecho os olhos lentamente, tentando processar a história.

   ㅡ Não consigo pensar o que ele imaginou quando viu a cabana vazia.

   ㅡ Enlouqueceu ㅡ responde Korian. ㅡ Ele saiu correndo desesperado, mal notando quando foi atacado pelas costas. Caedrus viu a rainha de longe, ainda viva. Mas a perdeu de vista quando foi cercado por inimigos. Quando a Guerra tinha acabado, quando por muito pouco não foram os perdedores, encontraram o corpo dela. Com resquícios de uma magia muito antiga. Acredita-se que ela estava grávida.

   ㅡ Grávida? ㅡ ergo as sobrancelhas em surpresa. ㅡ Caedrus a engravidou?

   ㅡ Deuses, não ㅡ Korian sorri. ㅡ Ninguém sabe quem poderia ser o pai, mas até hoje não foi confirmado o feitiço. Caedrus então voltou para seu reino, mas não foi aceito. Pensaram que ele era o responsável pela morte da rainha após encontrarem sua espada encharcada com seu sangue. Ele foi banido, e nunca mais ouvimos falar dele.

   ㅡ Isso é... terrível.

   ㅡ É, sim. O motivo para essa história, Asterin, é que Dakar pretende se tornar tão poderoso quanto Althaea era. Com os poderes dos três artefatos juntos, além do que ele já roubou, Dakar jamais poderia ser vencido.

   Engulo em seco, dando um olhar breve para o guarda na porta. Korian não parece se preocupar com ele escutando nossa conversa.

   ㅡ Como ele conseguiria extrair o poder do Círculo? ㅡ pergunto, baixinho, quase temendo a resposta.

   ㅡ Eu honestamente não sei como.

   ㅡ Você sabe o porquê ele quer fazer isso? Além de se tornar o ser mais poderoso de Taryan?

   Korian então pega minhas duas mãos entre as suas. Arregalo os olhos quando ele as aperta contra o peito e me encara com tamanha intensidade que me faz perder o fôlego. E responde:

   ㅡ Acredito principalmente que, além disso, ele queria acabar com uma maldição que aprisionou alguém muito importante para ele.

   Inclino a cabeça, tentando ignorar o calor que envolve meus dedos conforme ele os aperta ainda mais.

   ㅡ E que maldição é essa? ㅡ pergunto.

   Korian fecha os olhos brevemente e respira bem fundo. Quando os abre, eles estão carregados de um pesar tão grande que quase faz minhas pernas dobrarem.

   ㅡ É chamada de a Maldição do Solstício. Foi lançada por Althaea pouco antes de ser morta. Ela amaldiçoou todas as pessoas que se viraram contra ela no confronto, mais especificamente aqueles que tentaram roubar uma casquinha de seu poder. Dakar e este homem foram um deles. E sofreram as consequências por isso.

   ㅡ O que aconteceu com eles? O que essa maldição é capaz de fazer?

   ㅡ Você vira uma ilusão. Não exatamente ㅡ acrescenta quando vê minha cara confusa. ㅡ É como se você virasse um espírito. Há mais de quinhentos anos, desde a Guerra, os moradores de Drysand vivem assim. Não podem alcançar sua magia, muito menos viver normalmente. Não podemos tocá-los, nem eles a nós. Althaea criou isso como uma forma deles não poderem mais causar tantos danos. Foi assim que surgiu este reino. A maioria dos exilados, como os chamamos, vieram para cá.

   ㅡ Então Dakar quer acabar com isso.

   Ele assente.

   ㅡ Quer. Todos os seus melhores soldados foram amaldiçoados. Ele só não foi porque não fazia parte... exatamente... daqueles rebeldes. E usou isso a seu favor quando criou este reino e trouxe todos os amaldiçoados para cá com a promessa de que um dia iria libertá-los.

   Engulo em seco. Posso ver nos olhos de Korian que ele sabe muito bem qual pergunta estou prestes a fazer

   ㅡ E o que acontece se ele conseguir?

   Preocupação, dor, medo. Tudo isso passa por aquelas íris verdes impressionantes.

   ㅡ Tudo será destruído, Asterin ㅡ ele por fim responde, olhando no fundo dos meus olhos. ㅡ Dakar irá escravizar todos. Taryan nunca mais será a mesma. Será algo nunca visto antes, e jamais será reversível. A maldição tornou todos eles quietos por um tempo, mas Althaea esqueceu um detalhe importante: o que a vingança traria para o povo que ela tanto amou. O que aqueles que foram amaldiçoados seriam capazes de fazer para o sofrimento de um continente inteiro apenas para castigar uma pessoa. E caso isso aconteça, é bom que estejamos preparados, Asterin. Porque se Dakar colocar as mãos naquele poder, ele fará o universo vibrar e a terra tremer. E nada nem ninguém poderá nos salvar.

✥ · ✥ · ✥

   Horas depois, deitada encolhida no canto da cela, ainda repasso as palavras de Korian em minha cabeça. Dakar representa um perigo ainda maior para Taryan do que eu poderia imaginar. O Círculo, o primeiro artefato que procura, será só o primeiro passo para a destruição total que ele pretende causar.

   Ainda preciso encontrar as respostas para o enigma da bruxa, mas não consigo tirar da cabeça a triste história da rainha. Korian estava certo sobre uma coisa: a vingança poderia trazer mais desgraças para um reino do que a temporária maldição que ela jogara aqui. Eles estavam há quinhentos anos criando um modo de escravizar estas terras, causando dor, prejuízo e nenhum modo de vida civilizada. Seríamos todos jogados no mar de maldições que ele nos sujeitaria.

   E aqui estava eu, ajudando-o a encontrar o primeiro artefato capaz de levá-lo até esse ponto.

   Eu precisava pará-lo. Dar um jeito de levar Dakar até um lugar falso enquanto buscava o verdadeiro Círculo. O que faria depois? Não faço a menor ideia. Mas, por mais que odeie o que os semideuses fizeram com meu povo humano, não consigo permitir que todos sejam sujeitos à escravidão por causa da minha ignorância. Já vivi assim uma vez. Aguentaria novamente? As cicatrizes em meu corpo são a prova disso. Cada castigo, repreensão, ameaça serviu como impulsionadores que criaram a pessoa que sou hoje. E por mais que a situação me encha de medo, jamais posso permitir que isso tome conta de mim.

   Eu precisava fugir. Encontrar um meio de fazer isso. Ou a última coisa que veria seria o chicote estalando em minhas costas.

   Solto um suspiro pesado e me encolho ainda mais, tremendo pelo frio emanando das pedras e preenchendo cada espaço da cela. Do lado de fora é possível ouvir os guardas rindo e bebendo enquanto jogam cartas. De vez em quando ouço a voz melodiosa das prostitutas presentes no jogo, ou suas risadinhas irritantes. As vozes roucas sussurrando nos ouvidos, e em seguida a orgia que se segue.

   Faço uma careta, tampando os ouvidos. Jamais consegui dormir direito aqui, e consigo muito menos agora. Os gemidos, gritos, barulho de carne batendo contra carne me mantém enjoada em um nível tão grande que é impossível dormir e segurar a ânsia de vômito ao mesmo tempo. Yura parece apavorada ao meu lado.

   Ela tem os olhos cravados na porta de ferro. Quase como se esperasse que um deles a pegassem à força para participar. Não duvido que isso poderia acontecer, mas sei que Yura preferiria morrer pelas mãos deles do que ser sujeita a tamanha humilhação.

   Korian continua silencioso, assim como esteve na biblioteca após a conversa. Agora finalmente pude entender o porquê dele sempre estar me cobrando a tradução dos símbolos, ou me ensinando cada vez mais sobre o Poço. Não era porque queria sair daqui. Isso também, claro, mas principalmente porque sabia o que aconteceria caso Dakar ponha as mãos nos objetos de Althaea. E via também uma oportunidade de fuga quando saíssemos em busca do Círculo. Como brigar contra isso?

   Nós dois estávamos pensativos. Ele, porém, ainda pensava que eu escondia algo dele. Não era inteiramente mentira, mas não podia contar minhas suspeitas sobre algo que poderia ou não estar errado.

   Viro para o outro lado, encontrando Yura ainda sentada com as costas rígidas encarando a porta.

   Me sento lentamente para não desencadear seus medos e falo com ela em um sussurro.

   ㅡ Por que não tenta dormir um pouco?

   Yura olha para mim. O puro terror em seus olhos me faz hesitar.

   ㅡ Não consigo ㅡ a voz dela também não passa de um sussurro. ㅡ Sinto que a qualquer momento eles vão vir aqui pegar a puta de Dakar.

   Estremeço com a amargura e ódio em suas palavras.

   ㅡ Talvez você consiga... ㅡ um gemido feminino alto demais para ser ignorado corta meu pensamento. Fecho os olhos com um suspiro. ㅡ Deixa pra lá.

   Ela abre um sorriso mínimo.

   ㅡ Isso sempre acontece por aqui, sabe? Estas festas, como eles chamam. E eu sou...

   Inclino a cabeça quando Yura não prossegue. Sua pele parece ficar ainda mais pálida.

   ㅡ É o quê?

   Ela engole em seco antes de responder. E fala tão baixo que eu preciso me inclinar para ouvir direito.

   ㅡ Eu geralmente sou a única... no meio deles.

   Fico imediatamente rígida. O quanto ela passou aqui, afinal de contas? Quanto sofreu? Sempre desconfiei que Yura não possuísse apenas as cicatrizes externas, mas parecem que os ferimentos internos são ainda mais dolorosos e mais difíceis de curar. Ela ainda possui um olhar assombrado quando olha para a porta. Uma mulher pequena como ela no meio de tantos homens? A repulsa sobe tão forte que me faz bufar com raiva.

   Yura vira o olhar para mim.

   ㅡ Não sinta pena de mim ㅡ diz, a voz suave. Seus olhos estão carregados de lágrimas, e um sorriso triste lhe curva os lábios. ㅡ Eu fiz uma escolha ruim e ela me levou até aqui. E tudo é culpa minha.

   Sem conseguir evitar, estendo a mão e toco a dela levemente. Não a seguro. Apenas o leve toque de uma pessoa que quer mostrar para a outra que ela não está sozinha. Sinto a pele calejada pelas cicatrizes, as mãos de uma mulher que há tanto tempo luta para se livrar de uma dor antiga.

   Olho para ela. Yura me encara de volta.

   ㅡ Vamos sair daqui ㅡ afirmo com a maior confiança que consigo.

   Ela não se mexe para envolver minha mão em um aperto. Mas movimenta a cabeça para a frente, quase uma... reverência mínima. Então sorri, voltando a deitar mais confortavelmente.

   E horas mais tarde, depois que os gemidos, tapas e o sexo já pararam, não consigo parar de pensar de que talvez jamais consiga cumprir esta promessa.

✥ · ✥ · ✥

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