Distorção do tempo

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Arthur não precisava conhecer as leis que regiam o universo para ter certeza que o tempo corria de forma estranha. Por vezes, parecia que apenas alguns segundos duravam minutos, até dias, enquanto em outras, meses se passavam em apenas uma noite, como o que tinha acontecido consigo. Havia confessado seu amor para seus dois melhores amigos na noite anterior, mas era como se estivessem juntos há muito mais tempo, a maneira como os três agiam um com o outro apenas provava isso.

O beijo de Cesar e Joui provava isso, bem como o seu próprio com o japonês.

Ainda sentia-se em um leve choque pela cena que presenciou há alguns minutos, não esperava encontrá-los daquele jeito, mas também era incapaz de negar que gostou do que viu. Conseguiu ter um vislumbre do momento antes dos dois se separarem quando entrou no aposento, mas novamente, o tempo agiu de forma peculiar, então aqueles segundos pareceram durar bem mais que isso, o suficiente para notar coisas que até então desconhecia.

Primeiro, o jeito que eles estavam. Cesar estava apoiado contra uma das mesas do laboratório, tendo sua cintura segurada por Joui, que o mantinha preso ali, e ele parecia não fazer resistência para soltar-se do aperto, então, talvez, ele gostasse daquilo. Joui agia de forma ainda mais incomum. Sua postura não era mais tão amável quanto como o conheceu, mas ainda o surpreendia a forma que ele podia parecer tão sério, até intimidador, não esperava que ele também poderia ser possessivo, suspeitou disso quando viu como segurava Cesar no lugar e teve certeza quando ele se aproximou para beijá-lo também.

O beijo de Joui tinha um toque de gentileza ao mesmo tempo que beirava ao feroz, uma mistura de amor com urgência que juntas criavam o fim de uma espera longa, ao menos para Arthur. Um desejo no fundo de sua alma sempre esteve presente desde que o conheceu, e aguardou pacientemente para realizá-lo. Agora que finalmente o tinha, restava apenas mais um, mas ele cobraria mais tarde.

Olhou brevemente para Joui atrás de si enquanto caminhava. Se de fato era um homem possessivo como suspeitava, seria interessante quando ele soubesse que Arthur também era.

Não sentia vergonha nenhuma por admitir isso para si mesmo.

As horas passaram rápido na base, conversou com Ivete, os integrantes dos Dragões Metálicos e alguns outros membros da Ordem e ajudou a organizar alguns papéis e equipamentos. Quando era quase final da tarde, Joui foi chamado para a sala do Sr. Veríssimo, então Arthur ficou sozinho em uma das mesas do salão. Levantou-se, indo para a sala de pesquisa, encontrando Cesar jogando em seu computador. Puxou uma cadeira próxima e a colocou ao seu lado, olhando, mesmo sem entender, o que o outro fazia. O olhou brevemente quando o viu sentar-se ao seu lado, então voltou a atenção para o jogo.

Arthur, quando chegou à conclusão de que definitivamente não entenderia a mecânica do jogo, olhou ao redor, buscando algo novo no local. As paredes estavam vazias, a mesa limpa, nenhuma fotografia ou quadro visível. Escondido atrás de alguns eletrônicos estava a antiga câmera polaroid de Cesar. Pegou-a, olhando melancólico para o aparelho. Sabia da falta que as fotos que o outro tinha faziam, acompanhou as tentativas insistentes de recuperá-las sendo em vão, a frequência diminuindo até Cesar apenas desistir, dando-se por vencido.

Queria ser capaz de consertar isso para ele.

Virou a câmera para o rosto do amante, tirando uma foto sua. Na foto, Cesar aparecia concentrado no monitor em sua frente, algumas mechas de cabelo caídas em seu rosto. Estava normal, sem as distorções usuais.

— É só questão de tempo até ela mudar, Arthur. — Ele havia fechado o jogo, agora apenas encarava a foto em sua mão, parecendo desanimado.

— Às vezes as coisas mudam — respondeu, vendo o outro dar um sorriso triste. — Você ainda tem as outras?

— Eu não consigo jogar elas fora. — E abriu uma das gavetas, revelando dezenas de polaroids viradas para baixo.

Arthur as pegou enquanto Cesar voltava a abrir alguns programas em seu computador. Virou as fotos em sua mão, encontrando logo na primeira a si mesmo, fumando na sacada do apartamento. Ela foi tirada há muito tempo. Era madrugada e Arthur tinha acordado por um pesadelo, então já não sentia mais sono. Foi para a sacada, encontrando Kaiser fumando, o que não era incomum, o homem mal dormia. Passaram horas em silêncio no local, apenas aproveitando a companhia um do outro. Ele tirou a foto quando não estava olhando.

Arthur tinha o cigarro entre os lábios na foto.

Passou para a próxima foto, onde Cesar, quando pequeno, brincava com os pais no balanço. Eles sorriam.

— Cesar! — chamou a atenção do outro, um sorriso cada vez maior em sua face. Entregou-as para ele, observando enquanto o olhar de confusão era rapidamente substituído por surpresa e então felicidade, um sorriso também crescendo.

— Mas como... — tentou perguntar, mas o choque era tamanho que não conseguiu terminar a frase. Ele passava as fotos uma a uma. Todos os sorrisos estavam de volta.

— Eu não sei, quem liga pra como? Elas voltaram ao normal, amor! — comentou animado, sem sequer reparar no apelido que deu ao outro, mas Cesar reparou, olhando-o surpreso por um momento. Não comentou nada, apenas sorriu novamente. Arthur estava perdido demais naquele sorriso para perceber qualquer outra coisa.

— Quem liga pra como? — repetiu, então levantou-se da cadeira, puxando debaixo da mesa um quadro grande, onde Cristopher sorria olhando para a câmera.

Colocou o quadro na parede, e com a ajuda de Arthur, foram lentamente preenchendo aquele lado da sala de vida novamente. Cesar parecia totalmente fascinado, sorrindo como a criança na foto do balanço enquanto olhava para cada uma delas. Samuel olhava a cena mais ao longe, feliz com o comportamento do companheiro, até Letícia vez ou outra dava um olhar satisfeito para os dois.

Pegou discretamente a foto que tirou de Cesar em cima da mesa, a guardando em seu bolso. Queria ter consigo aquele momento de alguma forma, como uma prova de que mesmo para o que parece improvável, há esperança. O tempo passa, as coisas mudam, e uma hora ou outra, mesmo quando o fim parece iminente e pareça que não há solução, tudo volta a ficar bem.

Aquela foto seria a testemunha da promessa que fez para si mesmo naquele momento. Arthur Cervero não era fraco. Ele era alguém que após passar por tantas coisas acabou despedaçando-se no caminho, mas isso não o impediria de reconstruir-se. Ele poderia se considerar fraco agora, mas prometeu para si mesmo que até para isso existe esperança, e ele seria capaz de se amar novamente.

Pelos sorrisos, por Cesar, por Joui.

Por si mesmo.

Um refúgio em seus braçosWhere stories live. Discover now