O NOVO DONO

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          O NOVO DONO

Coleção com 4 livros completos  

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A história de Greyce...

O sol bate na fresta da cortina meio aberta, meio fechada, meio suja, meio brega...
Pego o celular embaixo do travesseiro..ugh! Merda! Minha unha soltou!
Meio dia e meia
Tento ajeitar a unha pintada de vermelho Gabriela, mas não tem jeito.
Enfio mais os braços embaixo dos travesseiros e fico de bruços, mas o silicone incomoda.
Essa cama também é uma merda. Ou sou eu que me tornei muito exigente?
É...acho que é a ultima opção.

Quando estou indo pra longe, numa outra rodada de sono, meu telefone toca.

Olho o visor, ninguém que me interesse, rejeito.
Porque as pessoas que não interessam são tão insistentes?
Levanto, irritada pelo fato de ter perdido o tesão do sono que estava quase me envolvendo.
Acendo um cigarro e continuo pensando
Talvez as pessoas interessantes interessem exatamente por não ficarem como esse cara, que me liga todo dia pra dar "Bom dia, nega" e enche meu whatsapp de figurinhas escrotas ou pagodes anos 90.
Mano...tédio!
Sentada aqui, aquele filho da puta pagou uma diária, mas hoje pela manhã a mulher ligou...algo deu errado e ela estava voltando do plantão.
Plantão do quê?
Será que ela é médica?
Ou cana?
Pela cara de idiota dele, deve ser médica mesmo...
Dei graças a Deus...ele é um merda e trepa mal.
Abro a cortina e jogo a fumaça do Malboro ice na vista a minha frente!
Sorrio pro mar e uma onda bate barulhenta, como se me devolvesse o sorriso.
Debruço na armação de vidro que é a única coisa que está entre mim e uma queda de uns 10 andares. Eu confio no vidro...não confio é em homens e verifico no meu celular de novo o TED que esse cliente fez ontem, antes de me buscar para "um drink".

Sim, o codigo desse viadinho para programa é :
" Olá, Bianca! vamos tomar um drink hoje?"
Continuo sorrindo praquele dia lindo , cheirando a maresia!
Uau! Olha essa onda gigante que veio agora!
Rio sozinha vendo algumas pessoas levantando desnorteadas do caixote que levaram !

É...até que esse " drink "vale a pena, no final das contas!

Volto pra dentro do quarto, estou nua como vim ao mundo, porém com alguns mls de silicone no peito e músculos desenhados.
Me olho no espelho , viro de costas, jogo o cabelo...

Pego o celular e escolho uma música que tem sido meu novo víciozinho

Childish Gambino - Redbone

Pego a garrafa de champagne no balde de gelos meio derretidos já, e encho uma taça; não está tão gelado, mas ainda é gostoso.

Me encaro no espelho grande do quarto caro , tiro várias selfies antes de me jogar na cama king com leçóis branquíssimos e me fotografo assim, linda, sorridente, cara de rica!
A cara das invejosas pirando me vem a mente e eu gosto.

Abro o facebook e , de cara , uma lembrança de 2 anos atrás.
Eu, tão diferente, morena, cara de bolacha, sorriso apaixonado no rosto. Mal sabia tirar uma foto decente - mãos nos quadris, com uma roupa chinfrim e um posto de gasolina atrás...meu antigo trabalho, uma loja de conveniências num posto.
Aquela foto aciona um gatilho foda na minha mente e, numa questão de segundos, uma névoa cobre meu momento ; naquela imagem eu vejo a Greyce , não mais a Bianca.

Não, merda...eu não quero lembrar desse nome! Não quero lembrar essa época...nada disso!
Eu não sou mais quem eu era!
Eu sou Bianca agora!

Silêncio
Como se estivesse num transe que não posso controlar, aquele passado volta, avassalador como aquela onda que vi há minutos atrás...e eu levo um caixote , sem conseguir me defender da armadilha criada pela minha própria mente.

Eu, Greyce, chorando amargamente sozinha, sangrando como um porco, retorcida de dor.

"Toma 2 e enfia 2 ! Esse é do verdadeiro, vai descer!"
Eu tinha seguido as instruções, cheia de medo, culpa , com a ingenuidade de uma menina de interior, tentando uma vida melhor numa cidade grande
Estava acontecendo, ali naquele quarto abafado...
Eu estava abortando do homem que eu amei, mesmo sabendo que ele não tinha nada pra me oferecer!
Agora eu mal sabia onde ele estava.
Comigo, ninguém.
Não sei se posso dizer que apenas Deus...eu estava cometendo um grave pecado e...meu Deus...que dor!

A lembrança faz correr uma lágrima e viro o rosto de lado, seguindo a luz la de fora...tentativa inútil de desfazer esse passado que me corrói por dentro como um câncer ...

De nada adianta...

Como se estivesse dentro de um google maps, minha mente me joga dentro daquela favela onde morava, Rio das pedras.
Volto ao quarto, febre altíssima, não sei quanto tempo durmo, quanto tempo é desmaio, vomitando ao lado da cama e o cheiro me embrulharia mais tarde, quando o tempo passasse.

Como eu sofri!
E sozinha.
Mas não parou ali, meu caminho de azar.

Uma semana depois, desemprego...
o patrão não entendeu 3 dias de ausência sem atestado.
Bem, que hospital daria atestado para uma vaca assassina que abortou em um quarto alugado numa favela ? Que sangrasse até morrer.
Não havia quem me levasse, e eu tive medo de ser denunciada...tive tantas coisas, e tão pouca força para decidir, enfim...desempregada!

Passados alguns dias, rescisão de merda nas mãos, debilitada demais ainda, tomando cefalexina, dipirona...eu suspeitava de infecção, e quando pude, confirmei no UPA que precisava de cuidados...

cuidado...que ironia!

Cuidado de quem?
O meu amor, o homem que eu amava, a quem me dediquei, sumiu!
Poderia estar preso, morto ou apenas seguindo sua vida, como já estava acostumado.
Após as insistentes tentativas de falar com ele, em meio ao morre não morre, as "amigas" que eu tinha feito aqui no Rio, eram meras conhecidas do trabalho, e viviam lá dentro 10 horas por dia...mal tinham tempo para se cuidar!
Era eu por mim!
Mas eu não era mais ninguém...eu estava morta.
Estava triste e desencantada com tudo, principalmente, sem forças pra prosseguir, me culpando por ter sido tão burra, sentindo pena de mim por ter dado tão errado.

No meio do filme das lembranças, me vejo entrando no quarto que teria de entregar ...sim, como se não bastasse tudo, a dona do lugar ficou tão puta por eu quase ter morrido dentro da casa dela, que pediu para eu sair no final do mês...

Chorei por uma noite inteira agarrada aos meu joelhos.
Sozinha no mundo, sem família, minha mãe empregada doméstica , vivendo de favor na casa da patroa em Belo Horizonte...Pra onde eu iria?

Volto a consciencia pro presente

Levanto da cama, puxando ao máximo todo o liquido escorrendo do meu nariz, olhando pro teto, forçando as lágrimas a voltarem pro lugar de onde saíram; encho minha taça novamente e faço carão, buscando admirar o meu reflexo ali. A Bianca encara a Greyce.

Começo a me mover, meio felina, subindo as mãos pelo cabelo bem cuidado, picotado e descoloridos por luzes.

A leoa Bianca, desafia a ratinha Greyce a voltar..."Vem, volta! Aparece de novo na minha mente, filha da puta, trouxa! Tenta!"

Tomo um gole gordo e puxo o morango no prato ao lado; mordo com a boca carnuda, agindo da forma sexy que eu tão bem sei fazer.

"Eu dei isso pra gente" - falo comigo mesma, olhando pro meu visual, nada parecido com aquele estampado na lembrança do facebook.
"Não me olhe como se fosse errado. Eu te enterrei para poder nos trazer de volta a vida!"
Me aproximo do meu reflexo no espelho, mas sei que esta ali do outro lado do vidro...é ela; então sussurro
"Não. ouse . voltar "

Viro o rosto, não me olho mais no espelho e começo a pensar em coisas boas, coisas que podem dar certo, que eu quero que deêm certo...preciso!

Ligo as torneiras da Jacuzzi do quarto e entro, suavemente, naquele espaço. Deixo meu corpo ser regado pela água meio morna; os pequenos jatos saindo de vários orificios, brincam com a minha pele; essa mordomia me faz bem e sorrio...

Bianca está mais viva do que nunca!