Tomando uma atitude

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Meus pais respiraram aliviados por eu ter conseguido um emprego. Mas quem me tirava pra valer do sério era minha irmã. Sarah tinha aquele ar de sarcasmo que me dava nos nervos. 

— Salão de beleza? 

— Sim. Algum problema? 

— E você vai ser cabeleireira? 

— Vou. 

Ela fez cara de desdém. Qual era o problema dela? E se eu quisesse ser cabeleireira, manicure, massagista... Qual o problema? Eu sei. Minha irmã tinha vergonha de mim.

Sarah trabalhava em uma boutique de roupas muito finas no shopping, atendia as pessoas mais ricas da cidade e, mesmo aturando um desaforo ou outro, ela falava de boca cheia que era consultora de moda. Ela, por sinal, fazia faculdade de moda pela manhã, trabalhava no shopping de segunda a sábado e, aos domingos, corria no parque. Só comia alimentos low carb e fazia jejum intermitente quando tinha algum evento de moda. Ela vestia o mesmo tamanho das manequins da vitrine e ganhava várias peças de roupa para estar sempre de acordo com o estilo da loja.

Eu não malhava, comia e bebia o que sentia vontade, vestia o que servia e não tinha um projeto para o futuro. Resultado: Sarah, 20 anos, tamanho 38. Samanta, 23 anos, tamanho 50.

Para me distrair, passei a seguir nas redes sociais uma modelo plus size e, ao mesmo tempo, sonhar com o dia em que eu poderia ser rica e famosa sem precisar me acabar fazendo dietas malucas. E por causa dela eu acabei me inscrevendo em alguns sites para receber dicas, até que abri minha caixa de e-mails e lá estava "Concurso Miss Plus Size". As inscrições terminavam na segunda-feira. Fiquei empolgada com a possibilidade de participar do concurso, mas o que desanimou foi o valor da inscrição, que custava tudo que tinha sobrado da última parcela do meu seguro-desemprego.

Ficar de bobeira na internet no domingo à tarde era a maior furada, porque a gente fica entrando em sites, redes sociais e de repente encontra a sua musa inspiradora: Flávia Macedo, a mais bem-sucedida modelo plus size e fada madrinha do concurso Miss Plus Size.

Flávia e eu temos números muito parecidos, exceto um: o da conta bancária. O sucesso dela como modelo plus aparece na forma de viagens, capas de revistas, campanhas publicitárias e na sua linha própria de lingeries, a Be Sexy. As peças são maravilhosas e caras. Ela é a garota propaganda de sua marca, mas estava à procura de novas modelos. 

Por isso aquela edição do concurso ia ser tão especial. A ganhadora ia assinar um contrato de trabalho com a Be Sexy. Eu ficava me imaginando nas revistas, nos sites, nos catálogos e nos posters das lojas de lingerie por todo o Brasil. Mas só tinha uma maneira de tentar realizar o meu sonho e essa maneira era me inscrevendo naquele concurso. Não sei o porquê, mas de repente bateu, assim, uma insegurança. Me levantei da cama e fui para a frente do espelho.

Calcinha cor chocolate e sutiã nude não ajudam a levantar a autoestima de ninguém. E ali estava eu: pernas bem grossas, braços roliços, barriga saliente, quadris avantajados, seios fartos, bunda grande, rosto redondo. Um metro e sessenta e cinco. Qual a chance? Bom, as pessoas costumavam dizer que eu tinha o rosto bonito.

O problema era que eu mal me equilibrava em cima de um sapato de salto. Desfilar, então? Era queda na certa. Deixei aquela ideia idiota de concurso de lado e fui ver o que estava rolando nas redes sociais, principalmente fuçar no perfil de um cara com o qual eu estava ficando uns meses atrás e que terminou comigo. Da última vez que visitei seu perfil dizia que estava solteiro e tinha umas fotos antigas. Nada demais. Mas dessa vez eu quase não acreditei no que vi. 

O perfil tinha mudado totalmente: agora eram fotos dele na academia, fotos na praia, passeando com um cachorro, fotos com amigos, fotos com garotas, fotos de baladas. Mudou o status para "em um relacionamento sério" sem dizer com quem. Compartilhamento e postagens de frases motivacionais. Fiquei em dúvida se ele era a mesma pessoa que eu tinha conhecido uns meses antes. Quanta diferença! 

Fiquei mal. Pra baixo mesmo. Fiquei imaginando por que um cara com o perfil dele iria querer um relacionamento sério comigo. Não ficamos muito tempo, é verdade, e a gente só se encontrava nas baladas. Não apresentei ele para a minha família, muito menos ele me apresentou para a sua. Na minha cabeça as coisas poderiam evoluir do nível "peguete" para "namorado".  

Depois de ver aquele perfil tive a certeza de que nunca iria acontecer. E eu gostava dele, era um cara legal, só que, olhando para o nosso relacionamento com uma certa distância, estava na cara que não ia vingar. Eu era só a gordinha legal e engraçada de pegar na balada. Não ia ser levada a sério por ele. E acredito que por cara nenhum, se eu não desse um jeito de me destacar na vida. Quem era a Samanta na fila do pão? A que comprava e comia cinco pães de uma só vez. Então eu decidi que tinha que fazer alguma coisa.

E fiz.

Miss Plus SizeWhere stories live. Discover now