Quando você a beijou na minha frente

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Tudo ocorreu como sempre nas apresentações que elas costumavam fazer juntas quando eram inseparáveis. Uma sempre sabia o momento exato em que a outra havia terminado de falar para emendar sem pausa. Era como se compartilhassem a mesma mente. Era tão fácil.

— Fim da aula. Vocês estão liberados. Boas férias pra todos — disse o professor.

Carla hesitou para levantar. Ela continuou firmemente plantada em sua cadeira, sem mexer um músculo. Embora Adele estivesse ao seu lado arrumando suas coisas, todo mundo saiu bem mais rápido que o costume, até só sobrarem as duas. Parecia até proposital. Elas saborearam o silêncio por alguns instantes antes de deixarem a risada escapar.

— Tá tudo bem? — Adele perguntou.

— Eu não tenho o que fazer, nem quero voltar pra casa — Carla se inclinou na cadeira.

— Quer almoçar comigo? Tenho uma hora até precisar correr pro estágio — Adele ofereceu estendendo a mão, e ela aceitou.

As duas atravessaram a avenida do ponto de ônibus mais próximo e caminharam algumas quadras até chegarem numa casinha de primeiro andar aberta, com uma escada extremamente estreita e íngreme que levava até um self-service de comida caseira. Ambas almoçavam lá frequentemente, mas nunca no mesmo dia. A cozinheira cumprimentou as duas de dentro da cozinha americana.

— Oi, meus amores. Vão caprichar no feijão hoje, né não? Tão 'maguinha', 'maguinha'... É o final do semestre puxando? — ela falou com um sorrisão aberto enquanto mexia numa panela.

— Tu nem faz ideia — respondeu Carla enquanto elas pegavam dois pratos.

Não foi nenhuma surpresa para Carla que o prato de Adele terminasse com o dobro do tamanho do dela, mas ela ainda a encarou enquanto a loira se sentava, até que a menina dissesse:

— Que foi?

Ao que Carla respondeu sem segurar um sorrisinho:

— Tu sempre foi magra de ruim mesmo, né?

Adele abriu um sorriso enquanto colocava o sal em sua comida. Os atletas precisam se alimentar bem, mesmo quando não são mais atletas. Ela ainda se exercitava regularmente, afinal. Talvez beirasse o vício, mas era parte de sua personalidade. Carla, por outro lado, não demorou muito pra adotar um estilo de vida mais preguiçoso depois que deixou os dias de vôlei para trás.

— Se tu fosse pra academia cinco vezes por semana, também abriria teu apetite — Adele respondeu, enfiando uma garfada na boca.

— Muito obrigada pela sugestão, mas, agora que me aposentei, o máximo de exercício que pretendo fazer pelo resto da vida é uma caminhada aqui e ali. Ah, e hidroginástica quando eu ficar velha e perder minha flexibilidade — Elas compartilharam uma risada — Esse tanto de sal que tu bota também não é muito fitness, hein?

Adele estirou a língua.

— Carla? Adele? — Uma voz despertou a atenção das duas. A dona dela era uma garota alta, de cabelo cacheado e volumoso, preso num coque abacaxi — Nunca imaginei ver essa cena de novo.

Beatriz, a garota em questão, era da equipe de vôlei delas. Todo mundo sabia do término dramático de amizade, então devia ser mesmo estranho ver as duas rindo e almoçando juntas como se nada tivesse acontecido.

— Oi, Bia — Carla respondeu com o dorso virado em direção a ela e o braço apoiado no encosto da cadeira. Adele apenas a olhou enquanto mastigava — Como vai?

— Mulher, tô nos aperreios, mas tô ótima. Nunca mais falei com vocês. Que bom que se entenderam. A gente sempre achou que uma hora fosse acontecer — ela respondeu, sentando-se na mesa ao lado.

Quando Eu Ainda Amava VocêWhere stories live. Discover now