| Sábados

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Para melhor e x p e r i ê n c i a aconselho que ouça as músicas como trilha sonora disponibilizadas nos capítulos e que coloque o tema b r a n c o no modo de leitura

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Para melhor e x p e r i ê n c i a aconselho que ouça as músicas como trilha sonora disponibilizadas nos capítulos e que coloque o tema b r a n c o no modo de leitura.

Boa leitura!

Querido Diário,

Eu estou sentada debaixo da escrivaninha do quarto, porque meus pais estão brigando novamente. Não consigo parar de tremer, por isso a minha letra está saindo horrorosa. Eu estou cansada de ouvir esses gritos. Estou cansada de não ter para onde correr, para quem contar ou alguma coisa para fazer, aí comecei a escrever nesse caderninho que a minha avó me deu.
Eu não queria ser assim, me sinto tão fraca e imponente. Queria ser corajosa, queria parar de tremer, queria parar de chorar e de me esconder. Mas esses gritos me deixam... desestabilizada. É como se eu fosse feita de porcelana e de repente eu estou rachando e transbordando para todos os lados.
Meu pai está dizendo bem alto que um dia vai embora de casa, que a minha mãe vai pagar as consequências. Eu não sei quais são as consequências, a gente faz tudo para ele ficar feliz. Minha mãe começa a chorar desesperada e eles ficam andando de um lado para o outro se xingando e gritando muito alto.
Os tremores das minhas mãos passam para o meu corpo e... eu não consigo mais escrever. Querido Diário, eu não queria estar nessa casa. Eu não queria viver desse jeito. Eu não queria estar assim. Será que um dia alguém vai me ajudar?
Por isso que eu detesto Sábados. Queria que fossem retirados do calendário. Assim papai chegaria só de noite no domingo em casa. E eu e a mamãe teríamos paz.

Eu gosto do papai. Ele às vezes diz que me ama. Só que eu não sei se ele ama mesmo. Acho que o amor não me faz tremer, me esconder e ficar com medo chorando em um canto do quarto.

Posso ser pequena e não saber de muita coisa, mas eu sinto que o amor não é assim.

O amor que ele diz me faz mal. Eu sinto medo dentro de casa. Sinto medo quando ouço essa gritaria. O amor dele faz meu coração doer de um jeito estranho. O amor dele é falar palavras que machucam e são difíceis de esquecer. O amor dele me faz chorar, de solidão, de abandono, de tristeza. Quando o vejo não sinto alegria, sinto um misto de ansiedade e medo. Nunca sei o que ele pretende fazer ou falar.

O amor dele faz a minha mãe ficar chorando alto até soluçar. O amor dele faz a minha mãe ficar com o rosto sempre cansado. O amor dele é como uma doença contagiosa.

Vai entrando no nosso corpo e contaminando tudo no caminho, faz a gente ir no hospital, faz o corpo doer e me sentir muito quente como se estivesse com febre.

O amor dele não pode ser amor. Não é isso o que passam nos filmes que vejo com mamãe. Lá no cinema quando dizem "eu te amo" eles sorriem.

Eu já não consigo sorrir mais. Por que quando ele me diz eu te amo, eu não quero dizer de volta. Eu só queria ir ficar com a vovó no sítio.

A vovó me diz eu te amo e eu fico feliz. Ela sempre me abraça, sempre faz pudim com muita calda e me dá presentes e o material escolar. Quando a mamãe me diz eu te amo eu também me sinto feliz. Sei que ela me ama. E é fácil dizer para elas que eu amo elas.

Mas com ele é difícil. E por causa disso eu estou aprendendo a ficar quietinha no meu canto.

Estou ouvindo passos no corredor se aproximando, acho melhor guardar você. Não sei quando vou voltar a escrever. É melhor guardar porque eu não quero que ele ache esse diário. É meu, e aqui eu posso escrever tudo o que eu penso e sinto. Queria que você fosse uma pessoa para me abraçar e me escutar. Mas eu fico feliz por ser esse caderninho.

Alguém está na frente da porta então vou esconder você.
Até logo diário.

Estrelas Incapazes de Brilhar Onde as histórias ganham vida. Descobre agora