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"É parte da cultura dos moradores de pequenas e médias cidades serem apegados as tradições e serem respeitosos com os quatro pilares da cidade: O pastor, o médico, o delegado de polícia e o prefeito. Esse respeito vem de longe e está arraigado na cultura da mesma forma que somos ensinados a dizer obrigado e pedir por favor. Suna era uma dessas cidades.

Mas às vezes, um desses pilares se torna o principal e os outros se tornam obsoletos. Por exemplo, quando o padre daquela cidade estendeu o máximo que pode a parte da cerimônia " Se alguém tiver algo que impeça esse casamento, que fale agora", as pessoas presentes ficaram constrangidas, questionando o motivo daquela demora enquanto olhavam a bela jovem de longos cabelos cinzas diminuta ao lado do homem ruivo e corpulento.

Por respeitar o pilar principal, as pessoas ignoraram quando o médico apontou que aquela criança ruiva, que vivia caindo ou batendo nos móveis, não era apenas uma criança desastrada, e sim uma vítima. O delegado também foi ignorado quando pediu ajuda para encontrar Toya Todoroki, desaparecido numa noite de primavera aos 15 anos.

O pilar que foi capaz de cegar tantas pessoas foi o prefeito, Enji Todoroki. De uma família tradicional, Enji se casou no último ano da faculdade de ciências políticas, com Rei Todoroki, uma jovem de 19 anos que cursava psicologia. O casamento firmou a entrada de Enji na política, uma área nova para a família Todoroki. Afim de manter a boa impressão com os cidadãos, Enji usou suas influência e poder para encobrir a depressão da esposa e um dos piores casos de homofobia que esse país já viu.

Toya Todoroki descobriu sobre sua sexualidade ainda jovem, aos 14 anos, e viveu uma bela história de amor, jovial e puro por um ano inteiro, até o momento que sua mãe os viu demonstrando afeto e carinho inocente num entardecer. O jovem foi brutalmente espancado com um cinto de couro, a ponto de vergões serem abertos em sua pele, e foi forçado a se afastar daquele que era o dono do seu afeto.

Eu era apenas um jovem tolo naqueles dias, que apanhava e sofria humilhações constantes por ser homosexual, mas um breve encontro com aquele jovem selaria o seu destino. Soube há poucos dias que minha forte determinação fez aquele jovem arriscar a vida para me salvar e assumir a sua sexualidade para a família. Na noite de 15 de agosto de 2008, Rei Todoroki, em um surto de fúria e preconceito, queimou seus filhos, o mais velho e o caçula, com a água fervente de uma chaleira. Enji levou o caçula ao hospital enquanto Rei aproveitou que o filho mais velho estava desacordado para o levar no barco da família e navegar para Manju-jima, uma ilhota desabitada depois da segunda guerra  incluindo o hospital construído ali por militares  e o deixou trancado por doze anos, preso numa uma cama e longe daqueles que o amavam. O garoto cresceu aos cuidados da mãe, que o visitava uma vez por semana, todas as sextas. Nessas visitas ela levava alimentos e calmantes, livros e sempre a mesma pergunta: "Você ainda pensa que é gay?".

Na sexta feira de 15 de janeiro de 2021, obra do destino ou coincidência, faltando exatos seis meses para que se completasse 13 anos do cárcere do jovem Toya, por causa do mau tempo, a pequena lancha acabou enguiçando e Rei quase se afogou, sendo encontrada por pescadores que foram pagos pelo seu silêncio. O prefeito fez tudo ao seu alcance para encobrir o que se passava naquele hospital militar esquecida em Manju-jima, internou a esposa em um hospital psiquiátrico fora do país, forjou seu desaparecimento, chegando até a deixar uma flor similar à que seu filho segurava no dia que assumiu sua sexualidade e teve sua liberdade roubada para dar mais crédito a sua história. Eiji seguiu com sua candidatura, pois se desse sorte, Toya morreria naquela ilhota e nunca mais seria um potencial escândalo.

Se não fosse seu forte desejo de viver e a força para lutar, Toya Todoroki não seria encontrado com vida. Todas as noites, ele usou a lanterna sinalizadora que criou para pedir ajuda, e finalmente esse pedido foi atendido. Ele estava vivo, embora muito debilitado, com cicatrizes físicas e emocionais profundas demais para qualquer ser humano enfrentar, sofrendo de síndrome de Maria Antonieta, desnutrição, anemia, síndrome do pânico, entre outras coisas. Agora, com 27 anos, ele está sob os cuidados da família e do antigo namorado da época de escola. Rei Todoroki foi transferida para uma prisão psiquiátrica até seu julgamento e Enji Todoroki está preso, acusado de ser cúmplice de sequestro, abandono de incapaz e tentativa de homicídio.

CicatrizWhere stories live. Discover now