As paredes eram divisórias cinzas que não chegavam ao teto, a única parede de concreto tinha uma janela que permitia ver por cima das casas e árvores da rua. Aquela parte de Tokyo era mais voltada para a indústria e tínhamos o privilégio de ver um resquício da natureza que se recusou a desaparecer.

—Sim chefe? — Fiquei parado na porta com esperanças, mas ele fez sinal para que eu entrasse.

Nezu é baixinho, um pouco acima do peso e as faces lembravam um roedor de certa forma. A aparência escondia uma mente brilhante e sagaz que conduz há vários anos o jornal mais bem sucedido do país, mesmo que ele tivesse o hábito de tomar licor na xícara de chá e ficar bêbado discretamente, mas diariamente.

—Eu li no seu currículo que você nasceu em Suna, certo?

—Sim — Comecei a imaginar o que viria depois.

—Como é lá?

—Quente, seco e velho. A cidade foi toda projetada por um artista antiquado. É um dos menores bairros de Tokyo, quase oito mil habitantes de famílias ricas ou escória, sem meio termo.

—E qual você é?

—Escória da família rica — Ele sorriu e eu franziu a testa preocupado — Por que você saiu de lá?

—Por que eu sou gay — Nezu ergueu uma sobrancelha para mim e dei de ombros pela centésima vez naquele dia — Eu te disse, escória da família rica.

—Você sabe o que está acontecendo lá?

Vasculhei a memória em busca de alguma coisa. Suna era uma cidade decadente com aptidão para desastres. Ataques terroristas, acidentes com ônibus escolares, assassinos psicopatas e tempestades de areia — poderia se achar qualquer coisa lá.

—Precisará ser mais específico, diretor.

—Uma criança de uma família rica desapareceu há alguns anos. Simplesmente poof — Ele fez um sinal de explosão com as mãos — Doze anos depois a mãe do garoto... poof. Nos dois casos foram deixado uma higanbana vermelha e nada mais.

—Entendo — Falei com falso interesse.

—Você tem família lá?

—Pai morto e enterrado. Mãe viva, padrasto vivo.

—Está com saudades da família?

Não, eu não estava nem um pouco com saudades da família.

—De jeito nenhum — Respondi sem rodeios — Eu não vou voltar para lá . Temos histórias de assassinos loucos bem aqui, até te entreguei uma matéria pela manhã.

—Excelente matéria falando nisso. Mas não é um caso único, precisamos de exclusividade.

—Posso sair e matar algumas pessoas se quiser algo exclusivo.

Ele me olhou preocupado antes de rir descontrolado, julgando que eu não falei sério, mas sem saber que eu faria qualquer coisa para não precisar voltar naquela cidade.

—Você é um grande jornalista investigativo, Midoriya. Sempre consegue os melhores depoimentos e suas matérias são premiadas todos os anos. Você não acha que está na hora de dar a volta por cima?

—Na verdade, não.

—Olha, se não quiser voltar tudo bem, mas seria uma chance perdida. Eu não sei o que aconteceu no seu passado, mas eu garanto que não tem gostinho melhor do que ver as pessoas que nos humilharam torcendo a boca quando veem o nosso sucesso.

Eu não gostava de pensar que estava devendo algo a alguém, mas sabia que devia minha carreira a ele. Quando terminei a faculdade de jornalismo e me mudei para Konoha. foi ele quem aceitou ler meus cadernos cheios de anotações com minha caligrafia desleixada. Na época eu não tinha computador, eu não tinha direito a receber ajuda da família.

CicatrizWhere stories live. Discover now