Capítulo 1: Casa

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— Como seu amigo... — Ele começa, mas faz uma pausa em seguida, parece repensar bem as palavras que irá dizer. — Vamos deixar as formalidade, tá bem? Aqui, agora, é apenas você e eu, seu amigo. — Assenti com certo receio. — Me fale o que aconteceu naquela noite Mobi. Me explique por que apenas você saiu com vida daquela biblioteca. — Roço os dedos um no outro com mais pressão, causando-me uma dor suportável. Ele tocou onde mais me machuca, onde dói, já que é uma ferida recente. Pois nem eu sei explicar. Sinto as lágrimas quererem cair, pois elas já embaçam minha vista. As enxugo quase que imediatamente. Levanto os olhos até ele e respiro fundo, tentando me controlar.

— Não sei explicar. — Começo. — Estávamos bem na biblioteca e em um minuto não estávamos. O fogo surgiu do nada e quando demos conta já era tarde demais. Quando eu me dei conta eu já estava no jardim e Lucas ainda estava lá, queimando junto aos livros. — Minha voz começa a ficar embargada, pois, por mais que tentasse o sentimento de perda daquela noite dói mais que mil pedras sendo atiradas. É um vazio tão grande dentro do peito que se o abrissem o confundiram com um buraco negro, pois não encontrariam nada com vida lá. Estou morta por dentro.

Sem perceber já havia me entregado as lágrimas, as lembranças passam denovo e denovo e denovo na minha cabeça, como se não fosse o bastante para me fazer sofrer uma única vez. A maldita noite me invade em cheio e eu não consegui não chorar. É demais. Não aguento mais esconder nada dentro de mim.

Estou sufocada.

A falta de ar se fez presente e eu não consigo respirar, fui ao chão a procura de ar.

— Mobi! Calma!. — Doutor Choi pede com voz de desespero, ajoelhando-se perto de mim e retirando a bombinha que sempre carrego no bolso canguru do moletom e me entrega. Sugo o objeto e assim vou voltando a respirar normalmente, aos poucos, com dificuldade. — Está melhor? Consegue respirar? — Assenti lentamente, meus pulmões ainda inflando e doendo. Ele me ajuda a levantar e me coloca sentada onde estava, para assim abrir mais a janela, dando-me o prazer do vento gélido acariciar minha pele como um bálsamo. — Quer sair um pouco? Caminhar lá fora? — Assinto lentamente, quase que me imediatamente, pois só quero fugir dali.

O vento acaricia minha pele com mais preciosidade, sinto-me livre, mesmo sabendo que não sairei tão cedo desse reformatório, que os altos portões de ferro maciço me fazem se sentir um animal enjaulado. Estou presa.

Alguns olhares estão sobre mim e assim como o doutor Choi, eles me julgam pelo ocorrido, mesmo sem prova do que realmente aconteceu lá. Fui a única sobrevivente. Baixo a cabeça e apenas sinto o vento me acariciar, é bem mais reconfortante imaginar que estou só, sem ninguém para apontar o dedo para mim e me acusar.

Alguns garotos jogam pedrinhas e um pequeno lago existente atrás do casarão. Meu olhar se perde ali, pois eu e Lucas fazíamos isso, todos os dias para o tempo passar.

— Se sente melhor? — A voz do doutor interrompeu meus devaneios e também da suposta tristeza em qual iria cair, ao relembrar todas as boas memórias que vivi desde a minha chegada nesse reformatório, ao lado de Lucas, sempre ele. Assinto com um leve balançar de cabeça e volto a olhar o lago. Agora os garotos me olham e começam a cochichar e aposto minha vida que devem está falando a mesma coisa que todos.

Eu fui a única sobrevivente do incêndio.

— Doutor, licença. — Levanto o olhar quase que imediatamente e vejo a pessoa que o chamou, é Merli, assistente pessoal do doutor Choi. Ela é linda! Tem cabelos longos e escuros, pele clara e olhos verdes e dona de uma voz extremamente doce, uma beldade para ser mais exata. Já conversamos algumas vezes, quando o esperava parava minha consulta e dentre essas ela deixou escapar que tem uma queda pelo Doutor, mas namorar outros funcionários é contra os regulamentos, assim como é com os pacientes. Merli é uma pessoa incrível, mas acho que o Doutor Choi dá a mínima para ela, pois a trata como uma irmã mais nova. Ela merece bem mais.

Alguns diziam que somos parecidas, apesar da diferença de altura, cor dos olhos e a tristeza que carrego comigo. Merli emite uma aura boa, é quase uma paz física, todos que passam menos de cinco minutos com ela sai aos sorrisos e digo como prova, já que fui uma das pessoas que ela arrancou um sorriso sincero e avassalador. Porém, assim como todos os outros, ela se afastou, depois daquela maldita noite. — Tem visita para o senhor.

— Claro! — Ele enfia as mãos no bolso do jaleco e me olha, evidentemente com receio em me deixar só após um ataque asmático. — Ficará bem?

— Sim. Pode ir, estou bem. Vou voltar para meu quarto. — Aponto para a direção dos dormitórios. — Está frio. — Me encolho no moletom.

— Tudo bem. — Ele sorri sem mostrar os dentes. — Cuide-se Mobi, é jovem demais para carregar tanta dor e uma doença que a faz ver o pior do mundo. — Fala referindo-se a depressão. — Fique bem. — Ele sorri mais uma e se afasta aos poucos, junto a Merli, com sorrisos e empurrões, vez ou outra me olhando por cima do ombro.

Eles fazem seu caminho até a clínica pouco afastada do casarão e ainda ouço a doce risada de Merli, pois do nada o jardim ficou vazio, como se todos tivessem fugido de mim.

Enfio minhas mais no bolso canguru do moletom, espremo os lábios e olho ao redor, fazendo meu caminho até o dormitório, chutando pedrinhas pelo caminho.

[...]

Pego um livro aleatório na minha estante e sento-me no batente da janela, que tem como visão o pequeno d chamativo lago cristalino – que agora é só gelo. Me afundarei em mais uma boa história, assim como faço todas as tardes, deixando minha mente viajar um pouco para fora, me livrando desse mundo aqui.

Ou não.

Alguém começa bater na porta insistentemente e eu suspiro. Quem me procuraria a uma hora dessas? Lembro-me de Lucas automaticamente, pois ele é o único que teria coragem de me perguntar e de me arrancar das minhas leituras de fim de tarde. Suspiro pesado afastando novamente as boas lembranças, pois elas me entristecem. Coloco o livro sobre cama e saio do batente, caminho a passos lentos até a estrutura de madeira e logo seguro a maçaneta gélida, tremo, já sabendo que não seria ele quem estaria ali. Giro a mesma e ao abrir revela Anna, a inspetora do terceiro andar, o andar os loucos.

O meu andar.

— Senhorita McDonie, me acompanhe. Tem visita. — Ela diz simplista e dá um passo para trás. Assinto. A olho com desconfiança e faço bico, calço meu tênis e a sigo.

[...]

— Espere Aqui. — ela diz friamente. Assinto e sento-me no sofá da recepção, logo Anna some nos corredores. Bato os dedos nos joelhos e começo a olhar de um lado para o outro, na esperança de ver um rosto conhecido. E vejo.

Kim Jong-Dae, ou melhor, Chen. Meu melhor amigo e antigo motorista.

Levanto-me em um salto e corro para seus braços, pois além de trabalhar para mim Chen me viu crescer e não há nada mais reconfortante que isso, revê-lo e ser bem acolhida em seus braços, como antigamente.

Me afasto de seus braços e o olho nos olhos, já com lágrima embaçando novamente minha vista. O coração batendo acelerado no peito e meus olhos ardendo, prontos para se derramarem em lágrimas novamente.

— Não chore. — Ele sorri, passando o polegar em minha face, abaixo dos meus olhos.

— Senti sua falta. — Faço bico, controlando-me para não chorar como ele me pediu, mas é quase impossível.

— Eu também senti, pequena. Ver você mandando ordens até que fez falta. — Sorrio. — Mas então, está pronta? Podemos ir?

— Ir? Ir para onde? — Franzo a testa, perdida.

— Aish! Eles não lhe avisaram? — Ele sorri envergonhado e esfrega a testa, baixando o olhar para o chão por alguns segundos. — A Senhora McDonie deve ter esquecido de informá-los. — Continuo com a minha cara de tacho, cara de quem não está entendendo nada de suas palavras. — Vamos Mobi, sorria, voltará para casa. Osan. — Queria poder sorrir, poderia sorrir por finalmente está saindo desse inferno, mas qual sentido faz sair de um inferno e ir diretamente para outro?

Never Far Away | Pjm | Série Amor e Fúria - Livro 2Where stories live. Discover now