Quando eu me senti a pior pessoa do mundo

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A manhã seguinte foi difícil para Adele. Assim que ela abriu os olhos, lágrimas rolaram por vários minutos e, às vezes, o choro se transformava em risada, apenas para beirar o desespero logo em seguida. Ela teve que ficar em posição fetal e abraçar o próprio corpo para se acalmar e recuperar o fôlego. Quando passou, foi como se um mamute tivesse saído das suas costas. Carla havia admitido que a amou um dia, e aquele soco atingiu seu estômago com força.

Durante todo aquele tempo, Carla a odiou porque se sentiu sozinha em seu amor. Abandonada. Ela não entendeu o que aconteceu, e Adele nunca forneceu qualquer explicação.

O começo daquela tragédia foi a quadrilha do segundo ano do ensino médio.

Todos precisavam de um par e, naturalmente, elas resolveram ir juntas. Àquela altura, não era novidade que vez ou outra elas ficavam em festas, e ninguém parecia ligar pro contato físico exacerbado entre as duas. Melhores amigas deveriam ter mesmo esse nível de conforto e intimidade, não é? Era só uma festa.

As coisas começaram a afundar quando uma funcionária da escola quase flagrou as duas fazendo coisas inapropriadas no estacionamento. Uma semana depois, ela foi chamada na coordenação, sozinha.

— Adele, você é e sempre foi uma das nossas melhores alunas e atletas. A gente só te chamou aqui porque nos importamos com o seu futuro. Seu comportamento tem sido preocupante — A voz do coordenador a fazia diminuir com cada palavra. Ao final do discurso, Adele já sentia que precisava se segurar nos braços da cadeira para não afundar nela e sumir.

— O que eu fiz?

— O estacionamento da escola, querida... Não é o local apropriado para... — A gestora a encarava com um sorriso sonso. Adele nunca gostou dela — Nós achamos que talvez você esteja andando com más influências.

— Ah, é? — Ela não conteve uma risadinha de escárnio enquanto cruzava os braços. Adele sabia muito bem de quem estavam falando.

— Eu vou pra igreja com a sua mãe. Ela é uma mulher tão boa. Ela te acolheu quando... — A mulher quase terminou a frase, com aquele olhar insuportável de piedade na direção de Adele. Como se ser adotada fizesse dela uma pobre coitada — Eu só acho que você deveria pensar um pouco nela. Como ela reagiria?

— Ao quê, exatamente? — Adele se inclinou pra frente em tom de desafio.

Eles não teriam coragem de dizer a verdade. Iriam disfarçar dizendo que era sobre o desempenho acadêmico dela, porque assim ninguém poderia chamar aquilo do que realmente era. Homofobia.

— Você tem relaxado — A gestora insistiu, embora eles só tivessem evidências bem superficiais do que estavam dizendo — E a gente quer tentar te ajudar primeiro, ao invés de falar diretamente com seus pais. Te dar a chance de mudar por conta própria.

"Uma ameaça muito sagaz," pensou Adele com rancor. Ela não respondeu.

— Também vamos falar com alguns amigos seus. E outros alunos relapsos. Não é nada pessoal — O coordenador estava visivelmente desconfortável com a situação, e um pouco intimidado pela presença da chefe.

Aquele comentário despertou um alerta dentro de Adele.

— Não falem com a Carla — Ela pediu, quase implorando.

— Oi? — O homem ficou confuso.

— Eu vou fingir por um instante que essa reunião aqui é mesmo sobre o que vocês tão tentando fazer parecer ser, então me escutem, por favor. Ela é uma aluna tão valiosa quanto eu, certo? Ela é co-capitã do time de vôlei e tira notas boas.

A gestora fez um gesto de que ia falar, mas Adele a segurou.

— Se vocês falarem com ela da maneira que tão falando comigo, ela não vai suportar. Eu conheço a Carla. Essa conversa vai prejudicar o desempenho dela e eu sei que é o que realmente importa aqui. Os jogos começam em uns dois meses. Eu estou implorando para que não falem com ela.

Quando Eu Ainda Amava VocêWhere stories live. Discover now