Minha namorada me obriga a chorar

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    ALERTA DE SPOILERS
A partir desse capítulo: contém Spoilers de Provações de Apolo, O Labirinto de Fogo.
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ABRIGO,
FEVEREIRO.

          Jason tinha três tipos de pesadelos. O primeiro era com a própria morte. O sorriso estampado no rosto de Calígula, a gargalhada que fazia seu estômago borbulhar de ódio e a lança que o atravessara. A maioria das pessoas dizia que na morte você não sentiria nada, no entanto ele se lembrava do frio. Parecia que havia sido atravessado por uma estaca de gelo e sido congelado por toda a eternidade. 
          O segundo tipo de pesadelo era com seus amigos morrendo. Não era real, dizia para si mesmo todas as vezes tentando acalmar seu coração. 
          O terceiro pesadelo era o mais recorrente e o pior de todos, ele sonhava com o que aconteceu depois que morreu.
          O vazio e o frio duraram para sempre. Jason não tinha forma na sua pós-morte, foi quando soube que algo estava errado. Ele precisava se esforçar para pensar, na maioria das vezes nem sabia quem era, às vezes só lembrava alguns detalhes de quando morreu, era como se tivesse perdendo a si mesmo a cada instante.
          — Meu nome é Jason Grace, sou filho de Júpiter, minha irmã se chama Thalia e eu tinha 16 anos quando morri. — repetia para si mesmo.
          Outra coisa que não te contam sobre a morte: você perde a noção do tempo.
          Jason lutava para se lembrar do rosto dos amigos. Quíron era um centauro branco ou castanho? Qual era o nome da loba que o havia levado para o Acampamento Júpiter? Luma? Lua? Talvez não seja um nome com L. Juma? Ele não sabia. Estava se esvaindo e cada vez se lembrava de menos. Há quanto tempo estava morto? Não sabia, pareciam anos. E todas as vezes que começava a pensar sobre onde estava sua mente se esvaia e ele perdia a consciência. 
          Como poderia perder a consciência se estava morto? Mortos não tinham cérebro. E porque tudo era gelado? Jason se lembrava de como havia chegado no acampamento meio-sangue sem nenhuma memória e frustrado porque não saber de nada. Aquela sensação era pior, sabia quem era, mas não onde estava ou porque conseguia pensar. 
          Houve um momento em que o frio foi embora e foi substituído por dor. Havia água em seus pulmões e não importava o quanto engasgasse, não conseguia se livrar dela. Tudo ao seu redor era luz e só conseguia ouvir um zumbido alto demais. Mesmo sem ver ou ouvir, sabia que haviam duas pessoas do seu lado. Uma mulher, notou, tocou seu rosto e seu toque foi como fogo. 
          — Esse é o único jeito, meu querido. Vão cuidar de você agora. — A voz disse em sua mente.
          Era Juno. Como sabia? Não fazia ideia, mas era Juno. 
          Logo em seguida, Jason voltou para o frio. 
          Jason acordou do pesadelo desnorteado e puxando o ar com força, fazendo seus pulmões reclamarem.
          — Respire fundo algumas vezes. — disse Sophia do outro lado do quarto.
          Ele obedeceu. 
          Nem precisava explicar que estava tendo um pesadelo, ela sabia.  
          Controlou a sua respiração até seu coração voltar a bater em um ritmo aceitável. Tinha que se lembrar que não estava mais preso no vazio, não estava em perigo e que estava tudo bem. Esticou os dedos das mãos e dos pés para aliviar a dormência do sono. Seu pescoço estava tão tenso que doía.
         Sophia mexia em um álbum de fotos grande de capa de couro que tinha as fotos de todos os amigos de Jason. Fotos no acampamento meio-sangue, no acampamento Júpiter, tinha até uma foto que os garotos conseguiram tirar de Quíron usando bobes no rabo de cavalo. Era um presente da Ordem pelo inconveniente de nunca mais poder ver nenhum deles.
          — As fotos ajudam. — disse.
          — Eu sei.
          — Eu sei o que você acha disso. —insistiu.
          Sophia se virou para encará-lo.
          — Jason, eu acredito que qualquer coisa que te faça sentir falta de alguém ou algum lugar é ruim e não te ajudará a superar. — Ela respirou fundo e continuou com a voz mais gentil — Também sei que cada um tem seu próprio tempo e seus próprios meios, não cabe a mim dizer o que é melhor para você.
          Ele se levantou da cama e estralou o pescoço.
          — Você realmente acha que um dia, não vou mais sentir falta deles? — perguntou sem olhá-la.
          — Eu sei que vai. — ela respondeu. 
          Sua voz tinha um tom triste. Jason beijou sua bochecha e foi em direção ao banheiro.
          Ele deixou a água quente cair na banheira e logo a fumaça começou a preencher o ambiente. Jason se apoiou na pia vendo o próprio reflexo no espelho. Tudo na sua aparência parecia falso, a cicatriz na boca, os cabelos loiros que agora caíam sobre os olhos, os olhos azul-elétrico e a nova tatuagem no peito que havia feito involuntariamente, mais uma das coisas que gostaria de reclamar com sua patrona. Ela salvou a sua vida disse Sophia uma vez. Jason ainda não tinha certeza se era grato por isso, o preço tinha sido bem alto. 
          Ele não se sentia ele mesmo fazia muito tempo, mas nem todo seu novo eu era ruim. 
          — Por favor, pare de sentir pena de si mesmo, é deprimente. — gritou Sophia do quarto.
          Jason sorriu.
          — Pare de ler minhas emoções. 
          A porta do banheiro se abriu.
          — Não dá, você fede à autopiedade. 
          Ele fechou a porta na cara dela rapidamente.
          — Saia! — ordenou.
          — Não é como se eu não tivesse visto. — gargalhou ela enquanto se afastava. 
          Ele a ouviu saindo e relaxou um pouco. 
           A água do banho estava perfeitamente morna, ela ajudava a sentir seu corpo, fazia a vida parecer mais real. 
           — Eu me chamo Jason Grace, minha irmã se chama Thalia, sou filho de Júpiter e tinha 16 anos quando morri. — repetiu para si mesmo como se tivesse medo de esquecer.
           Depois do banho, Jason vestiu uma blusa branca fresca e uma calça jeans, suas roupas ainda cheiravam à amaciante.
           Ele pressionou as mãos contra a porta que abriu deslizando para a esquerda. Sophia conversava com uma garota de cabelos castanhos.
           As duas meninas se viraram para encará-lo.
           — Não, não. Temos que ir para o Subterrâneo. Lá é muito mais legal. — disse a outra garota.
           Sophia cobriu a boca e bocejou.
           — Tá bom, Día. A gente se fala. — se despediu.
          Día soprou um beijo para Jason e saiu andando na direção do próprio quarto.
           — Não via a Día desde a viagem dela para a América Central. — Jason comentou. — Ela está diferente.
           — Ela só está mais bronzeada e não para de falar sobre os astecas e maias. Tá me deixando entediada.
           — Eles possuíam magia? — perguntou.
           — Sim. 
           — Eles eram como... nós? — Jason quase tinha dito "vocês". Ainda era difícil para ele assimilar que não era mais apenas um semideus. Sophia notou, mas não disse nada, ao invés disse respondeu:
           — Não. Eles eram de um panteão. Se você quiser, pode perguntar tudo para a Día, ela está se especializando nisso agora. 
           — Ciúmes? — provocou Jason dando um leve empurrão nela com o ombro.
           Sophia revirou os olhos e sorriu. A ideia era realmente ridícula, se ele algum dia se sentisse atraído por outra pessoa ela seria a primeira a saber. 
           Os dois seguiram pelo corredor até a cafeteria. Naquela área ficavam os dormitórios, centenas de quartos individuais alinhados dos dois lados de um corredor muito longo. As portas eram de cores, formatos e materiais diferentes para combinar com a personalidade e origem da pessoa. No interior, os dormitórios eram gigantescos, maiores que a maioria dos apartamentos no mundo lá fora, alguns tinham dois andares. Sophia dizia que era apenas mágica, pois do lado de fora todos pareciam um quarto de hotel normal.
          Jason levantou o braço esquerdo e falou para um relógio de pulso com tela touch:
          — Eva, eu quero escolher meu café da manhã. — o visor se acendeu em uma luz azul — Panquecas com calda de caramelo, ovos mexidos e morangos e um copo pequeno de café com leite.
          — Registrado. O seu café da manhã fica pronto em 10 minutos. — respondeu uma voz feminina computadorizada.
          Jason se virou para Sophia.
          — Já pediu o seu?
          — Yep.
          Conversar com ela era assim, simples e direto. Sophia não gostava de conversa fiada e não ficava fofocando. Se o assunto não a interessava nem participava. Ela não era de falar muito, preferia ouvir a outras pessoas falando. Fazia parte da sua personalidade analítica. As pessoas diziam que Jason a pressionava a falar mais, a participar e a sonhar mais.
          Quando finalmente chegaram na cafeteria foram direto para a mesa a esquerda da entrada, ao lado de um chafariz de fênix. Ele e os amigos gostavam pois ficava ao lado da varanda, que na verdade era apenas um vidro ilusório que simulava um ambiente que não existia. Josh estava no meio de uma conversa animada com Ivy e Gabriela.
           — Cara, então a Emma deu um soco no Matt e quebrou o nariz dele. — disse Josh gesticulando com as mãos e dando um soco no ar.
           — Eu não acredito que o Matt tenha sido tão estúpido. — comentou Ivy enquanto arrumava a sua comida milimetricamente na bandeija.
          Jason e Sophia se sentaram.
          — O que o Matt fez? — perguntou Jason.
          — Quem é Matt? — indagou Sophia.
          Todos olharam para ela e que ficou em silêncio levemente constrangida.
          — Matt é da classe dos druidas, ele namorava a Emma, amiga de todo mundo nessa mesa. — explicou Jason calmamente.
          Sophia fez um o com a boca, mas não disse nada. 
          Jason sorriu e se virou para Josh.
          — Então eles terminaram?
          — Acho que ele não vai dar as caras por um tempo. — respondeu o garoto.
          — Ouvi falar que ele vai fazer uma viagem de estudos. — disse Ivy.
          — Tomara, ninguém vai pegar leve com ele depois de trair a Emma. — comentou Gabriela.
          Esse era um grupo de amigos bem diferente. Gabriela era uma cubana de cabelos lisos, que agora estavam na cor rosa, e olhos castanhos, Ivy era uma francesa de pele preta retinta e cabelos em tranças loiras, Josh era um inglês de cabelos castanhos-loiros levemente encaracolados e olhos castanho-dourado e Sophia era uma russa de cabelos lisos pretos na altura do ombros e olhos da mesma cor. Eles tinham pouco ou nenhum sotaque, porém Jason sabia que eles ainda falavam muito bem a sua língua nativa.
          Todos tinham sido muito legais com ele desde que chegou ali, Josh até tinha participado do seu resgate, e eles continuavam a ajudá-lo durante toda a transição. Jason devia agradecer ao deus das amizades porque ele ou ela certamente o ajudava sempre. 
          Droga! Ele sentia tanta falta dos amigos antigos e eles deveriam estar sentindo falta dele também. Às vezes ficava pensando em Nico, o pobre garoto havia passado por coisa demais. Esperava que Will e ele ainda estivesse juntos e que o filho de Apolo o estivesse ajudando a passar pelo luto. Será que Piper estava bem? Percy e Annabeth deveriam estar terminando o primeiro ano de faculdade agora. Queria tanto estar com todos eles nesse momento. Sentia falta de Leo também, nem sequer tinha conseguido dar um último oi para o amigo.
         Alguém estalou os dedos na frente do seus olhos para trazê-lo de volta à realidade.
         — Você vai tentar o teste em 4 meses, Jason? — perguntou Ivy.
           Ele piscou.
           — Hã? Ah, vou. 
           — Sério? Ousado! — exclamou Josh — Poucos tentam antes de completar dois anos de treinamento.
           — Eu treinei e enfrentei monstros a minha vida toda. 
           Sophia se levantou.
           — Fisicamente Jason está acima de quase todos daqui, só não sei ele dá conta da parte mágica. — comentou ela — Já volto, vou pegar nossa comida.
          — Verdade, você ainda não foi classificado, né? — perguntou Gabriela se inclinando sobre a mesa, repentinamente curiosa.
          Jason deu os ombros.
          Josh respondeu por ele.
          — Eu ainda acho que ele é um druida como eu e Emma. Devido a sua... natureza de nascimento. — disse ele animado.
          Uma discussão começou sobre o que Jason era ou poderia ser. Sophia surgiu ao seu lado com duas bandeja de comida, a sua e a dela e ele logo começou a devorar seu café da manhã. 
         Sophia colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha antes de sentar.
         — Não se esqueça da festa da Amanda hoje à noite. — disse antes de colocar um de seus morangos na boca.
         — Ei! Minha comida.
         Ela mostrou a língua.
         — Às 18h30 no quarto 142. — continuou ela.
         — Eu vou estar lá. — respondeu com a boca cheia.
         Ela franziu a testa em repulsa e ele riu. 
  
         Jason adorava treinar, o fazia se sentir como antes. Quase podia se virar e provocar Percy antes de perceber que Percy não estava lá, mas era na sala de estudos que passava a maior parte do tempo. Cada vez que percebia a sua dislexia diminuindo, se sentia como se tivesse se perdendo. Alexis, a sua monitora, havia explicado que a dislexia não estava indo embora, mas sim que ele estava usando magia para fazer seu cérebro ler melhor. Aquilo era reconfortante, porque Jason mal conseguia abrir uma porta e já estava começando a questionar se a Rainha Petra não havia errado em recrutá-lo. Era estranho sentir falta de um lugar e temer ser expulso de outro ao mesmo tempo. 
          Jason gostava do abrigo e não falava isso porque era a única parte da Ordem que havia conhecido ainda. Claro que às vezes era claustrofóbico, estar em um tipo de banker gigante embaixo da terra. Já havia se perguntando onde estava pelo menos um milhão de vezes, talvez um abrigo antibombas, não duvidava que era possível. Viver quase todos os dias sem a luz do sol real em uma lata de sardinha do tamanho de um castelo medieval era desconcertante. Era como acordar no mesmo dia da semana para sempre. Sentia falta do ar e de uma boa tempestade de raios. 
          Nenhum dos sêniors dizia muita coisa, só o mesmo de sempre "você está em um lugar seguro para aprender tudo que precisa antes de conseguir se defender sozinho". Era preciso ter pelo menos 13 anos para ir para o abrigo ou estar correndo um sério risco de vida. Sophia tinha 10 quando se juntou à Ordem, Josh e Jake 12. Jason tinha 16, mas era de longe o mais velho ali. Blair, uma mulher escocesa de meia idade e uma alquimista talentosa, estava sempre no mesmo grupo de estudos dele. 
           Depois de um longo dia de aula de magia e estatísticas, que ele era surpreendentemente bom, Jason foi para o dormitório se preparar para festa. Amanda era uma garota brasileira que iria fazer o teste de graduação no verão junto com ele, Blair e outras dezena de alunos.
          Todos os juniores, como era mais comumente chamados os recrutas antes da graduação, se conheciam. A maioria eram colegas, amigos ou mais do que isso. O namoro dele com Sophia aconteceu como tudo na sua vida, por acaso. Ela era uma sênior e havia se encarregado da transição dele depois do seu resgate. A proximidade acabou juntando os dois e ele foi obrigado a trocar de monitora. Os outros às vezes fofocavam sobre ele ter um caso com Alexis e que ele tinha uma queda por monitoras, mas apenas ignorava. Seus amigos sabiam da história completa.
          Jason gostava de festas, contudo ainda estava tenso com o teste se aproximando. Ele não podia falhar de jeito nenhum. Por causa disso, não se sentia no clima de uma festa, porém havia prometido que iria, então agora estava no seu quarto vestindo uma jaqueta jeans e um cachecol laranja e roxo quando ouviu a porta do quarto se abrindo.
       — Estava pensando na gente ir para um encontro depois do teste, sabe? Para comemorar. — disse sem se virar
       — Sério? Nossa! Não sabia que me considerava tanto, cara, mas eu tenho que dizer: eu sou hétero. — respondeu sarcasticamente uma voz masculina.
        Jason se virou e viu Josh parado em frente à porta.
        — Eu achei que fosse a Sophia. 
        — Claramente achou.
       O garoto olhou ao redor e assoviou.
      — Uau. Esse quarto é muito legal.
      Jason seguiu o olhar de Josh. Nas últimas duas semanas havia se habituado ao novo quarto, o último foi explodido por um grupo de juniores. A mudança fez bem, o fez se sentir mais em casa. O quarto era simples e funcional, talvez Annabeth aprovasse o design. 
         O quarto parecia um loft, com uma escada que ia para a cama, o closet e o banheiro. O teto e a parede ao fundo pareciam de vidro, era para fazer seu cérebro achar que estava em um lugar ao ar livre. O teto, durante o dia, simulava a luz solar, à noite, mostrava às estrelas. Eventualmente havia um dia de tempestade ou neve. A parede de vidro ia até o segundo andar e mostrava a copa de uma floresta densa. Quase podia fingir que estava à alguns metros do acampamento meio sangue. No andar de baixo havia um um sofá de 10 lugares de frente para uma lareira. Com uma ordem para Eva, a inteligência artificial do abrigo e da Ordem, um projetor se iniciaria e a sala poderia se transformar em um pequeno cinema. Do outro lado, havia uma pequena cozinha com uma bancada com bancos altos. No final do quarto, perto da parede de vidro, havia prateleiras de livros separando os dois ambientes e um banco acolchoado para aproveitar a vista cercado alguns vasos de plantas.          
          Jason sorriu. 
          — É. Faz eu me sentir mais...
          — Livre? — sugeriu Josh.
          — Em casa. — concluiu.
          Josh se mexeu, inquieto.
          — Jason, você... hã... Se pudesse escolher entre voltar para, você sabe, sua vida antiga, e ficar aqui, o que escolheria?
           A pergunta o pegou desprevenido. Sua psicóloga o fazia essa pergunta em todas as suas consultas e sabia que seus amigos se perguntavam isso também, mas ele se sentiu exposto. Como se milhares de olhos de repente se virassem para ele esperando a sua resposta. O que escolheria? É claro que sentia falta de sua vida antiga todos os dias, mas valeria a pena perder os que havia feito? Valeria a pena perder Sophia? 
          — Eu lutaria, lutaria para manter os dois. — disse por fim.
          — E se tivesse que escolher um lado? — tentou Josh novamente.
          — Eu lutaria pelos dois, como eu sempre lutei. — respondeu.
          — Mas e se...
          — Josh, — interrompeu ele — eu não tenho escolha. Ponto final. 
          O garoto engoliu em seco e assentiu. 
          Jason pegou o presente da aniversariante e os dois saíram do quarto. Começaram a conversar sobre baseball, o amigo estava há meses tentando ensiná-lo tudo sobre o esporte e os times americanos. A primeira vez que havia dito que não sabia nada sobre, Josh parecia ter levado um tapa na cara e desde então tem tentando educar um americano sobre a Cultura Americana, como ele mesmo havia dito. 
          A música só os alcançou depois deles abrirem a porta do quarto 142. A magia que fazia todos os ambientes do abrigo serem à prova de som ainda era surpreendentemente poderoso porque a música estava bem alta. A pista de dança era na entrada, então os dois tiveram que atravessar um grupo agitado até chegar onde outro grupo conversava tranquilamente. 
          Uma garota os abordou e entregou dois copos vermelhos para eles.
          — As bebidas estão na mesa à direita e a comida estão na cozinha no final. Aproveitem! — gritou ela.
          Jason se virou para Josh.
          — Sênior? — perguntou.
          — Novata. A nova aquisição do meu irmão. — resmungou Josh — Com licença. 
          E saiu andando em direção à mesa de bebidas onde estava o outro gêmeo. Jason avistou Sophia conversando com Emma e Amanda em um canto e foi até elas.
         Ele sentia mal pelo término de Emma com Matt e queria falar com a garota, ainda mais porque ele tinha sido um babaca. Apesar dela deixar claro que estava bem, queria ter conversa direito e garantir que não precisava dar uns socos no colega de aula. 
          — Oi garotas. 
          — Ei, Jason. — cumprimentou Emma.
          — Ei, Ken. — disse Amanda.
          Sophia riu.
          — Ah não, Amanda. — reclamou ele.
          A garota sorriu e bebeu algo do seu copo.
          — Desculpe, o apelido pegou. 
          Ele entregou o presente para Amanda.
          — Feliz aniversário. — desejou.
          — Valeu, nem precisava trazer nada. Eu vou guardar e já volto. — ela pegou o presente e sumiu em um corredor na lateral. 
           Emma pigarreou.
           — Eu vou deixar o casal às sós.
           — Não, Emma. — disse Sophia.
           — Eu queria falar com você de qualquer forma. — complementou Jason.
          Ela mordeu o lábio inferior.
           — Olha eu já sei, tá? Eu tô bem, Matt era um idiota e eu estou melhor sem ele. A gente se vê na aula amanhã. — disse ela antes de sair para a pista de dança.
          Jason se virou para Sophia.
          — Eu sou tão previsível assim?
          — É. — respondeu ela antes de dar um beijo nele — Mas todo mundo acha isso fofo.
          Meia hora depois a festa virou um caos. 
        Estava quase todo mundo meio bêbado, Jason não bebia, então poucos perceberam quando o teto começou a emitir uma luz vermelha que piscava. Alguém desligou o som rapidamente enquanto muitos reclamavam e todos começavam a ouvir as sirenes de aviso. Algo estava errado no abrigo.
           Jason ainda não tinha presenciado uma situação de perigo no abrigo, mas estava acostumado à ser um líder então correu em direção à porta.
          — Jason, não! — gritou alguém.
          Mas ele já estava no corredor. A maioria dos quartos ainda estavam com as portas fechadas, porém alguma pessoas olhavam de um lado para o outro sem entender nada. Jason seguiu correndo em direção à sala circular onde ouviam-se barulhos de luto. Ele ouviu alguns gritos de ordem atrás dele em línguas na qual não falava e virou o corredor, já conseguindo ver dezenas de pessoas correndo até uma porta branca no final de corredor à sua frente. Dois minutos para chegar lá, pensou. Alguém o puxou para trás e ele parou.
          — Ei! — era Sophia — você é júnior. Precisa ficar no seu quarto e trancar a porta. É o protocolo.
          Jack, Josh e outras pessoas passaram correndo por eles. O seu coração batia à mil com a adrenalina.
           — Sophs, por favor não me peça para ficar sem fazer nada em um momento de perigo. Eu quero ser útil. — gritou em meio ao barulho da sirene. 
           A garota passou a mão no rosto, pensativa.
           — Tá, vem. — disse ela depois de alguns segundos.
           Sophia correu e ele foi atrás dela.
           Quando chegou lá, Jason percebeu que o que quer que fosse que tivesse acontecido já tinha acabado. Cerca de vinte e poucos seniores estavam com armas às mãos ao redor de um tentáculo branco que medía duas vezes o tamanho humano e que não se mexia, mas que claramente tinha saído de uma das portas.
          Em um canto, sendo cuidado por três médicos adultos, estava um rapaz forte de cabeça raspadas e tatuagens pelo corpo que chorava e gritava enquanto tentavam acalmá-lo para cuidar de suas feridas. Ele conseguiu distinguir só uma frase que foi como ser atingindo pela lança de Calígula novamente.
          — Gabriela se foi.
          Jason sentiu como se tivesse levado um soco na barriga. Sophia correu até o garoto e começou a falar com ele fazendo contato visual para acalmá-lo. Os gritos diminuíram, mas já havia parado de ouví-lo ou ouvir qualquer coisa. Olhou ao redor, percebendo subitamente que estava bem no meio do caminho de muitas pessoas de hierarquia superior que começavam a andar de volta para o corredor, se dispersando dos poucos que permaneciam na sala. Jason travou o maxilar com tanta força que doeu. Permaneceu com a postura firme e a expressão inabalável enquanto via a namorada usar suas habilidades para tranquilizar o garoto, que descobriu que se chamava Gil. 
          Viu quatro pessoas usando luvas cirúrgicas colocarem o tentáculo em uma maca improvisada e saírem da sala circular. Muitos olhavam para ele desconfiado como se perguntasse o que estava fazendo ali. O bom do abrigo e da Ordem é que ninguém o enaltecia por seus feitos como semideus ou porque era filho de Júpiter, ninguém se importava se você tinha ajudado a salvar o mundo duas vezes. 
          A sala circular era um pátio cinza com um teto muito alto e dezenas de portas vermelho vivo. A única coisa que havia no lugar eram as portas, uma fonte de água de 2m² de comprimento bem no meio da sala e duas portas grandes que abriam por aproximação que levava até o scanner da vistoria, um para o corredor dos dormitórios outro para a ala médica. Tudo que entrava ou saia era devidamente registrado, apesar disso ninguém ainda havia vindo falar com ele sobre porque um júnior estava ali quando só é permitido seniores ou hierarquias mais elevadas. 
         Jason permaneceu ali parado e com a expressão séria aguardando Sophia terminar o seu atendimento. Seu coração se comprimida como se estivesse sendo embalado à vácuo. Ele se lembrou de Gabriela no começo da manhã rindo com seus cabelos rosa. Apesar de tê-los conhecido há apenas 6 meses, Jason já os considerava grandes amigos. Gabriela ela uma garota legal, as vezes ela lembrava Percy quando fazia comentários aleatórios e aparentemente impróprios. 
          Percy. Será que mais algum dos amigos havia morrido? Por causa da Lei Marcial da Ordem, ele não podia ter mais nenhum contato com sua vida antiga, nem sequer sabia como estavam, se estavam bem ou se estavam vivos. Nada. Só o silêncio, como se sua vida antiga tivesse morrido junto com ele. 
          Jason respirou fundo e se mexeu inquieto. Estava tentando pensar em qualquer coisa menos na morte, menos em Gabriela e menos nos amigos antigos. O teste de graduação seria em Junho, em quatro meses, deveria ser tempo o suficiente para aprender magia arcana suficiente para passar. É, deveria sim. Aliás, ele já era um excelente guerreiro.
           Jason saiu de seus devaneios com um tapa. Sophia estava na sua frente. Ele tocou o seu rosto. Ela não tinha realmente lhe dado um tapa, foi só apenas a sensação emocional de um tapa.
          — Não! — gritou ela — Libere! Libere agora!
          Ele piscou.
          — Que?
          — Você está contendo seus sentimentos. Libere agora! — insistiu ela.
          — Eu tô bem. — continuou.
          Sophia cerrou os punhos.
          — Nem tente mentir sobre sentimentos para uma inquisidora. — grunhiu ela — E eu não vou deixar você mentir para si mesmo.
          Jason virou o rosto.
          — Olha, eu sei você quer ajudar, mas eu consigo lidar com isso. — suspirou ele.
          O olhar dela era como de uma faca afiada.
          — Não me venha com essa. 
          Ela fechou os olhos e colocou as mãos, que estavam tremendo, no bolso do vestido. Depois de um tempo, o que o deixou inquieto, ela o encarou novamente, seus olhos estavam mais tranquilos.
          — O cérebro não é burro, Jason. Ele processa tudo que você pensa, sente, vê, cheira... tudo. — o tom de voz dela lembrava a de um professor dando uma aula — Quando você se recusa a aceitar algo natural, como a tristeza, raiva e luto, seu cérebro processa isso. Você não consegue mentir para ele. 
          Dois homens passaram por eles vestindo roupas sociais, eram especialistas, os líderes dos sêniores e professores do abrigo. Sophia o puxou para fora da sala circular, provavelmente para tirá-lo de um lugar que ele não deveria estar. Depois de passar pelo scanner, o conduziu para o seu quarto e fechou a porta atrás de si, voltando a encará-lo em seguida. 
          — Tentar mentir para si mesmo ou se recusar a processar um sentimento é como colocar uma tampa em um vulcão. Você só vai aumentar a pressão interna até explodir. — Sophia pegou a sua mão fazendo movimentos circulares com o polegar para acalmar seu coração e diminuir a sua tensão — Não contenha a si mesmo. A melhor forma de lidar com emoções é administrá-las, não contê-las. 
          Jason desviou o olhar.
          — O que você tá sentindo? — perguntou ela.
          Ele franziu os lábios, pensativo.
          — Eu estou com raiva. — respondeu depois de um tempo.
          — Não está triste? 
          Ele umedeceu os lábios e mexeu a cabeça ainda tentando não fazer contato visual. 
          — Acho que sim, mas estou com mais raiva e... medo, eu acho.
          — Por quê? — tentou ela.
          Jason levantou o olhar, Sophia ainda o olhava nos olhos, transmitindo calma e compreensão, talvez fosse intencional e talvez fosse só impressão dele.
          — Porque... — sua voz embargou e ele tentou conter as lágrimas. Ela o puxou para frente e segurou sua outra mão. "Libere" ouviu sua mente dizer com a voz dela. Uma lágrima desceu pelo sua bochecha. — Porque não é justo. Porque eu não estava lá para salvá-la. Porque... — sua voz quebrou e ele foi incapaz de conter o choro — Porque eu tenho medo que todo mundo que eu amo se vá simplesmente porque eu não fui capaz de salvá-los. — disse por fim.
          Sophia o abraçou e ele chorou em seu ombro. Ele sabia que de certa forma ela estava forçando-o a liberar suas emoções, mas resolveria aquilo depois. Naquele momento a única coisa que importava era o calor agradável do seu corpo, os braços dela o envolvendo e a sensação de conforto que ela transmitia. 
          Ele chorou por vários minutos antes de se acalmar. 
          — Você não tem que salvar todo mundo, Jason. Ninguém tem o poder de salvar e proteger todo mundo. — disse ela.
          Ele sorriu.
          — Você fala como a minha psicóloga, ela diz que eu tenho um complexo de herói. 
          — Acha que ela está errada? 
          — Não. — desabafou ele — Só não sei como mudar isso.
          Ela beijou a bochecha dele, onde uma lágrima teimosa ainda escorria.
          — A gente chega lá. — prometeu ela. 
          Jason a abraçou com mais força e com medo que ela pudesse desaparecer também.

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O Riandoverso e o Diário das Sombras Nº: 32Where stories live. Discover now