18. o famoso vazio

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Tocava Born to Die no rádio do carro. O mormaço quente da estrada subia a cada vez que o começo da tarde se aproximava. Eu observava as nuvens douradas com cautela através da janela aberta do veículo, enquanto o mesmo era conduzido com puro desespero, que o vento quente beijava meus cabelos de forma exasperada. Fora aquilo, o dia parecia ser agradável. Afinal, nada como um belo início de tarde, escutando os hinos de Lana Del Rey no carro, e a caminho da famosa e quente Califórnia.

Seria bem agradável... Se não estivéssemos fugindo do FBI.

Depois de conseguirmos sair – literalmente – correndo daquela boate, Jeonghan fez o favor de conseguir uma SUV para acomodar a mim, Wonwoo e o provável assassino do meu primeiro amor. Eu não conseguia tirar aquela cena da minha cabeça, e toda vez em que eu tentava me esquecer do que aconteceu, minha vontade de fazer jogos mortais com Soonyoung crescia cada vez mais. Eu ainda pedi para que não atirasse, medi forças com ele. E o que adiantou? Nada, simplesmente nada.

Ajeitei minha postura no banco do passageiro, encarando o para-brisa do carro, e vez ou outra meu olhar desviava para o espelho do veículo, e focava no reflexo convicto de Kwon. Ele não sentia o mínimo remorso, não sentia culpa, sentia o mais puro orgulho por ter atirado em um agente do FBI; nem pensou que Mingyu poderia ser meu colega de trabalho, meu amigo, meu companheiro, meu primeiro porto seguro, minha primeira palpitação no coração. Revirei meus olhos e bufei uma, duas, nove vezes até que Wonwoo notasse minha inquietação e batesse no encosto do meu banco, assentindo para que eu dissesse o que tanto me incomodava. E eu não abri a boca.

— Que foi? Cê tá meio pálido. É medo de ser preso? Relaxa. - Sorriu de forma reconfortante. — Vai dar tudo certo, e me desculpe por te meter nisso.

— Obrigado, Wonwoo. Mas há algo que me corrói por dentro, e, desculpe a indelicadeza, mas prefiro não falar muito nisso porque se eu tentar algo, voarei no pescoço de alguém.

Soonyoung bufou entediado da conversa, sem saber que eu falava dele.

— Voar no pescoço de quem? - Jeonghan questionou, sem tirar a atenção da estrada. 

— Nada, meu amor. Nada. Deixa pra lá. - Cruzei meus braços e voltei a encarar a paisagem fora do veículo. Tudo parecia um deserto, com a terra seca, alguns cactos para deixar aquilo menos sem graça e muita poeira subindo.

— Por que estavam te chamando de Jisoo? E o que era aquela missão?

— Ele é um agente do FBI, você ainda não percebeu? - Soonyoung respondeu com pura indelicadeza e ódio em sua voz. — Ou melhor, vocês ainda não perceberam? - Deu ênfase no sujeito, direcionando seu olhar de rancor no semblante curioso de Wonwoo. — Tsc. Ingênuos. Não sei como conseguiram virar golpistas. - Ironizou.

— Eu era um agente, não vou mentir pra vocês. Mas deu tudo errado e agora estou aqui no carro com três ladrões, sendo que um deles é o amor da minha vida e o principal motivo por eu estar me arriscando a esse nível. Gostou? Babaca. - Rebati, sorrindo quando percebi seus olhos revirando.

— E como não vou saber se isso é um plano para nos prender? - Wonwoo questionou, arqueando uma sobrancelha em desconfiança.

Perdi os argumentos.

— Vamos dar uma chance pra ele, meninos. Se ele fizer merda, é bala no cérebro. - Jeonghan respondeu como se fosse algo normal.

Logo percebi que aquilo era um amor unilateral.

— E eu meto a bala. - Kwon pronunciou, fazendo gestos de armas com suas mãos, enquanto meu mundo parava de girar aos poucos.

O que fiz foi em vão. Ah, lógico. O que eu quis ao me apaixonar por um ladrão? Que ele me levasse ao altar e me fizesse juras de amor ao pé do ouvido? Que me escrevesse poesias? Óbvio que sim, mas isso não é algo que deva se esperar de um fora da lei, ainda mais alguém que usa do sentimento das pessoas para conseguir dinheiro.
Talvez ele só amasse o próprio dinheiro, o próprio luxo e ostentação que conseguiu às custas de, literalmente, pobres infelizes que se deixaram levar em um pequeno deslize.

E o silêncio pairou novamente. Wonwoo brincava com seus próprios dedos enquanto viajava em seu mundinho misterioso. Soonyoung, assim como eu, observava a paisagem seca através da janela do carro. E Jeonghan, por sua vez, diminuiu a velocidade do carro e tratou-se de acalmar seus nervos antes mesmo que lhe desse um ataque do coração ou eu sabia lá mais o quê. Perder dois amores da minha vida em menos de 24 horas é pedir para morrer.

— E se eles nos pegarem? - Wonwoo cortou o sossego. — Vamos ter que confessar tudo?

— Confessar o quê? Vocês foram pegos no pulo, com as armas na mão, ainda por cima fizeram o favor de ferir um dos agentes. Ainda pensa em confessar? - Eu respondi, virando meu corpo para trás a fim de observar a carranca do ladrão.

— Tá, mas. Hm. Pra onde vamos ir? E se der tudo errado? - Deu uma pausa para respirar. — E se eles nos pegarem? - Repetiu a primeira pergunta.

Tentei revirar os olhos de forma discreta.

— Queridinho. - Rebati. — Ninguém nesse mundo foge do FBI. Eu sei disso porque trabalhei lá por anos, e pasmem, nunca deixei um fugitivo escapar por muito tempo. - Soonyoung fez um barulho estranho com a língua, mas concluí que era um gesto de reprovação. De qualquer modo, continuei. — Você pode ser foragido por, sei lá, cinco ou seis anos, no máximo, mas quando você menos esperar e achar que está livre de pendências com a justiça, bam! O FBI vai estar batendo na porta da sua casa logo de manhã, você estará com seu pijama e seus filhos vão perguntar: "papai, quem são esses homens?". - Imitei algo que seria uma voz infantil. — E vai ser bem nesse momento que você vai perceber que tudo o que fez anteriormente não valeu de porra nenhuma.

— Não vou ter filhos porque sou gay. E nem penso em adotar algum. Enfim. - Deu de ombros, baixando seu olhar novamente para seus dedos brincalhões.

O loiro riu, negando com a cabeça. Como se fosse uma situação corriqueira.

Me perguntei como um cara tão inteligente como Jeonghan pôde contratar um golpista tão sem noção daquele jeito. E eu achando que por trás daquele sorrisinho bonito e olhar feroz esconderia um psicopata perigoso, mas me enganei, era apenas mais um paspalhão, que seria facilmente confundido com um civil qualquer da cidade.

Novamente estávamos em silêncio, apenas aproveitando a brisa gostosa que batia em nossos rostos lotados de preocupações e desenhados por sorrisos falsos, como daqueles que confortam e dizem que vai ficar tudo bem, mas todos nós sabiamos de tudo, do começo ao inevitável fim: vai dar tudo errado. O desfecho daquela bela e perigosa história de amor seria, ou um enterro, ou uma cadeia. Nada como flores de primavera e passeios no parque.

— Galera... - Fez Jeonghan, falhando sua voz. — A gasolina está acabando, não temos nenhum galão reserva e o posto mais próximo está em aproximadamente cinco quilômetros. - Sorriu fraco, tentando disfarçar o nervosismo que era visível em sua pele branca.

— E o que vamos fazer? - Soonyoung indagou.

— Bem. Vamos ter que nos separar e andar pra procurar uma pousada ou um albergue mais próximo. - Respondeu simplista.

E aquele foi o clichê começo de algo que vai dar muito errado.

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