Harmoniosamente

501 54 36
                                    

Como um astronauta em meio ao espaço, cercado pelos mais belos e diversos astros enquanto flutuava por entre as estrelas, era como o trio no quarto se sentia. Joui e Arthur mal podiam sentir seus pés tocando no chão, a gravidade parecia estar deixando de existir aos poucos, lentamente os fazendo levitar, subindo em direção ao céu para ver de longe toda a beleza do universo.

E queriam que Kaiser também visse.

Com um último olhar um ao outro, sentaram-se na beira da cama, Arthur dando tapinhas no meio deles para que o homem na porta também se sentasse, e o fez, sentando-se no meio dos dois, que o observavam com olhares que não entendia.

— Vocês tão juntos? — Kaiser perguntou, olhando para o cigarro em sua mão. Pela primeira vez em muito tempo, não queria olhá-los nos olhos.

Aquela pergunta doía. Gostaria de dizer que estaria feliz pelos dois se fosse essa a verdade, mas não estaria. Sabia que seus amigos não o deixariam de lado, mas não podia evitar o sentimento de rejeição que lentamente crescia em seu peito a cada segundo, como se ele, entre todos os três, fosse o único diferente, incapaz de ser amado da mesma forma que os outros dois.

E ele era, não era?

Era justo no fim das costas, ele sequer merecia aquilo, então não havia motivo para se entristecer pelo assunto. Cesar Cohen não era alguém para ser amado, afinal, mas isso não faria aquela dor ir embora.

Joui olhou para Arthur por cima do homem cabisbaixo, em dúvida quanto ao que responder.

— Não exatamente — arriscou dizer, vendo o outro assentindo em concordância. — A gente conversou mais cedo e esclareceu algumas coisas.

— A gente percebeu que gostamos da mesma fruta — Arthur explicou.

Joui cobriu a cara com as mãos, não se surpreendendo nem um pouco com a explicação, mas claramente envergonhado pela escolha de palavras. Ouviu Kaiser rindo baixinho, o que o fez descobrir o rosto e voltar a observá-lo, ele ainda olhava para o cigarro na mão. Arthur, notando o mesmo, aproveitou-se da oportunidade e pegou-o enquanto Kaiser levantava a mão para dirigir-lhe aos lábios, colocando-o nos seus invés disso, o fazendo enfim erguer seu olhar, olhando para Arthur com uma expressão de um claro "por que não estou surpreso?" enquanto o outro sorriu, piscando um dos olhos para si.

— E você? Também gosta? — continuou ao tirar o cigarro da boca, soltando a fumaça no ar. O japonês o observava no fundo com um olhar de reprovação ao sentir a fumaça indo em sua direção.

— Se eu gosto do quê? — O olhou confuso, tentando entender a pergunta.

— O que ele quis dizer — Joui começou antes de Arthur abrir a boca para continuar, tentando evitar o constrangimento daquelas metáforas —, é que a gente não vai namorar.

Kaiser voltou o olhar para ele, ainda mais confuso do que antes. Aquela afirmação não fazia sentido. Se eles se amavam, nada os impedia de ficarem juntos.

— Por quê? — perguntou, apoiando as mãos nos joelhos e brincando com o tecido da calça, porém sem desviar o olhar como antes. — Se vocês... se amam, nada impede vocês disso.

— Nada impede a gente — Joui concordou, então sorriu, embora estivesse nervoso —, mas a gente não vai namorar se não for com você também.

E junto da gravidade, todo o ar da sala se foi de repente, o tempo pareceu parar naquela última exalação de seus pulmões. Apenas uma coisa acontecia em todo o universo naquele momento: uma melodia suave tocava à distância, com toques calmos, embora expressivos, enquanto uma flor de pétalas escuras, mas delicadas, era iluminada por raios de sol, por mais que fosse noite e tivesse apenas escuridão lá fora, ela aguardava para florescer. A música que tocava era formada de três batidas, e apesar de serem ritmos diferentes, soavam bonitas juntas.

Três corações que batiam harmoniosamente, criando o som mais belo de toda a existência.

E então o ar voltou para o cômodo, a melodia agora inaudível, mas mesmo assim, permanecia tocando. Uma nuvem cobriu o sol, e a flor ficou na escuridão.

Kaiser piscou, virando-se para olhar para Arthur, que também tinha um sorriso como o de Joui, mas diferente dele, não parecia nervoso. Ele fumava o cigarro tranquilamente, olhando para os dois ao seu lado e ao perceber o olhar de Kaiser sobre o seu, simplesmente assentiu, confirmando o que o japonês havia dito.

Joui e Arthur não tinham conversado sobre isso, não precisavam. Sem palavras, criaram esse acordo mútuo. Sempre foram os três juntos desde o início e permaneceria dessa forma até o fim.

Olhou para as próprias mãos, buscando as palavras que pareciam não chegar em sua mente.

Por muito tempo teve medo de se permitir amar novamente, perdeu pessoas demais para ser capaz de viver sem ter o peso de cada vida perdida pesando em sua consciência. Ainda tinha medo, mas com o tempo, passou a aceitar todos os sentimentos que tinha dentro de si e se permitiu amar de novo, mas ser amado? Era difícil acreditar que alguém conseguiria amá-lo. Kaiser não era merecedor disso.

E agora, as duas pessoas que mais amava estavam lhe dizendo que esse amor era recíproco, ainda mais do que achou que seria possível.

— Eu não mereço esse amor — disse em voz baixa, voltando a olhar para baixo.

Sentiu a mão de Arthur segurando seu queixo gentilmente, erguendo sua cabeça para o olhar. Ele já não tinha mais o cigarro e olhava para Kaiser com um olhar tão carinhoso que o fez quase que se arrepender do que disse.

— Você merece o mundo — respondeu, então se aproximou, passando seu braço ao redor do corpo magro do mais velho, abraçando-o. Sentiu os braços de Joui do outro lado também o cercando, em um abraço paciente, esperando com calma seus pensamentos se organizarem. — A gente entende se você não sentir o mesmo, isso não faria com que nós deixássemos de ser seus amigos.

— Sempre vamos estar aqui com você, Kaiser — Joui completou, apertando mais um pouco o abraço.

E pela segunda vez no dia, percebeu seu equívoco ao subestimar aqueles dois homens que significavam tanto para si. Merecendo ou não, eles o amavam verdadeiramente, e saber disso era suficiente para fazer com que aquela melodia tocasse mais alto novamente, mais viva, e o sol voltasse a iluminar a flor que, lentamente, estava a desabrochar.

Fechou os olhos, agarrando-se a aquele sentimento dentro de si, sentindo-o, fazendo daqueles braços ao seu redor, seu refúgio. Sorriu minimamente, então abriu os olhos.

— Cesar. Me chama de Cesar. — Ergueu seu olhar, indo um pouco mais para trás na cama para conseguir olhar nos olhos de Joui e Arthur. — E eu amo vocês também.

Um refúgio em seus braçosWhere stories live. Discover now