O Caçador de Bebês Especiais

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NEW YORK,
JANEIRO.

          Nevava em New York. Os flocos de neve caiam timidamente naquela manhã de segunda feira. Apesar do frio, os nova iorquinos caminhavam pelas ruas como formigas selvagens. Apressados, cada um vivendo a própria vida, incapazes de ver fora do seu mundo particular, nenhum deles via o homem atravessando a Third Avenue com as mãos nos bolsos de um casaco de veludo azul escuro. Aos olhos inocentes, ele era um cidadão comum, começando um dia de trabalho como todos.
          Perto dali, no apartamento da família Jackson, Estelle dormia tranquilamente no berço. Paul andava pela casa conferindo se já estava com tudo que precisava em sua pasta enquanto Sally tentava terminar o nó de sua gravata. 
          — Fique parado, você está parecendo o Percy. — ela disse sorrindo.
          — Eu sempre fico nervoso no primeiro dia de aula depois das férias. — confessou enquanto organizava alguns papéis na pasta. 
          Ela usava uma camisola azul por baixo de um robe champanhe com bordados em turquesa. Ele usava seu habitual terno com blazer listrado de cashemere característico de um diretor com uma calça marfim. 
          O telefone em seu bolso apitou avisando a chegada de uma nova mensagem. Provavelmente era a senhora Daugwer novamente.
          — Prontinho, você está perfeito. — ela elogiou dando tapinhas em seu ombro para varrer uma poeira invisível. 
          Paul se inclinou para beijar sua esposa e foi até o quarto de Estelle, a janela estava levemente aberta trazendo para dentro uma brisa congelante. Ele se apressou para fechar. 
          — Eu volto logo depois da reunião com o conselho no final da tarde, mas vou estar à uma ligação de distância.
          — Não precisa se preocupar conosco. — insistiu ela reclinando-se sobre o batente da porta.
          Ele beijou o alto da cabeça do bebê e passou por Sally em direção à porta.
          Sally percebeu que havia pingente novo no móbile giratório junto aos ursos e estrelas acima do berço da filha. Ela se aproximou de Estelle e tocou o cristal em forma de gota vermelha. O objeto não parecia nada demais, mas ela não se lembrava de o ter colocado ali.
          — Tem uma carta do Percy e da Annabeth. — disse Paul da entrada.
          — Deve ser para avisar que chegaram bem na faculdade. — respondeu distraidamente. 
          Quem havia colocado aquilo ali? Percy? Paul? Era um pingente estranho para colocar sobre o berço de um bebê. Se caísse, Estelle poderia facilmente colocá-lo na boca e engasgar. Esse pensamento deu arrepios à Sally. Ela retirou gentilmente o pingente e o acariciou nos dedos. Era um objeto bonito, talvez comprado em algum vendedor ambulante do metrô, parecia parte de um colar barato, não era um presente para uma criança de menos de um ano. 
Sally guardou o pingente na primeira gaveta da cômoda. 
          Uma sombra passou pela janela atrás dela fazendo-a dar um salto de susto. Ela correu para a janela. A neve ainda caía lentamente e não havia sinais de pegadas na escada de incêndio. Deveria ser apenas sua imaginação. Desde que Percy havia partido de volta para o acampamento Júpiter ela havia tido pesadelos e estava o tempo com a sensação de que alguém observava o apartamento. 
          Ouviu Paul se despedido, porém sua mente estava longe para responder. Aquele aperto que a fazia se sentir insegura começou novamente. Ela fechou as cortinas e pegou Estelle no colo levando-a para o seu quarto, trancando a porta atrás de si. A filha nem se incomodou a acordar. Sally tinha medo de dizer em voz alta o que tanto Percy quanto Paul havia pensado durante todas as férias de verão: Sally Jackson estava ficando louca, vendo um inimigo que não estava ali.
          Mal sabia ela que na verdade seu medo era legítimo e que havia sim alguém à espreita. 
          O homem de casaco de veludo agora entrava no metrô da Lexington Avenue 63. Olhando para uma foto polaroid na sua mão direita.
          — É um belo bebê, qual o nome? — perguntou uma senhora.
          O homem sorriu para a idosa de cabelos brancos ralos sentada tranquilamente ao seu lado no vagão.
          — Estelle. Ela é muito promissora, tenho certeza de que ela será um grande orgulho para mim. — respondeu ele. A sua voz era rouca, como se não a usasse muito. 
          A senhora retribuiu o sorriso e desviou o olhar para as portas fechando. 
          O metrô continuou o seu caminho barulhento pela cidade de New York. O homem sem nome desceu na Parsons Boulevard bem a tempo de pegar um ônibus para o bairro Utopia no Queens. O motorista e os passageiros se quer notaram sua presença. Ele não tinha um rosto memorável, nem usava roupas que o distinguiam da multidão. As pessoas à  sua volta, todas com seus celulares nas mãos, distraídas com suas próprias vidas se quer saberiam descrever uma única característica dele depois. Ele sabia disso, porque foi assim centenas de vezes antes. Não importava em qual lugar do mundo, ninguém o via nem se cruzassem o seu caminho. 
          Uma família caminhava em direção ao cinema, pai, mãe e três filhos pequenos, sendo um de colo. A garotinha de 4 anos saltitava enquanto falava alegremente. A mãe tentava conversar de volta enquanto impedia o bebê de colocar seus cabelos loiros-quase-laranja na boca. O menino caminhava um passo atrás imitando o caminhar do pai que estava distraído digitando no celular. Eles se aproximaram do guichê do cinema. A menina começou a gritar todos os filmes que queria ver enquanto a mãe tentava fazê-la falar mais baixo e o pai retirava alguns notas da carteira com uma expressão carrancuda. 
          A neve já havia parado de cair ali e o chão era uma mistura de neve e lama. O clima também estava um pouco mais ameno, o suficiente para deixar as bochechas do bebê coradas.
          O homem se aproximou sem ser percebido, pegou o menino mais velho nos braços e atravessou a rua rapidamente. O pai olhou para trás e viu o filho quieto nos braços do estranho e gritou. A mãe se virou assustada quando o marido corria a rua atrás do homem e a menina ficou quieta enfim, se agarrando à mãe assustada. O homem abriu a porta de um restaurante chinês e a porta bateu atrás de si. O pai continuou a gritar e correr. Ao abrir a porta do restaurante viu que não havia mais ninguém lá, nem o homem, nem seu filho. 
          Depois desse momento tudo foi uma confusão, o pai tentava dizer para os donos do restaurante que, não falavam sua língua, que seu filho havia sido sequestrado e o sequestrador entrara naquele restaurante. A polícia foi chamada. Depois de alguns horas de interrogatório os pais não sabiam mais se o homem havia entrado no restaurante chinês ou na boutique de jóias ao lado. Ninguém da rua admitia ter visto o ocorrido e ninguém dentro do restaurante havia visto alguém entrar além do pai. Os repórteres curiosos tiravam fotos e faziam anotações para jornais. A mãe chorava desesperada no carro da polícia sendo amparada por desconhecidos agarrada aos seus dois filhos restantes enquanto o pai gritava com a polícia as palavras da manchete do dia seguinte: "Meu filho foi levado".

ABRIGO,
JANEIRO.

          A cafeteria estava cheia hoje. Dezenas de adolescentes e jovens adultos se reuniam em mesas circulares cinzas de metal. Poderia até parecer um refeitório escolar comum, se os cozinheiros não fossem robôs. Sophie tinha acabado de pedir o que queria no seu almoço daquele dia: bacons, purê de batatas, salada de repolho, uma porção grande de frango frito e 6 tipos de frutas com batatas fritas e seu refrigerante favorito. Eva, a inteligência artificial que ficava no seu pulso, avisou que faltavam 15 minuto para ficar pronto. Ela se encaminhou para a mesa ao lado do chafariz de fênix.
          Uma garota com o cabelo rosa encarava a estátua como se analisasse um desafio.
          — Por que colocaram um pássaro de fogo em uma fonte d'água? Já pararam para pensar nisso? — indagou.
          Um garoto de cabelos castanhos levemente encaracolados se inclinou para a garota.
          — Andou usando maconha de novo, Gabs? Não tô julgando, só quero o contato do seu fornecedor.
          Ela retribuiu o comentário com um chute na canela que ele defendeu.
          — É uma pergunta válida, Josh.
          — Se você diz...
          Sophia senta ao mesmo tempo que um garoto idêntico à Josh que usava uma jaqueta jeans vermelha e um óculos feminino da mesma cor.
          Ela se levanta, revirando os olhos e gemendo, mas o garoto põe as mãos em seus ombros e a empurra de volta para o lugar.
          — Relaxa, princesa, eu vim em paz. — Seus olhos brilhavam com um ar zombeteiro.
          Sophia o olhou de cima a baixo com nojo.
          —Você? Jamais! — Retrucou.
          O garoto colocou as mãos sob o coração e piscou os olhos fingindo ter sido insultado e tentando fazer sua melhor cara de inocente.
          — Jake deixa ela em paz. — Aconselhou Josh sem nem ao menos olhar para o irmão. 
          Uma outra garota se sentou à esquerda com uma bandeja com comidas que Sophia se quer sabia o que era. Suas traças eram loiras dessa vez.
          — Você não deveria estar seduzindo alguma novata, Jake? — perguntou a garota, pronunciando o nome do garoto como se fosse um insulto.
          — Melania, a gente vai se encontrar mais tarde, no quarto dela se é que vocês me entendem. — A voz convencida dele era incrivelmente repulsiva, pensou Sophia.
          — Tu és um cafajeste! — vociferou Gabriela brava.
          — Cafajeste? Que palavra bonita. Aprendeu em alguma aula de inglês antiga, baby? — ele brincou enquanto roubava um nabo do prato do irmão gêmeo — O que é isso? Por acaso virou vegano agora? 
          Um adolescente se aproximou de Jake pelas costas. Era pelo menos 5 centímetros mais alto, vestia um moletom esportivo e um boné do Mets, que com certeza não era o time que ele torcia. Os cabelos loiros estavam caindo para fora do boné como uma cascata.
          — Jake, saia. 
          O gêmeo vestido de vermelho se virou sorrindo.
          — Ei, Ken. Viu o jogo contra os Búfalos ontem à noite? — Sophia sabia que aquela alegria era fajuta e que na verdade Jake estava zombando do garoto loiro disfarçadamente.
          No entanto o garoto permaneceu firme com as mãos no bolso. Seu corpo estava relaxado, contudo seu olhar era ameaçador.
           — Jake, saia. Você é inconveniente.
          O ar faiscou como um sinal que em breve a cafeteria se tornaria uma zona de guerra. Jake segurou o olhar do garoto de igual para igual. Sophia decidiu fazer alguma coisa antes que perdesse sua comida na briga. Chutou a perna de Jake que antecipou seu movimento e girou na cadeira para se proteger, ela o empurrou para fora, mas ele apenas se levantou e deu dois passos para ficar de pé. Ele olhou para Sophia e para o outro garoto e se inclinou em referência dramática.
          — Aproveite o almoço, princesa. — Ele acenou com dois dedos para os outro — Até logo, pessoal. Tenho certeza que logo logo saberão da notícia mesmo. 
          Jake caminhou assobiando até uma mesa no fundo cheia de garotas. O garoto loiro se sentou e passou o braço pelos ombros de Sophia. 
          — Você não precisava dar uma de macho alfa para cima do Jake, Jason. — queixou-se.
          O garoto tirou o boné, beijou a têmpora de Sophia e sorriu, a cicatriz branca e fina no lábio pareceu brilhar.
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O Riandoverso e o Diário das Sombras Nº: 32Where stories live. Discover now