19. fim da estrada

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todos os cenários citados ao longo do capítulo são criações feitas para imergir no universo.

— Bom. - Estalou a língua, batendo as palmas das mãos. — Vamos ter que andar até a cidade mais próxima, e vamos fazer isso juntos. Quando chegarmos lá, teremos que nos separar, tudo bem, meninos? - Ergueu suas sobrancelhas. Seu rosto tranquilo não conseguia esconder o cansaço, a angústia e a preocupação.

Todos sorriram de forma reconfortante, tentando manter a mesma pose serena do chefe, enquanto o desespero interno eriçava seus pêlos por todo o corpo.

— Mas... Como vai ser a separação quando chegarmos em algum lugar? - Soonyoung indagou, se pondo a andar junto a nós.

— Você e Wonwoo vão para lugares diferentes, enquanto Joshua e eu vamos juntos para uma pousada ou sei lá o que nos espera mais pra frente. Tentem se esconder em hotéis, mas nunca andem juntos, e dêem nomes falsos. Caso alguém seja pego, jamais confessem ou tentem me entregar. - Cravou seu olhar amedrontador nos olhos dos dois capangas, que assentiram encarando um ao outro de relance. — Ótimo.

Soonyoung e Wonwoo então se puseram na vanguarda, trocando cochichos e ideias de como aquele plano se desenvolveria. Enquanto eu caminhava silenciosamente ao lado de Jeonghan, que tentava alguma aproximação comigo, roçando sua mão em meus dedos, até eles entrelaçarem e só assim demos as mãos. Mas eu estava trancafiado por dentro, com medo de me entregar mais ainda e acabar me machucando mais ainda por cair na real de que tudo o que fiz serviu apenas para me deixar no fundo do poço.

— Como se sente? - O loiro perguntou, chegando mais perto como se compartilhasse de um segredo importantíssimo.

Andei alguns passos, alguns segundos se passaram e só assim levantei meu olhar, mas não o encarei, meu campo de visão se baseava nos dois capangas e naquele monte de terra que fazia subir poeira.

— Péssimo. Com medo. Estranho. Apaixonado por alguém que quer usar o dinheiro que não tenho, que não posso dar. - O respondi no mesmo tom de voz. Senti sua mão se soltar um pouco da minha, para depois escorregar e ficar só.

— Me desculpe por tudo isso, Joshua.

— Tsc. - Soltei antes mesmo que ele tentasse dizer mais alguma asneira. — Você se refere à mim como se eu fosse um desconhecido que se juntou ao bando de vocês e se meteu nessa fria sem querer. Todas aquelas coisas carinhosas eram realmente um teatrinho? Onde deixou seu coração e o senso do ridículo? - Enfiou no cu?, pensei.

E o silêncio tomou conta. Eu não sabia se era um silêncio de alguém que está pensando em tudo de ruim que fez para os outros, ou se era um silêncio para armar um plano e me matar na surdina.

— Tudo bem, peguei pesado. Foi mal. - Falei, virando meu rosto para o encarar. Jeonghan apenas andava e respirava, andava e respirava. Nem ao menos piscava.

Estava tão atônito quanto eu.

— Tá certo. Você tem razão, Joshua, ou Jisoo. Afinal, qual seu nome, hein? - Retribuiu o olhar.

— Os dois. Me chamavam de Joshua apenas para disfarçar, é um codinome. O que, na verdade, está errado. Era para nos conversarmos por códigos, tipo agente cinquenta e dois, agente trinta e cinco. E essas coisas e tal. - Ergui os ombros sem muita importância.

— Uau, essas coisas são de filmes de ação. Agora que estamos colocando as cartas na mesa, Jisoo, vou falar que estudei os agentes do FBI por muito tempo, mas você foi o único que não reconheci logo de cara. Têm um ótimo dom em atuação.

Você também, pelo o que me parece.

— Obrigado, mas não fiz nada além do meu trabalho. Mas, já que entramos no assunto... Como foi que você se tornou um golpista? Quando isso aconteceu? E por quê? - As perguntas inconvenientes saíam de minha boca sem controle, como uma metralhadora disparando rajadas e mais rajadas para atingir um alvo.

Quando me dei conta, Jeonghan já se preparava para responder todas elas sem nem hesitar ou ponderar.

— Tudo começou quando minha mãe morreu. Na época, eu estava com vinte anos de idade, eu morava apenas com ela, pois meu pai foi embora quando eu completei dezessete anos, sem deixar um rastro sequer de seu paradeiro. Tinhamos uma boa renda, pode-se dizer. Apenas minha mãe trabalhava em um açougue perto do centro de Nova York, e as coisas em casa estavam indo bem. - Abaixou a cabeça, tentando puxar algo de sua mente, e logo se recompôs. — Até que um dia, minha mãe começou a vomitar sangue, estava pálida, magra, e vivia tendo tonturas. Eu a levei no médico e me disseram que ela estava com uma Leucemia já avançada. Bem, depois disso, ela teve que ficar internada por uns dois ou três meses, e enquanto esse tempo em que ela estava no hospital, fiquei alojado na casa da minha tia, que morava até mais perto do hospital.

— Cara, eu sinto muito mesmo. Sobre tudo isso.

— Tudo bem. E depois disso, digo, depois que minha mãe morreu após ficar mais um tempo internada e fazendo uma quimioterapia que não funcionava, voltei pra minha antiga casa. Era uma casa popular, de dois quartos, um banheiro, uma sala bem espaçosa, uma cozinha e a garagem. Eu estava fodido: sem mãe, sem pai, sem grana, sem emprego e foi aí que conheci Soonyoung. - O citado olhou de relance para trás, soltando um sorriso cínico, deixando bem claro que estava ouvindo cada palavra de Jeonghan, e se virou novamente para voltar em seus murmúrios com Wonwoo. — Ele trabalhava na agência de empregos, e logo que entrei para deixar meu currículo com ele, ele simplesmente me olhou de cima a baixo e me soltou um: "Você quer ser modelo?" - Fez gesto de aspas com os dedos. — E eu, sem entender porra nenhuma, neguei e simplesmente saí correndo de lá, mas deixei meu currículo, e lá estavam: meu número de telefone, meu endereço, e minhas qualificações, claro. Dois dias depois disso, recebi uma ligação, uma mulher me ligou dizendo que tinha uma entrevista marcada para mim em quarenta minutos, e eu sem nem pensar, me arrumei e saí correndo de casa. Quando cheguei lá, encontrei ninguém menos que Soonyoung, me oferecendo um dinheiro que eu nunca tinha visto em toda minha vida, e claro que meus olhos cresceram, e de súbito, aceitei a proposta de ir em um jantar com um dos gestores de uma área empresarial bem reconhecida em Nova York. Eu estava como o assessor de Soonyoung, tipo o porta-voz dele, mas com más intenções.

— Entendo... - Encarei meus pés em movimento. — Quer dizer, eu acho.

— Foi meu primeiro golpe dado, digamos que, sem querer. Bom... E com isso, acabei me metendo mais e mais nesse mundo. Ganhei uma boa quantia em dinheiro, comecei a bolar meus planos sozinho, e nisso ganhei a confiança de Wonwoo e de Soonyoung, que toparam trabalhar pra mim. Eu era um nada, eu era apenas mais um número de SSN.

— E agora virou o valor de uma recompensa. Ou acha que já não botaram tua cabeça à venda? - Ergui uma das sobrancelhas e voltei meu olhar ao semblante pensativo de Yoon.

— Por mim está tudo bem. Eu sou um ladrão, Jisoo. O Wonwoo, por mais que seja um paspalhão, também é um ladrão. O Soonyoung é um ladrão. E todos nós aqui sabemos que vamos ser pegos uma hora ou outra, e temos plena consciência de que fizemos coisas erradas, até porque se não tivéssemos, não estaríamos aqui, certo? - Eu concordei com a cabeça. — Agora só falta saber de você. Porque você se enfiou nisso, e os outros lá fora já te consideram como um de nós, vai pagar por seus crimes, como nós.

— Eu não tinha parado pra pensar nisso... - Soltei em murmúrio, deixando o ar pesado escapar por entre meus lábios.

— Galera! Olhem, lá na frente. - Wonwoo gritou esbaforido de tanto caminhar, apontando seu dedo para o que seria uma construção.

Talvez pela distância ou por minha miopia, em minha concepção, parecia algo bem velho e provavelmente abandonado. Logo pensei no que nos aguardaria dentro daquela casa gigantesca de madeira: Um Serial Killer? Um estuprador? Um maníaco que usa uma máscara de porco e macacão no corpo? Uma velhota rabugenta que cobra caro pelo aluguel de um quarto? Uma alma penada? Um drogado que usa daquilo para se abrigar?

— Vamos até lá!

Ou minha morte, mesmo.

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